(FOLHAPRESS) – Protestos políticos feitos sob anonimato acompanharam o mandato de Jair Bolsonaro (PL) e se ampliaram com o início da campanha eleitoral, em especial nos meios digitais.

São grupos de ativistas que já espalharam cartazes apócrifos e criaram intervenções urbanas por meio de projeções, caminhões e painéis eletrônicos, mas que agora surgem com força nas plataformas virtuais, com risco de ferirem a lei eleitoral.

Nas últimas semanas, pelo menos três novos sites foram ao ar com guias para virar votos e evitar a reeleição do presidente, informações negativas sobre a gestão atual, ilustrações satíricas ao bolsonarismo e vídeos de pronunciamentos.

É uma militância que busca se contrapor às mobilizações bolsonaristas nas redes, as mesmas que se tornaram alvos de investigações por disseminar desinformação e usar robôs (perfis não autênticos). Essas práticas, usadas para ofensas e outras condutas criminosas, são passíveis de punição.

O próprio domínio bolsonaro.com.br, antes utilizado para divulgar ações do presidente e do governo, teve a titulação alterada em 11 de agosto e agora reúne críticas a Bolsonaro, tratado como ameaça ao Brasil por questões como corrupção, alinhamento com militares e tentativas de corrosão das eleições.

Procurada, a Presidência da República não se manifestou até a publicação deste texto.

Segundo advogados especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Folha, a resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre propaganda dá ampla liberdade de manifestação para o cidadão, mas veda a divulgação de conteúdo inverídico ou ofensivo à honra.

O conteúdo também não pode ser financiado por partidos.

Aquilo totalmente anônimo, portanto, fica mais sujeito a questionamentos, ainda que o TSE já tenha considerado que esse tipo de conteúdo só é passível de remoção caso seja injurioso ou inverídico.

Conforme relatos colhidos pela reportagem, alguns ativistas consultam advogados especialistas em direito eleitoral para adaptarem suas estratégias à legislação.

Outro novo domínio que surfa na onda digital antibolsonarista, o “Mulheres com Bolsonaro”, emula um endereço de apoiadoras do presidente para criticá-lo.

O site compila “os episódios mais marcantes” da visão dele sobre mulheres ao longo de sua trajetória e anuncia trazer apenas “notícias verificadas”.

Contatada por meio de um grupo de WhatsApp indicado na página, uma mulher que não quis se identificar afirmou ter se juntado a outras duas amigas da área de comunicação para registrar o domínio e disse que nenhuma delas tem vínculo com partidos.

A decisão, de acordo com ela, foi tomada após as falas de Bolsonaro com ataques a mulheres durante o debate de domingo (28). O intuito, diz, é ressaltar o comportamento recorrente do político.

Já o “Tira Voto do Jair”, que se anuncia como “um guia prático para derrotar Bolsonaro”, usa memes para expor problemas do governo e servir de instrumento de contrapropaganda. Os autores não se identificam.

A página informa apenas que quem fez a cartilha “é um grupo de ativistas que tem trabalhado há mais de dois anos para enfraquecer o Jair”.

Em resposta a perguntas enviadas pela Folha de S.Paulo para o email fornecido na página, o coletivo diz ser formado por “pesquisadores, designers, videomakers e comunicadores”, moradores de diferentes estados, e nega relação direta com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder da corrida eleitoral.

A campanha do PT diz não ter conexão com a iniciativa. Consultados pela Folha de S.Paulo, outros grupos de militantes que têm feito manifestações de denúncia do governo sob sigilo também negaram qualquer relação com os responsáveis pelo novo site.

Isso sugere a existência de um ecossistema de frentes independentes que optam por esse tipo de atuação por medo de ameaças num cenário de radicalização política.

O grupo do “Tira Voto do Jair”, no entanto, não negou nem confirmou vinculação com a página “Bolsoflix”, trocadilho com Netflix. Essa plataforma oferece vídeos sobre a atuação do governo na pandemia de Covid-19 e as suspeitas que recaem sobre a família Bolsonaro.

