STEFHANIE PIOVEZAN – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto milhões de brasileiros assistiam à prorrogação do jogo entre Brasil e Croácia pela Copa, no último dia 9, oncologistas de todo o mundo aguardavam os resultados de uma partida na área científica. De um lado do estudo, mulheres em tratamento contra câncer de mama que desejavam engravidar. Do outro, a indicação de terapia hormonal por cinco ou dez anos, dificultando a maternidade.

E foi na hora dos pênaltis, quando a seleção brasileira caiu diante dos croatas, que o desfecho da pesquisa ecoou no auditório do San Antonio Breast Cancer Symposium, no Texas: pacientes que pausam a terapia hormonal para tentar engravidar apresentam taxas de recorrência do câncer de mama similares às que não fazem a interrupção, e muitas conseguem ser mães.

O estudo já era apontado nos bastidores como um dos destaques do evento, o maior do mundo sobre câncer de mama, e alegrou os oncologistas -apesar de dúvidas que ainda precisam ser investigadas.

“A paciente poderá tomar mais cedo a decisão de interromper o tratamento para tentar engravidar”, celebra Gilberto Luiz da Silva Amorim, médico da Oncologia D’Or e um dos profissionais brasileiros que trocaram o jogo de futebol para acompanhar a apresentação da pesquisa. “Até hoje não vi os pênaltis”, brinca.

A pesquisa começou em dezembro de 2014 e envolveu 518 voluntárias de 18 a 42 anos, atendidas em 116 centros de 20 países, incluindo Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Japão. Todas foram diagnosticadas com câncer de mama receptor hormonal positivo, tipo de tumor que é estimulado por estrogênio ou progesterona, e tinham vontade de engravidar.

Elas passaram por tratamento quimioterápico, por exemplo, e entre 18 e 30 meses fizeram a terapia com bloqueadores hormonais. Depois, interromperam o uso da medicação por aproximadamente dois anos, intervalo no qual tiveram três meses de desintoxicação seguidos pelo período em que puderam tentar conceber de forma natural ou por inseminação artificial.

Em 41 meses de acompanhamento, 44 participantes experienciaram recorrência do câncer de mama. Em três anos, a taxa de recorrência foi de 8,9%, similar à de 9,2% encontrada em outro estudo sobre terapia hormonal, com mulheres na pré-menopausa.

Das 497 voluntárias que permaneceram tentando engravidar, 368 (74%) tiveram ao menos uma gestação e 317 (63,8%) deram à luz ao menos um bebê. Ao todo, 365 crianças nasceram.

Após o período pré-determinado para tentativas e gestações, as mulheres foram orientadas a retomar a terapia hormonal e continuarão sendo acompanhadas para verificar a taxa de recorrência. A previsão é de que o estudo seja concluído em dezembro de 2028.

“O estudo Positive fornece dados importantes para apoiar mulheres jovens com câncer de mama receptor hormonal positivo que estão interessadas em engravidar”, comenta em nota a pesquisadora Ann Partridge, do Instituto de Câncer Dana-Farber, que liderou o estudo na América do Norte.

Para Amorim, os resultados permitem romper uma barreira. