SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As medalhas da Ordem do Mérito do Livro, entregues pela Biblioteca Nacional no mês passado a escritores e também a nomes do bolsonarismo como o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), foram doadas à instituição por uma ONG ligada à igreja evangélica UpHouse, do Rio de Janeiro.

Ao todo, foram encomendadas 200 unidades da condecoração -uma delas foi destinada à própria presidente da organização que fez a doação, Chirlen Silva, homenageada pelo evento.

A honraria, que é historicamente concedida a autoridades e intelectuais do universo literário, neste ano foi dada para apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), como Silveira e o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ). Houve ainda uma homenagem póstuma ao guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho.

A doação foi realizada pela ONG Alfa, fundada em 2006, que diz ter ações na área de educação, saúde, esporte e assistência social para crianças e adultos no Rio de Janeiro.

A presidente da organização, Chirlen Silva, diz que encomendou as medalhas após ser contatada pelo presidente da Biblioteca Nacional, Luiz Carlos Ramiro Júnior. “Ele me procurou para dizer que estavam fazendo esse trabalho, eu consegui o patrocínio para ajudá-los na confecção da medalha”, diz.

Segundo Chirlen Silva, as insígnias totalizaram R$ 4 mil e foram custeadas por pessoas físicas que já eram doadoras da ONG. Ela não revelou a identidade dessas pessoas.

Além de fundadora da Alfa, Chirlen Silva é ministra na Igreja UpHouse. A ONG é citada pelo site da instituição -“temos como parte do nosso ministério a ONG Alfa, onde cumprimos o ide, levando o amor de Cristo e a presença do Espirito através de ações e projetos sociais”, diz o texto da plataforma.

Chirlen afirma, entretanto, que a organização é laica e que a igreja é um canal para conseguir doações. De acordo com o balanço de 2021, a ONG recebeu R$ 178 mil doações em espécie e realizou mais de 70 mil atendimentos no ano passado.

O recebimento da Ordem do Mérito do Livro por Chirlen foi comemorado em uma postagem nas redes sociais da ONG Alfa, que também divulga um projeto de bibliotecas em presídios. À coluna, a presidente da organização diz que não sabia que estaria entre os agraciados.

“Eu nem ligo para medalha, trabalho há 15 anos para ajudar quem tem fome, mas acho interessante a gente comemorar a independência”, segue ela. Em janeiro deste ano, a ONG ainda foi selecionada pela Secretaria Especial do Esporte do governo Jair Bolsonaro para receber R$ 200 mil em fomento para um projeto de futebol em comunidades cariocas.

Procurada, a biblioteca diz que o “valor total [das medalhas] não é sabido por nós, mas estima-se algo simbólico de valor reconhecidamente abaixo do que seria requerido pela lei de licitações, por exemplo”.

A instituição afirma ainda que não vê conflito de interesse em homenagear a doadora. “A doação da medalha ressalta justamente os laços celebrados entre as duas organizações e a colaboração delas para a causa da cultura”, segue a nota enviada à coluna. “Ao observar o perfil dos que receberam a medalha, observa-se um fator de pluralidade institucional e ideológica.”

Neste ano, a honraria foi concedida a 200 personalidades por ocasião do Bicentenário da Independência. A Biblioteca Nacional disse que os nomes foram escolhidos pelo presidente da instituição e pelo secretário Especial da Cultura, Hélio Ferraz de Oliveira.

A indicação de Daniel Silveira desencadeou uma série de críticas no meio cultural, uma vez que a ordem já foi entregue a nomes como Carlos Drummond de Andrade de Gilberto Freyre no passado.

A família de Drummond chamou o episódio de um “verdadeiro deboche”. Houve ainda intelectuais que disseram ter recusado a homenagem, como o escritor Marco Lucchesi e o professor emérito da UFRJ Antonio Carlos Secchin.