O escritor e colunista Simon Kuper em Londres, 26 de abril de 2022. (Tom Jamieson/The New York Times)

© Distributed by The New York Times Licensing Group O escritor e colunista Simon Kuper em Londres, 26 de abril de 2022. (Tom Jamieson/The New York Times)

Londres – Logo depois que Simon Kuper começou seu primeiro ano de estudos na Universidade de Oxford em 1988, ele notou um aluno da graduação que sempre carregava um guarda-chuva e usava um terno escuro de abotoamento duplo e óculos antigos. “Parecia um vigário da era vitoriana”, relembrou Kuper recentemente, enquanto tomávamos chá em um restaurante no bairro de Islington, em Londres. “Tirávamos sarro dele no jornal, sem perceber que estávamos ajudando a construir sua marca.” O jornal em questão é o “Cherwell”, periódico semanal editado pelos alunos de Oxford, no qual Kuper era repórter.

O homem – e a marca – era Jacob Rees-Mogg, cujo estilo engomadinho e sofisticado não mudou enquanto galgava os escalões do Partido Conservador, nem agora, como ministro de Estado para oportunidades do Brexit e eficiência governamental no gabinete do primeiro-ministro Boris Johnson. Ele era apenas um dos membros de uma tribo de jovens – entre eles, Johnson; outro futuro primeiro-ministro, David Cameron; um membro do gabinete, Michael Gove; e um ex-assessor de Johnson, Dominic Cummings – que conviveu em Oxford em meados e no fim da década de 1980 e acabou liderando o país.

Kuper narra os hábitos, os defeitos e o comportamento ocasionalmente nocivo desse grupo no livro “Chums: How a Tiny Caste of Oxford Tories Took Over the U.K.” (Chums: como uma minúscula casta de conservadores de Oxford dominou o Reino Unido, em tradução livre), publicado em abril. O livro traça o perfil de um grupo de futuros líderes numa época em que pouca gente fora dos círculos da elite sabia o nome deles e esmiúça os detalhes de Oxford, assim como um documentário explicaria a relação entre presas e predadores na planície do Serengueti.

Kuper, de 52 anos, colunista do “Financial Times”, chegou a esse zoológico como forasteiro. Foi criado na África do Sul e viveu dos seis aos 16 anos nos Países Baixos. Seu pai era antropólogo e sua mãe editava livros acadêmicos; os debates ao redor da mesa de jantar com a família o prepararam para os confrontos durante as refeições na universidade.

Esse é um dos motivos pelos quais ele nunca sofreu de “síndrome do impostor”, ou da sensação de que fora aceito por conta de algum erro administrativo, o que, segundo ele, era comum entre seus colegas de Oxford. O período em que estudou numa escola pública de Londres, durante o equivalente ao primeiro ano e ao segundo do ensino médio, não conseguiu incutir nele as neuroses que viu aos montes na universidade. “Quando cheguei a Oxford, percebi que as pessoas eram obcecadas pelas classes sociais. Meus amigos ficavam paralisados de ansiedade em relação a seu sotaque, suas roupas, sua maneira de andar. Como eu era estrangeiro, o sistema de classes não me incomodava”, contou Kuper.


Jacob Rees-Mogg, Ministro das Oportunidades do Brexit e Eficiência Governamental do governo de Boris Johnson em uma igreja de Radstock, na Inglaterra, 15 de setembro de 2017. (Andrew Testa/The New York Times)

© Distributed by The New York Times Licensing Group Jacob Rees-Mogg, Ministro das Oportunidades do Brexit e Eficiência Governamental do governo de Boris Johnson em uma igreja de Radstock, na Inglaterra, 15 de setembro de 2017. (Andrew Testa/The New York Times)

O próprio sotaque soava diferente para a maioria das pessoas que ele conhecia. Para as pessoas das classes trabalhadora e média, ele soava elegante, mas não para os ricos, definitivamente, explicou. Estes o classificariam em Oxford como “stain”, ou seja, ex-aluno de escola pública, na hierarquia das classes sociais, um grau abaixo de “tug”, termo para designar quem se formou em uma das escolas particulares “menos chiques”.

A escola preparatória de maior renome foi a Eton, fundada em 1440, por onde passaram as principais figuras mencionadas no livro. Kuper as classifica como “toffs”, termo que eles ocasionalmente utilizam para descrever a si mesmos, sugerindo sujeitos aristocráticos, pretensiosos e esnobes.

Em retrospecto, até mesmo Johnson descreveu a si mesmo e aos colegas como um tanto detestáveis. “Éramos um grupinho arrogante, agressivo e essencialmente repulsivo”, escreveu em sua coletânea de ensaios “Have I Got Views For You”, de 2006.

