Todo ano no Brasil, 25 bilhões de milhas expiram sem virar a tão sonhada viagem ou nem sequer uma cafeteira. O dobro disso (50 bilhões de pontos) vira pó antes mesmo de ser transferido do cartão de crédito para um programa de fidelidade. Na mão contrária, muita gente que quer viajar não tem as milhas suficientes, mas se dispõe a comprar a passagem com a bonificação do próximo, desde que signifique um desconto. Foi assim que oferta e demanda lapidaram um mercado em crescimento no país: o de compra e venda de milhas.

A MaxMilhas, uma das líderes do setor, afirma que, de 2013 a 2015, negociou 1 bilhão de milhas. O número parece abstrato de tão grande, mas não seu crescimento: em 2017, as milhas intermediadas pela empresa chegaram a 7 bilhões, mais do que o dobro dos quatro primeiros anos do serviço. Para ter uma ideia do potencial do mercado, um levantamento do Banco Central aponta que, em 2014, 220 bilhões de pontos foram acumulados no Brasil nos cartões de crédito, mas um quarto expirou no mesmo ano. “Tem gente que acha complicado (trocar milhas), mas eu viajei a mais de 50 países, boa parte com milhas”, diz Leonardo Cassol, do site Melhores Destinos. “No pior dos casos, troque por um liquidificador.”

Para quem quer transformar milhas em dinheiro, as empresas que fazem a intermediação do negócio compram as milhas de pessoas físicas para vendê-las para agências de turismo ou para emitirem elas próprias as passagens aos interessados. Vale a pena vender? É legal? É seguro? E pra comprar passagens sai mais barato que nas aéreas? As respostas, a seguir.

Vendendo milhas

Tem milhas e não quer – ou não consegue – usar? Conheça o processo de venda, as dicas, as vantagens e os percalços

 (Veridiana Scarpelli/Viagem e Turismo)

Como vender?

Na maioria dos sites, você preen­che alguns poucos campos dizendo quantas milhas (e de quais empresas) tem para vender e, até 5 minutos depois, recebe um e-mail com a cotação. Assim trabalham a Bank Milhas, a Elo Milhas e a Central Milhas, que costumam acertar o pagamento antes mesmo de usarem suas milhas. 

Na HotMilhas, escolhe-se entre receber no começo do processo ou semanas depois por um pouco mais (R$ 283 ou R$ 220 o lote de 10 mil milhas da Latam em 2 de agosto de 2019). Na MaxMilhas, a grana vem até 20 dias após a emissão da passagem e é o usuário que estipula o preço da venda, dentro de uma margem predefinida – na simulação, R$ 291 era o teto pago por 10 mil milhas da Latam.

Mas pode vender?

Pode. O mercado de milhas não é regulamentado no Brasil, mas também não há nenhuma lei que impeça a comercialização. Os programas de fidelidade proíbem a transferência de milhas entre seus membros, mas permitem a emissão de passagem para terceiros, criando a brecha. “Nunca soube de alguém ser desligado de programas nacionais por isso, mas de internacionais, sim. Na American Airlines, nem tente, que vai perder a conta”, alerta Leonardo Cassol, editor e especialista em programas de fidelização do site Melhores Destinos.

Senha para insegurança

A pulga atrás da orelha de quem pensa em vender milhas chama-se senha. Sim, para que as empresas emitam uma passagem para um terceiro com as suas milhas é preciso que você forneça as senhas do programa de milhagem. Cientes de que o delicado processo deixa os dados dos clientes vulneráveis, as próprias empresas, a título de idoneidade, divulgam abertamente sua sede e seu CNPJ, procuram manter uma boa reputação em sites como o Reclame Aqui e investem até em celebridades-propaganda – caso de Tatá Werneck na MaxMilhas. Na mesma MaxMilhas, aliás, há a opção de o vendedor não fornecer a senha e emitir a passagem para um terceiro por conta própria. A desvantagem é que você vai ter mais trabalho.

