FLÁVIO FERREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O valor repassado por meio do cartão corporativo da Presidência da República à lanchonete Tony & Thais no governo de Jair Bolsonaro (PL) seria suficiente para pagar mais de 15 mil refeições completas caso fossem servidas atualmente nas mesas do estabelecimento localizado na zona sul de São Paulo.

O valor de um prato com acompanhamentos, mais refrigerante e café é de R$ 40, segundo o cardápio oferecido aos clientes nesta sexta-feira (13) na hora do almoço.

Os pratos do dia eram rabada, baião de dois, peixe e galinha caipira, a um custo de R$ 30. O valor do refrigerante era de R$ 5, e o do café expresso também era de R$ 5.

Na gestão de Bolsonaro, os gastos com o cartão no estabelecimento foram de R$ 626 mil.

Os valores debitados no cartão corporativo da Presidência incluem não só gastos diretos do presidente da República, mas da equipe que o acompanha de perto, entre outras despesas.
A reportagem esteve na Tony & Thais na sexta-feira entre 12h30 e 13h30 e viu cinco pessoas trabalhando para atender os clientes nos dois pavimentos do estabelecimento.

Apesar de estar situada em um bairro de alta renda da capital, o Planalto Paulista, os pratos oferecidos pelo estabelecimento não são caros.

O comercial de bife, com arroz, feijão e batata frita, por exemplo, custa R$ 25.

Nas paredes não há fotos ou referências a visitas de presidentes da República à lanchonete.

Na hora do almoço, a clientela era formada principalmente por funcionários com crachás de empresas e trabalhadores da construção civil uniformizados, no intervalo da jornada nas vários obras de edifícios da região.

Nas caixas de som tocava sertanejo e pagode, mas era possível ouvir vários clientes brincando com os funcionários da lanchonete após os veículos de imprensa terem divulgado na véspera que a lanchonete já havia recebido R$ 1,5 milhão por meio do cartão corporativo da Presidência desde o ano de 2007.
“Estão famosos, hein?!”, disse um homem de meia idade a outro que parecia ser um dos gerentes do estabelecimento, no primeiro andar, que possui uma churrasqueira e onde é oferecida a opção de self-service por quilo.

“Nós trabalhamos e entregamos, só isso”, respondeu o possível gerente, que continuou a temperar espetos de frango que provavelmente seriam servidos no happy hour.

A reportagem se dirigiu ao caixa e perguntou pelo dono da lanchonete. Um homem que se identificou como Dorgival disse que o proprietário não estava, e entregou um cartão com um número de telefone para contato posterior.

Ao longo da tarde e começo da noite de sexta-feira, a reportagem tentou contato pelo telefone, mas as ligações não foram atendidas.

Uma pesquisa no site da Receita Federal mostra que um dos sócios administradores da lanchonete chama-se Dorgival Antonio da Silva, nome que coincide com o da pessoa que atendeu a reportagem no caixa mas não quis responder pela empresa.

Em suas redes sociais, a lanchonete publicou que vem sendo vítima de “denúncias caluniosas e infundadas” e que serve comitivas presidenciais desde 2006, sempre dentro da legalidade, “com excelência e justo trato nas negociações”.

As despesas com cartão corporativo no estabelecimento começaram em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao longo do segundo mandato do petista, até 2010, a lanchonete recebeu R$ 102 mil, em valores não corrigidos pela inflação.

Durante os mandatos de Dilma Rousseff (PT), a Tony & Thais recebeu R$ 353 mil por meio do cartão corporativo da Presidência.

A escalada nos gastos com a lanchonete continuou no governo de Michel Temer (MDB), que registrou despesas de R$ 404 mil (em valores também não corrigidos).

O recorde de despesas foi no governo de Jair Bolsonaro, com gastos de R$ 626 mil de 2019 a 2022 na lanchonete.
Nesse período, foram emitidas 102 notas fiscais referentes às despesas, com valores entre R$ 150 e R$ 15 mil.

No estabelecimento, em um único dia de abril do ano passado, o motorista da Presidência Alexandre Silva Almeida fez sete pagamentos no total de R$ 62,5 mil –seis parcelas de R$ 9.500 e uma outra de R$ 5.200.

Os gastos foram publicados em resposta a um pedido feito pela agência Fiquem Sabendo por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Na quinta-feira, o perfil de Bolsonaro no aplicativo Telegram publicou mensagem afirmando que “além de ter gasto menos que Lula e Dilma em seus quadriênios de mandatos presidenciais, o cartão corporativo custeou parte do resgate de brasileiros em Wuhan/China, por ocasião da Covid, em 2020”.