Atrasaram. Era preciso sair de casa com uma hora de antecedência, já que combinaram tocar a campainha da amiga, para quem prometeram carona, a meia hora do início da peça. As distâncias não eram longas, mas também estavam longe de ser curtas. E vinte minutos em São Paulo, fim de semana de virada cultural, fazem uma diferença danada. Pois saíram a dez minutos da hora que deveriam incluir a amiga no táxi. E o taxista não tinha pressa.

A amiga já entrou com cara de “será que vai dar tempo?”, e elas seguiram sorrindo como se estivesse para lá de tranquilas. No fundo riam nervosas, embora seguissem fingindo, muito mais para si do que para as outras, que de certeza, os atores também deveriam ter ficado presos no mesmo trânsito. Trânsito. Desculpa que soa desafinada até no ouvido de quem fala, não é?

E falaram: “Que trânsito é esse?”. “São Paulo anda impossível!” Chegaram, enfim, às 16h em ponto. Ouviram, do táxi mesmo, o primeiro toque vindo do teatro. A fila maior, que parecia enorme quando o carro dobrou a esquina, foi se desfazendo entre o “até logo” do motorista e o “tchau, obrigada” delas. A menor não andava nem um passinho. Uma era a de quem já tinha trocado os ingressos e entrava na sala, a outra, a de quem ainda precisava trocar. Elas precisavam.

Quem propôs o programa foi uma das mães da escola. A professora indicou um livro para a turma que foi adaptado para o teatro, “Dizem que a montagem é linda, alguém topa ir também?” Toparam. Não só as duas atrasadas, mas outras 12 crianças estavam lá com seus pais e irmãos. Nove delas, na fila grande que se desfez como mágica.

A pequena também demorou pouquíssimo para se resolver, mas o suficiente para que quando as meninas esbaforidas entrassem na sala, não houvesse lugar disponível entre os seus. Crianças, mães e pais ocupavam duas fileiras inteiras da plateia central.

Tanto a fileira de frente, quanto a de trás também já estavam ocupadas. Quando elas entraram, foram imediatamente vistas e festejadas pelos amigos que, meio que em um gesto automático, olhavam de um lado para o outro, em busca de um lugar vago. Havia sim um banco disponível na ponta de uma das fileiras, um desses duplos reservados para grávidas, ou obesos e ninguém – claro – cogitou ocupá-lo. Tocou o segundo sinal. E a mãe que trazia as meninas, paradas no corredor, indicou dois assentos vagos na fileira lateral.

Não houve pai ou mãe, que tenha pensado em ceder o lugar. Ué e precisava? Não sei. Talvez precisasse. Talvez não. Até que o segurança do teatro, percebendo a situação, indicou o banco para a mãe das meninas e explicou que a bilheteria já estava fechada. Ninguém precisaria deles.

Correram as duas mordendo as orelhas. Tocou o terceiro sinal. Começou a peça. Sala já escura chegaram mais duas crianças. Sem pestanejar, correram para o banquinho recém ocupado. E cabia? Caber não cabia, mas as quatro se apertaram contentes.

A mãe que ficou na fileira lateral justificava, com alívio, seu atraso: “ufa, não fui a última!”. E observava, com orgulho, a filha e a amiga que acolheram prontamente as outras duas no banquinho grande – agora pequeno.

E a peça rolava. Até que, chegou mais uma. Repetiu a cena do corredor parada, pensando em possibilidades, quando foi empurrada pela mãe em direção à superpopulação do banco. Ficou no máximo dez minutos, tempo de se sentir incomodada e voltar para o colo da mãe, três ou quatro cadeiras atrás do grupo. O grupo. Quantas possibilidades de ser, um grupo nos apresenta, não é?

A pensar somente nos adultos: os que fazem o convite, os que o aceitam, os que chegam no horário apesar do trânsito, os que atrasam e se envergonham, os que pedem e os que oferecem carona, os que não cedem o lugar, os que fingem calma, mas, secretamente, esperam que quem chegou mais cedo ceda, os que atrasam sem culpa e se apertam, os que acolhem, os que excedem a oferta de acolhimento, os que se arrependem e voltam atrás, os que dormem, os que riem, os atores, o segurança, a senhora da fileira de trás, que comeu metade das balas da minha filha, alegando dor de garganta, todos juntos, aplaudindo o fim da peça. Que elenco minha gente! Viva o teatro, viva o quinto ano que está neles e parece estar, eternamente, em nós também!

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Fonte: Gazeta News