SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após mais de um ano de protestos, a Nasa fechou questão e decidiu manter o nome do Telescópio Espacial James Webb. É a segunda vez que a agência americana reafirma sua posição, diante de protestos da comunidade astronômica LGBTQIA+.

A controvérsia foi iniciada em março do ano passado, quando quatro pesquisadores, Chanda Prescod-Weinstein, Sarah Tuttle, Lucianne Walkowicz e Brian Nord, escreveram um artigo na revista Scientific American indicando que James Edwin Webb (1906-1992), o homenageado pela Nasa, havia dado suporte a políticas governamentais homofóbicas nos anos 1950.

Em contraste com homenageados típicos de espaçonaves da Nasa, Webb nunca foi cientista. Ex-militar e burocrata, teve passagens importantes pelo Escritório de Orçamento e pelo Departamento de Estado, antes de se tornar o segundo administrador da Nasa, em 1961, sob a gestão John F. Kennedy.

Nessa função, Webb deixou legado importantíssimo, não só redirecionando o trabalho da agência espacial para a ciência (o que não era imediatamente óbvio, dado que a criação da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço, significado da sigla Nasa, se deu basicamente para gerir o programa espacial tripulado) como conduzindo com sucesso o enorme desafio de levar humanos à Lua no programa Apollo.

Webb saiu antes da primeira viagem lunar (Apollo 8) e do primeiro pouso (Apollo 11), mas sua atuação pelo sucesso dos EUA na corrida espacial nunca deixou qualquer dúvida.

Ainda assim, o gestor estava sujeito às regras impostas pela administração federal. E há farta documentação de que o governo americano promoveu, entre os anos 1940 e 1950, a busca ativa e demissão de funcionários homossexuais, episódio histórico que mais recentemente ganhou o nome de “Lavender Scare” (“terror da lavanda”, numa tradução livre).

A cumplicidade de Webb com a política discriminatória é especialmente apontada durante sua atuação como subsecretário de estado, entre 1949 e 1952. Documentação mostra que o burocrata estava ciente e participou de discussões sobre o tema pelo menos desde 1950, ainda que não tenha sido originador da prática ou houvesse qualquer evidência de que fosse pessoalmente favorável a ela.

Para os que questionam a homenagem, isso é de pouco alívio. Escreveram os astrônomos na Scientific American: “Os registros claramente mostram que Webb planejou e participou de reuniões em que entregou material homofóbico. Não há registro de que tenha escolhido defender a humanidade daqueles sendo perseguidos. Como alguém na gestão, Webb tinha responsabilidade por políticas praticadas sob sua liderança, incluindo as homofóbicas que estavam em voga quando ele se tornou administrador da Nasa.”

MOVIMENTO TARDIO
A decisão de batizar o novo telescópio espacial com o nome de James Webb foi tomada pela Nasa em 2002, sem consulta à comunidade astronômica (como, por sinal, é usual).
Há conhecimento mais amplo do “terror da lavanda” pelo menos desde 2004. Mesmo assim, a movimentação para solicitar a revisão da decisão veio tardiamente.

Após o artigo na Scientific American e a criação de um abaixo-assinado pela renomeação, no ano passado, a direção da Nasa pediu ao historiador-chefe da agência, Brian Odom, que revisasse a documentação da Nasa relativa a Webb e práticas discriminatórias.
Nada foi encontrado e, em setembro de 2021, o administrador Bill Nelson emitiu uma curta declaração dizendo que a agência “não encontrou evidências neste momento que demandassem a mudança do nome”. Ainda assim, ficou a promessa de uma investigação mais profunda em torno das atividades de Webb, incluindo sua fase no Departamento de Estado.

É neste ponto a que chegamos agora, com a divulgação neste mês do relatório final dessa investigação. Os pontos mais críticos analisados foram reuniões de que Webb participou em junho de 1950 ao lado do presidente Harry Truman, discutindo se deveriam cooperar com investigadores do Congresso que buscavam informações sobre funcionários do Departamento de Estado.

Em seguida, Webb passaria adiante a um senador da Carolina do Norte “algum material sobre o assunto” preparado por um dos colegas dele. “Até a presente data, não hã evidência direta disponível que ligue Webb a quaisquer ações a emergirem dessa discussão”, disse o relatório de Odom.

O relatório também descreve a demissão de Clifford Norton, funcionário da Nasa desligado em 1963 por ser gay. Mas conclui que não há evidência de que Webb tenha sabido da demissão e aponta que a política de exclusão de profissionais LGBTQIA+ estava a cargo da Comissão de Serviço Civil, não de agências como a Nasa.

OPOSIÇÃO PERMANECE
Embora a Nasa tenha decidido preservar o nome de Webb para o telescópio, isso não obriga a comunidade astronômica a gostar da decisão.

A Sociedade Real Astronômica, do Reino Unido, decidiu que, em suas publicações, ao menos por ora, usará apenas a sigla JWST, em vez do nome completo do telescópio. A Sociedade Astronômica Americana pegou mais leve, deixando a cargo dos próprios pesquisadores, que não precisam em seus artigos incluir o nome completo em sua primeira menção, como é costumeiro com o uso de outras siglas.

Da parte da agência espacial, a controvérsia gerou uma nova política. A partir de agora, um comitê será formado, incluindo um historiador, para conduzir uma “revisão legal e histórica completa” antes de dar nome a qualquer de suas missões ou instalações.