“Bolsoflix” foi ao ar em 2021, quando seus criadores responderam à Folha por email que buscavam criar canais próprios de distribuição de conteúdos, à moda do que bolsonaristas faziam. O site foi hospedado nos Estados Unidos.

No caso do “Tira Voto do Jair”, a página é registrada em um servidor também nos EUA, “por motivos de segurança”, segundo os ativistas, que não dão pistas sobre suas origens ou localizações.

A cartilha utiliza linguagem inspirada e cheia de trocadilhos. Uma dica apresentada para a conversão de um eleitor de Bolsonaro é focar “os mais-ou-minions” e não perder tempo “tentando convencer o gado”.

O manual considera um erro chamar “de burro ou de fascista” um desses eleitores que “não gostam de política e fogem da ‘polarização'”, mas cogitam apoiar o atual mandatário. Diz que isso só irrita o ouvinte e o faz “voltar para os braços do Jair”.

O grupo, que também abriu canais no WhatsApp e no Telegram, avalia a disseminação de coletivos anônimos como algo natural num cenário que descreve como de perseguição a críticos do governo.

A omissão da identidade também é marca de perfis em redes sociais que frequentemente viralizam com críticas ácidas ao presidente. Os autores se valem até da distorção da voz em suas aparições.

Uma das contas é a “Bolsoregrets – Bolsominions Arrependidos”. A responsável disse à Folha que vive nos Estados Unidos e faz o possível para se manter incógnita. Ela relata temer mais os riscos para sua família no Brasil do que para si própria.

A lógica da discrição é a mesma de perfis como “Tesoureiros do Jair” e “Jairmearrependi”, com presença no Facebook, Twitter, Instagram e TikTok, mas autores ocultos.

Segundo a advogada da área eleitoral Paula Bernardelli, as páginas podem sofrer contestação à luz da legislação eleitoral, que estabelece como livre a manifestação do pensamento por meio da internet durante a campanha, mas veda o anonimato.

A norma geral é a de que os autores de propaganda, positiva ou negativa, precisam ser identificáveis e rastreáveis, conforme a advogada. Pelas regras, todo conteúdo eleitoral oficial deve ser “hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no país”.

“Por outro lado, a crítica a atos do governo pode ser entendida como uma pauta cívica, que não é vedada pela legislação. Se o discurso tem esse viés, mesmo que seja durante o período de campanha, não pode ser caracterizado como propaganda eleitoral, e aí não pode sofrer sanções”, diz Bernardelli, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

“Não é porque um governante vira candidato que ele se torna imune a críticas.”

De acordo com o advogado eleitoralista Marcelo Andrade, a resolução do TSE sobre o tema dá liberdade ao cidadão, desde que não espalhe conteúdo inverídico ou ofensivo à honra.

“E o entendimento é de que quem se lança na vida pública ou participa dos processos eleitorais fica mais sujeito a críticas e, portanto, a honra deixa de ter o mesmo grau de proteção do cidadão comum. Quando a crítica passa do tom e vira ataque, cabe ação no âmbito penal.”

Antes da campanha, o governo também foi alvo de protestos apócrifos fora dos ambientes virtuais.

As ações incluíram desde o caso de um manifestante que jogou uma lata de tinta vermelha na rampa do Palácio do Planalto até mutirões de um grupo de designers e comunicadores que espalhou cartazes contra Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em ruas de São Paulo.

A avenida Faria Lima, coração financeiro da capital, já recebeu um painel com a expressão “NaufraGuedes” e outro com “Faria loser” (perdedor, em inglês), ambos contra o ministro.

Outra ação mirou Bolsonaro em Los Angeles (EUA), durante a Cúpula das Américas. Mensagens em inglês e espanhol foram exibidas em telas de LED fixadas em um caminhão. Os responsáveis foram organizações brasileiras e internacionais, que omitiram os nomes alegando motivos de segurança.