BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As investigações da Polícia Federal contra Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação de Jair Bolsonaro (PL), estão paralisadas desde que houve suspeita de uma interferência do ex-presidente e de antigos membros da cúpula da corporação no caso.

Em 22 junho de 2022, Ribeiro chegou a ser preso pela PF a partir de acusações de que havia um balcão de negociações no MEC (Ministério da Educação) com a participação de pastores sem cargo no governo.

Também foram detidos os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, próximos de Bolsonaro; o ex-assessor do MEC Luciano de Freitas Musse e Helder Bartolomeu, genro de Arilton.

A suspeita de interferência veio à tona no dia seguinte ao da prisão. Desde então, nenhuma outra diligência, como novas oitivas, foi realizada dentro das investigações. Também não houve qualquer análise dos arquivos e extratos obtidos após quebras de sigilo telefônico e bancário dos investigados.

A Justiça autorizou em junho a quebra dos sigilos bancários do ex-ministro, de sua mulher, Myrian Pinheiro Ribeiro, e da filha e do genro do pastor Arilton. Empresas ligadas aos pastores e a Musse também tiveram os sigilos afastados.

Ribeiro é investigado pelas suspeitas de crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, num caso que abalou o discurso anticorrupção de Bolsonaro. O ex-ministro deixou o governo em março de 2022, uma semana após a Folha revelar um áudio em que ele dizia priorizar demandas de um dos pastores a pedido de Bolsonaro.

Os pastores pediam dinheiro em troca de liberações de obras do MEC, de acordo com denúncias confirmadas por prefeitos. Houve relatos até de solicitação de barra de ouro para um gestor.
Em nota, o advogado Daniel Bialski, que defende Ribeiro, disse que seu cliente não cometeu qualquer ilicitude e que “aguarda o reconhecimento da inexistência de justa causa para a continuidade do inquérito”.

O caso envolve lideranças do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) ligadas a políticos do centrão. O órgão do MEC, entregue ao centrão por Bolsonaro, é quem gerencia os recursos de transferências federais para obras de educação -auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) vê crimes na atuação de lideranças do FNDE, como a Folha revelou.

A apuração contra Ribeiro foi aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) em março do ano passado por conta do foro especial do então ministro. Com sua demissão, foi enviado para a primeira instância mas, em junho, voltou ao STF após a menção à suposta interferência de Bolsonaro.

Sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, o caso foi colocado em sigilo, e os autos da investigação estão na corte. Ao subir para o STF, o inquérito praticamente deixou de andar.

A polícia ainda não conseguiu, por exemplo, investigar os caminhos do dinheiro que possa ter chegado aos suspeitos. Também não avançaram sobre detalhes do circuito político que permitiu a explosão de liberação de obras sem critérios técnico no órgão do MEC -foram realizados milhares de empenhos fracionados que representam R$ 8,8 bilhões para obras de educação, valor 14 vezes superior ao que estava no Orçamento.

Questionados, STF e PF não se pronunciaram. Informações colhidas na corte pela reportagem dão conta de que os autos estão no gabinete de Cármen Lúcia porque haveria recursos pendentes.

A suposta interferência de Bolsonaro no caso veio após mensagem do delegado do caso, enviada a colegas, e a divulgação de interceptação telefônica de Milton Ribeiro.

Em conversa de 9 de junho de 2022 com uma filha, captada em interceptação, o ex-ministro diz que falou com Bolsonaro naquele dia e que o então presidente teria dito estar com “pressentimento” de que iriam atingi-lo por meio da investigação contra seu ex-auxiliar.

Além dessa conversa telefônica, outro motivo para a remessa foi a mensagem enviada a colegas pelo delegado federal responsável pela investigação e prisão de Milton Ribeiro de que teria havido “interferência na condução da investigação”.

O delegado Bruno Calandrini disse no texto que a investigação foi “prejudicada” em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia ao ex-ministro. O episódio foi revelado pela Folha.

Além da mensagem a colegas, Calandrini levou adiante a denúncia de interferência e indiciou delegados que atuaram na operação. Os indiciamentos, entretanto, não foram analisados por Cármen Lúcia.

O policial levou ao STF duas representações em que acusa a então cúpula da PF de Bolsonaro de tentar blindar os investigados e a relação deles com o ex-presidente e seu então ministro da Justiça, Anderson Torres.

No entendimento do delegado, os documentos, que incluem relatos de telefonemas e emails, indicam que a cúpula da PF tentou mudar o local de prisão do pastor Arilton Moura, com o objetivo de levá-lo à sede da superintendência da PF no Pará.

Assim que ele foi preso, Arilton ameaçou que poderia “destruir tudo” e disse ter proximidade com Bolsonaro, que já teria levado até açaí do Pará ao presidente.

O teor das denúncias de Calandrini contra policiais foi revelado pela revista Veja no ano passado, e confirmado pela Folha.

O modo de atuação do delegado passou a ser contestado e criticado por colegas dentro da PF e foram abertas investigações internas para apurar se ele cometeu irregularidades. Na último dia 19, decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou a suspensão de uma delas, um inquérito que apurava abuso de autoridade.

De acordo com Calandrini, no Pará, o então superintendente da PF no estado, Fábio Marcelo Andrade, e o então delegado de Combate ao Crime Organizado, Ronilson dos Santos, atuaram para tirar Arilton do sistema prisional e levá-lo para a sede da PF.

O então secretário de Administração Penitenciária do Pará Samuelson Igaki disse, em depoimento, que recebeu ligação do superintendente da PF naquele estado para tratar da transferência de Arilton, ao que ele respondeu que isso só poderia ocorrer com decisão judicial. As prisões foram revertidas no dia seguinte e não houve tempo para a transferência.