Cartazes de campanha em frente a um local de votação em Melbourne, Austrália, 18 de maio de 2019. O dois principais partidos contam com empresas de fachada para esconder dinheiro de doações. (Asanka Brendon Ratnayake/The New York Times)

© Distributed by The New York Times Licensing Group Cartazes de campanha em frente a um local de votação em Melbourne, Austrália, 18 de maio de 2019. O dois principais partidos contam com empresas de fachada para esconder dinheiro de doações. (Asanka Brendon Ratnayake/The New York Times)

Sydney – Quando o dr. Ken Coghill serviu na legislatura estadual de Victoria no início da década de 1980, juntou-se a um movimento para reformar o sistema de financiamento de campanha da Austrália que permitia que as doações se espalhassem pela política, com os doadores conseguindo esconder sua identidade e sua contribuição. Coghill, líder trabalhista na época, disse que estava indignado porque o chamado “dinheiro negro” minava o princípio de que todos os eleitores são iguais, dando aos doadores não identificados e aos seus candidatos ou partidos escolhidos “uma vantagem considerável”.


Vista da orla de Sydney, Austrália, com a Ópera à direita, 15 de fevereiro de 2021. A maioria dos australianos acredita que a corrupção na política é uma ocorrência comum. (Isabella Moore/The New York Times)

© Distributed by The New York Times Licensing Group Vista da orla de Sydney, Austrália, com a Ópera à direita, 15 de fevereiro de 2021. A maioria dos australianos acredita que a corrupção na política é uma ocorrência comum. (Isabella Moore/The New York Times)

Quase 40 anos depois, Coghill ainda está indignado, porque pouco mudou. Mas, agora, essa cultura de sigilo está definindo o início da campanha eleitoral federal, que determinará se o atual primeiro-ministro conservador permanecerá no poder.

Com eleições previstas para o fim de maio, os australianos não estão tendo debates políticos, mas sim acusações de financiamento secreto chinês, falhas em relatar grandes doações e pagamentos a ativistas climáticos feitos por barões do carvão. “O fluxo de dinheiro está aumentando e a cultura política está se corroendo. Há uma sensação de que, se você consegue se safar, pode fazer o que quiser”, afirmou Han Aulby, diretora executiva do Centro de Integridade Pública.

Em comparação com os Estados Unidos, a temporada de campanha da Austrália é mais curta e menos cara, como é o caso de muitos países com democracia parlamentar. Mas mesmo entre seus pares, como o Canadá e a Nova Zelândia, a Austrália está defasada na regulamentação do financiamento de campanhas. Pesquisas do Centro de Integridade Pública mostram que, nas últimas duas décadas, a fonte de quase US$ 1 bilhão em renda partidária foi ocultada.

Alguns estudiosos argumentam que a opacidade da Austrália reflete um conjunto distinto de idiossincrasias culturais: a crença de que a transparência não é um bem social óbvio e uma sensação de que aqueles no poder devem decidir o que o público precisa saber. “A visão predominante na Austrália ainda é que o governo é dono da informação – que não é usada em nome dos cidadãos –, e, se a população a quer, ela não deve estar automaticamente disponível. Isso está no cerne da questão aqui. Não abandonamos essa ideia ainda”, ressaltou Johan Lidberg, professor de mídia da Universidade Monash.

A questão monetária desta vez vem depois de um período de crescente preocupação pública com a corrupção.

Em um país muito mais rico do que costumava ser, onde todos sabem que o dinheiro da infraestrutura vai para amigos de políticos e onde o sigilo do governo continua se expandindo, as pesquisas mostram apoio esmagador a um órgão anticorrupção em nível federal. A maioria dos australianos agora acredita que a corrupção é uma prática comum.

O Partido Liberal de centro-direita do primeiro-ministro Scott Morrison havia prometido fazer algo a respeito da situação depois de vencer a última eleição, em 2019, mas ficou só na promessa. Agora, com o declínio do apoio à sua gestão da pandemia, ele começou a usar o dinheiro negro como tema para atacar seus adversários políticos. Seu empenho começou com acusações de dinheiro e apoio da China.

Em fevereiro, Mike Burgess, chefe da Organização Australiana de Inteligência de Segurança, a principal agência de inteligência interna do país, alertou em sua avaliação anual que autoridades haviam frustrado uma conspiração de interferência estrangeira envolvendo um indivíduo rico que “mantinha conexões diretas e profundas com um governo estrangeiro e suas agências de inteligência”. O “manipulador”, segundo ele, havia contratado alguém na Austrália e enviado centenas de milhares de dólares vindos de uma conta bancária offshore.

A especulação imediatamente se voltou para Pequim. No dia seguinte, no Parlamento, o ministro da Defesa da Austrália, Peter Dutton, disse que o Partido Comunista Chinês havia escolhido apoiar Anthony Albanese, o líder do Partido Trabalhista. Morrison fez o mesmo, chamando os líderes do Partido Trabalhista de “candidatos da Manchúria”.

Os críticos chamaram as observações de alarmismo. O Partido Trabalhista declarou não ter feito nada de errado, e Burgess tentou contemporizar os ataques partidários: “As tentativas de interferência não se limitam a um lado da política.”

Aulby, que fundou o Centro de Integridade Pública em 2016, comentou que muitos australianos estavam começando a questionar o que acontece nas sombras, onde favores e financiamentos se entrelaçam. Ela explicou que uma das táticas mais descaradas para esconder dinheiro envolvia “entidades associadas” – essencialmente, empresas de fachada que distribuem doações.

Os dois maiores partidos dependem delas. O Trabalhista, por exemplo, recebeu 33 por cento de sua renda de 1998 a 2021 de entidades associadas, totalizando mais de US$ 120 milhões. O Liberal conseguiu mais de suas entidades associadas – cerca de US$ 140 milhões no mesmo período, de acordo com o centro, totalizando 42 por cento de toda a renda declarada pelo partido. “Elas fazem muitos negócios, mas não sei quem são seus diretores ou se seu dinheiro vem de seus recursos ou do setor bancário”, afirmou Aulby.

As consequências dessa abordagem, no entanto, estão se tornando mais visíveis. Recentemente, a Transparência Internacional registrou uma queda da Austrália em seu índice anual de corrupção, dando ao país sua menor pontuação desde que a organização adotou suas medidas atuais em 2012.

Pesquisas na Austrália também mostram um alarme crescente. Isso se tornou especialmente verdade depois que o atual governo destinou fundos públicos para projetos de infraestrutura esportiva em distritos onde precisava vencer na última eleição, mesmo quando ninguém solicitara o dinheiro.

Nesses casos, o governo Morrison se calou e se recusou a divulgar seu relatório interno final sobre o que aconteceu com mais de US$ 70 milhões em subsídios. O ministro encarregado foi temporariamente afastado. “Temos um escândalo depois do outro, sem nenhuma consequência”, observou Aulby.

Mas, uma vez que as acusações começam, pode ser difícil interromper o ciclo. Morrison estava recentemente ocupado atacando adversários e seus supostos financiadores, enquanto o próprio parceiro de coalizão estava sendo acusado na mídia de não divulgar um pagamento de um milhão de dólares australianos (US$ 721 mil) de um influente proprietário de imóveis na capital, Camberra. “É preciso que haja consequências – consequências eleitorais, porque não há outras. Espero que os eleitores tenham isso em mente na próxima eleição”, disse Aulby.

c. 2022 The New York Times Company

Fonte: MSN