Kuper fez amigos, jogou críquete, apaixonou-se e comeu tão bem quanto possível em uma universidade que não dava muita importância à boa cozinha. Ele não estava em Oxford na época de Johnson, que se formou em estudos clássicos em 1987. Grande parte de seu livro é composta de relatos baseados em entrevistas com os principais personagens, além de observações de contemporâneos e conhecimentos de Oxford adquiridos durante as aulas. Kuper tinha somente uma vaga noção da existência desses “projetos de aristocratas”, e nunca imaginou que teriam relevância nacional: “Pareciam absurdos demais. Durante as pesquisas para o livro, conversei com um amigo com quem eu trabalhara no ‘Cherwell’ e ele disse: ‘Eu achava que eles eram figuras do passado e que a modernidade aniquilaria esses ridículos formandos de Eton, de gravatinha branca e discursos.’ Nem me ocorreu que eles haviam encontrado o caminho para o poder.”

Parte desse caminho era simplesmente frequentar Oxford, que produziu 11 dos 15 primeiros-ministros do Reino Unido desde a Segunda Guerra Mundial. A outra parte era entrar para a Oxford Union, sociedade de debates fundada em 1823. Com sede em um grande edifício neogótico com biblioteca, sala de sinuca, bar e uma câmara de debates com capacidade para 450 pessoas, a Oxford Union há muito tempo representa um campo de treinamento para ambiciosos políticos de todas as ideologias, espaço público para demonstrar um dom para a sagacidade e para a oratória extemporânea.

Antes da universidade, Kuper nunca ouvira falar da Oxford Union. Os toffs, por outro lado, sonhavam com a câmara de debates desde a adolescência, e treinavam para desfilar diante de seus bancos de madeira lotados em locais como a Sociedade Política de Eton, praticamente uma versão mirim da Union.

A conquista mais cobiçada da Oxford Union era o título de presidente, e antigos ocupantes do cargo incluíam os primeiros-ministros William Gladstone, Edward Heath e H.H. Asquith. O pai de Johnson, Stanley, tentara sem sucesso obter esse prêmio no fim da década de 1950, e era inevitável que o filho fizesse um esforço semelhante, dadas as suas enormes aspirações.

Boris Johnson é a personalidade mais interessante do livro. O estilo caótico, o humor autodepreciativo, o dom para comentários espirituosos – tudo isso já estava presente na universidade, assim como a abordagem elitista e ambivalente do sucesso. O objetivo era prosperar sem aparentar esforço, o que era considerado um pouco vulgar. “Superioridade sem esforço” era então o lema bem conhecido de Oxford, embora não oficial.

Kuper descreve a primeira campanha de Johnson para o cargo máximo da Union como notavelmente relaxada. Seu rival era um formando de escola pública, Neil Sherlock, que se lembra de que Johnson não se deu ao trabalho de fazer campanha e nunca chegou a mencionar seus planos em caso de vitória. (Sherlock prometera angariar novos membros para revitalizar a Oxford Union.) Para Kuper, Sherlock descreveu a campanha como “meritocrata contra toff”. Em recente entrevista em vídeo, Sherlock disse que “era fácil identificar Johnson como uma pessoa direitista e pró-status quo, que contava com a vitória, mas não tinha a menor ideia do que era necessário para administrar uma organização”. Sherlock venceu por uma diferença de 1.200 votos e mais tarde se tornou lobista para a KPMG e a PwC, duas grandes empresas de auditoria. Johnson aprendeu com a derrota e chegou à presidência no ano seguinte.

Kuper argumenta em “Chums” que, caso esse seleto grupo tivesse sido rejeitado por Oxford, o Brexit jamais teria sido efetuado. Um de seus proponentes originais foi um aluno, e futuro membro do Parlamento, Daniel Hannan, que criou a Campanha de Oxford por um Reino Unido Independente em uma cafeteria de Oxford em 1990, quando o euroceticismo estava totalmente fora de moda – exceto entre os chums. “Eles vão liderar o país, e não querem pessoas em Bruxelas no comando. Seu destino é chegar a Westminster, e idealizam um grande futuro para o país, como na época de seus pais e avós. A maioria dos britânicos não se importa com a União Europeia. Mas, se você acha que vai comandar o país, ela é importante”, comentou Kuper.

Ele também atribui a Oxford uma explicação para o “partygate”, o termo genérico para denominar as festividades ilegais na residência do primeiro-ministro, às quais Johnson estava presente, burlando as leis de convívio social que o próprio governo aprovara no auge da pandemia.

De acordo com Kuper, a indiferença às leis era – e continua a ser – um traço marcante do Bullingdon Club, grupo masculino de graduados ricos que se reúne ocasionalmente para comer, beber e quebrar coisas em restaurantes à sua escolha. Cameron e Johnson, ambos membros do Bullingdon, estavam presentes a um jantar em 1987 em que alguém jogou um vaso de plantas pela janela de um restaurante. “A mensagem do Bullingdon é: ‘Fazemos as leis, podemos fazer o que quisermos'”, resumiu Kuper.

c. 2022 The New York Times Company

Fonte: MSN