O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), em São Paulo, deve começar a julgar nesta segunda-feira, 13, em sessão sigilosa, a reclamação disciplinar contra o juiz Marcos Scalercio. O Tribunal Pleno do TRT-2, formado por todos 90 desembargadores que compõem a Corte, vai decidir se abre um processo administrativo para apurar as denúncias de 22 mulheres, entre advogadas e ex-alunas de um curso preparatório, que o acusam de assédio, importunação sexual e estupro.

O julgamento começa com a sustentação oral da defesa, a leitura do voto do corregedor do TRT-2 e a votação dos desembargadores. Se o processo disciplinar for aberto, testemunhas serão indicadas para depor, haverá apresentação de provas, audiências e, ao final, o interrogatório do juiz.

A defesa de Scalercio anexou aos autos sua estratégia para tentar neutralizar o impacto dos relatos. Os advogados produziram um documento no qual buscam rebater uma a uma as denúncias a partir da recuperação de mensagens trocadas em redes sociais. Segundo a defesa, as conversas indicam que o magistrado continuou sendo procurado por algumas das supostas vítimas em diálogos amistosos.

Scalercio está afastado do cargo, por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde setembro do ano passado. Ele também foi demitido do curso preparatório Damásio Educacional, onde dava aulas para estudantes que iriam prestar a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Os relatos levados à Corregedoria do TRT-2 são semelhantes. As mulheres afirmam que o contato começava nas redes sociais e que o juiz passava a enviar mensagens de cunho sexual. Em alguns casos, segundo os depoimentos, ele oferecia ajuda profissional e ameaçava quem recusasse as investidas. Há também denúncias de abuso sexual.

As acusações chegaram inicialmente ao Me Too Brasil, movimento ligado ao Projeto Justiceiras, que presta assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual. É quase uma centena de denúncias, mas nem todas foram incluídas no pedido de processo disciplinar. Os relatos foram colhidos a partir de formulários disponibilizados online. Esse é um dos principais pontos contestados pela defesa, que alega não ser possível confirmar a autenticidade das declarações ou rebater as acusações nos casos em que as mulheres preferiram não se identificar. É possível que o tribunal abra um processo disciplinar, mas descarte parte das denúncias se considerar que elas não obedecem a critérios mínimos de verificação.

Os advogados Leandro Raca e Fernanda Valone Esteves, que representam Scalercio, enviaram a defesa prévia no processo em novembro. O documento rebate a versão de cada uma das 22 mulheres.

Eles têm se desdobrado em montar uma estratégia que reverta ou pelo menos neutralize o impacto das denúncias contra o juiz do Trabalho. São advogados hábeis e metódicos, com protagonismo em ações importantes nos tribunais.

Uma das estratégias é tentar neutralizar as acusações por meio de cópias do que seriam conversas entre o juiz e as alegadas vítimas. Há mensagens que mostram que algumas corresponderiam o magistrado. Para a defesa, o teor das conversas, ora anexadas aos autos, pode afastar o peso das denúncias.

As mensagens foram trocadas em redes sociais, como Facebook e Instagram, porque o juiz não teria backup das conversas de WhatsApp.

Um dos casos é o de uma ex-aluna que declarou ter sido beijada à força pelo juiz. As conversas apresentadas pela defesa mostram que ela chegou a pedir a Scalercio para ‘se esforçar pra me ver’. “Pena que foi pouco tempo”, teria escrito a advogada após um encontro com o magistrado.

Outra ex-aluna disse que o juiz ofereceu uma carona e, sem o seu consentimento, tentou levá-la para um motel. De acordo com o relato, quando ela recusou, Scalercio tentou beijar e tirar as roupas dela dentro do carro. Na troca de mensagens entregue pelos advogados do magistrado, a mulher diz que se apaixonou e que se ‘culpa por ficar pensando em você o tempo todo’. “Obrigada pela saidinha de hoje. Valeu a pena”, teria enviado ao juiz.

A defesa também afirma que Scalercio recebeu fotos íntimas de algumas dessas mulheres, que foram preservadas para resguardar a intimidade, mas podem ser apresentadas se houver requerimento judicial. Argumenta ainda que as denunciantes continuaram seguindo o juiz nas redes sociais.

Os advogados ainda juntaram declarações de cinco ex-alunas e colegas de trabalho que saíram em defesa do juiz, em uma tentativa de contrapor a imagem de assediador.

A defesa tem trabalhado com assistentes técnicos e psicólogos sociais para entender e justificar o volume de denúncias. Uma das teses é a de que a divulgação do caso na imprensa tenha inflado o número de relatos.

Se Scalercio virar alvo de um processo disciplinar e, ao final dele, for considerado culpado das acusações, ele pode ser punido com aposentadoria compulsória, a pena mais grave na magistratura, remoção para outra unidade, censura ou advertência.

Defesa

“A defesa do juiz Marcos Scalercio juntou ao processo provas que demonstram que as acusações feitas contra ele são inverídicas. São conversas de aplicativos de mensagens e em redes sociais que apontam que nunca houve assédio, e muito menos qualquer conduta violenta por parte dele em relação às denunciantes. Marcos Scalercio está confiante de que os julgadores acolherão essas provas e que a justiça será feita”, escreveram os advogados Leandro Raca e Fernanda Valone Esteves, que representam Scalercio.