Vale a pena vender?

As empresas compradoras negociam lotes a partir de 10 mil milhas por entre R$ 220 e R$ 290 o lote. O preço pode oscilar um pouco, mas a liquidez não: é fácil e rápido vender as milhas dos quatro programas nacionais – Multiplus (Latam), Smiles (Gol), TudoAzul (Azul) e Amigo (Avianca). 

Mas lembre-se de que, se houver passagem disponível para um destino que lhe interessa, na data que você pode ir e pela menor quantidade de milhas que o seu programa pratica para essa distância, será mais vantajoso trocar os pontos pela tão sonhada viagem. 

Enfim, é caso a caso: você terá de comparar quanto custa em dinheiro a passagem que você consegue com as milhas X quanto vale um daqueles produtos oferecidos para troca no programa de milhagem X por quanto você conseguiria vender as milhas. Só não troque seus pontos por uma furadeira que você não vai usar ou uma viagem que você não quer fazer só porque vale a pena financeiramente. 

Quando vender?

 (Veridiana Scarpelli/Viagem e Turismo)

Um programa com saldo recheado de milhas tende a render múltiplas e vantajosas viagens domésticas, mas trocar esse milharal por um único bilhete pode ser mal negócio. Num voo de ida e volta São Paulo-Toronto (19 a 29 de junho), por exemplo, os 95 mil pontos da Smiles usados num voo da Delta com uma conexão aliviam uma passagem de R$ 2 194 (sem taxas), valor um pouco abaixo dos R$ 2 300 conseguidos com 100 mil milhas Smiles no mercado. No dia dessa simulação, porém, surgiu uma promoção da United para Toronto, com uma conexão mais rápida, por R$ 1 740, ampliando para R$ 560 a vantagem de quem vendesse as milhas. 

E qualquer que seja o seu saldo de milhas, se elas estiverem para vencer e você não for trocá-las por passagens, venda-as!

Dicas para vender

  • Junte ao menos 10 mil milhas. Um lote de 20 mil vende ainda mais rápido.
  • Faça a cotação em mais de um site para obter a melhor negociação.
  • Não venda muito perto do vencimento – alguns sites nem aceitam milhas com menos de 1 ou 2 meses de validade. Outros pagam menos.
  • Negocie apenas com empresas. É seguro, simples e elas têm prática.
  • Em junho e novembro, antes das férias escolares, e de dezembro a janeiro a procura por passagens esquenta – você venderá rápido e melhor.

Onde negociar

  • Compram milhas

Hot Milhas

Flex Milhas

Bank Milhas

  • Compram milhas e vendem passagens emitidas com milhas

Max Milhas

Elo Milhas

Central Milhas

  • Só vende passagens

123 Milhas

Comprando passagens

No outro lado da moeda, os sites transformam em passagens as milhas que compram. E as vendem no mercado

 (Veridiana Scarpelli/Viagem e Turismo)

Quando comprar

→ Se você deixou para a última hora. Por exemplo, SP-Salvador nas férias de julho. Já está caro: é bem provável que você pague por volta de mil reais ida e volta. Com milhas, você pode achar mais barato (às vezes, até a metade do preço). 

→ Quando você só precisa de uma perna. Vamos supor que você vai fazer a travessia de cruzeiro Europa-Brasil e necessita apenas do aéreo SP-Barcelona. O preço da passagem de ida é praticamente o mesmo da ida e volta. 

→ Para destinos em que a passagem emitida com milhas normalmente vale a pena, como um destino com conexão (que em tese encarece a viagem) dentro da América do Sul – ou seja, para efeito de cálculo das milhas, na mesma zona em que também há voos sem conexão e mais baratos. Por exemplo, voar de SP a Calama (o aeroporto mais próximo de San Pedro do Atacama, no Chile), com conexão em Santiago. Para uma viagem de 15 a 22 de junho, a passagem na Latam estava custando R$ 1 249; na MaxMilhas, totalizava R$ 863.

→ Quando há boas promoções para resgate de passagens, como América do Sul por 4 mil pontos? Comprar uma passagem com milha alheia é um jeito de aproveitar, mesmo que você esteja descapitalizado de pontos.

→ Quando chega 6 de janeiro, o dia anual de ofertas da MaxMilhas, que chama a data de “Dia Mundial das Milhas”. 

Entre particulares

No Facebook há comunidades que unem usuários pela compra e venda de milhas. Pode parecer um bom negócio, já que esse mercado “paralelo do paralelo” não envolve as empresas – que abocanham entre 10% e 15% na intermediação de quem vende e quem compra. O complicador aqui é a segurança, sobretudo dos compradores. “Não recomendo de jeito nenhum”, diz Cassol, do Melhores Destinos, que afirma já ter tido problemas com uma passagem emitida em seu nome com milhas furtadas. 

Segundo ele, tem gente que às vezes nem consegue embarcar com bilhetes adquiridos em comunidades online. “As empresas cobram uma taxa para intermediar, mas eliminam o risco”, diz. Além de garantirem a origem dos pontos, os grandes sites monitoram a reserva do voo e se comprometem a intermediar remarcações e cancelamentos. Aqui, outra dica: antes de comprar, verifique as condições da passagem. As emitidas com pontos podem ser mais restritivas do que as compradas com dinheiro, embora isso não seja regra.

Acumulando milhas

Pontos não caem do céu, mas é possível otimizar o jeito de consegui-los com cartões, promoções, parcerias…

 (Veridiana Scarpelli/Viagem e Turismo)

Ponto sem nó

→ Prefira usar o cartão de crédito, que te dá pontos, ao de débito, que não dá nada.

→ Os cartões de crédito mais básicos pagam menos de 1 ponto para o equivalente a 1 dólar gasto. Os melhores, até 2,5 pontos. Peça um upgrade a seu gerente, sobretudo se não houver acréscimo na anuidade do cartão.

→ Para os pontos virarem milhas é preciso transferi-los de seu cartão de crédito para os programas de fidelidade das aéreas. A quantidade mínima de milhas para essa operação e a taxa de conversão para pontos variam com o banco, o programa de fidelidade e o status do cartão de milhagem. Em média, 1 ponto vale 1 milha.

→ Concentre a transferência dos pontos para o mesmo programa de milhagem, acelerando o acúmulo de milhas.

→ Direcione seus gastos com serviços e produtos para empresas parceiras das redes de fidelidade. Ao fazer uma compra no site da Magazine Luiza ou da Livraria Cultura, por exemplo, ganha-se tanto com a pontuação no cartão de crédito quanto em pontos Multiplus, e de forma generosa: 2 pontos para cada R$ 1.

→ Dependendo do parceiro, ganha-se até 5 pontos em uma compra on-line, e quando há promoções ainda mais.

→ Aliás, fique de olho em promoções, o grande segredo desse negócio. Com elas você pode ganhar mais pontos nas compras, computados diretamente no programa de fidelidade; aumentar a bonificação na transferência de pontos do cartão para o programa de fidelidade (há quem só faça essa operação quando está rolando bônus de 50%, 70%, 100%…); e, no final do processo, conseguir descontos na quantidade de milhas necessárias para trocar sobretudo por passagens.

E os clubes de milhas?

Hoje, todos os programas de fidelidade das aéreas têm seus clubes de pontos. Por uma mensalidade fixa, quem assina o clube ganha um número determinado de milhas por mês e participa de promoções, como bonificações para a transferência dos pontos do cartão. As simulações mostram que investir no clube de milhas para trocá-las por passagens tende a sair mais caro do que comprar o bilhete com dinheiro, mas pode valer a pena para inteirar um saldo de milhas e trocá-lo pelo bilhete.     

Fonte: Viagem e Turismo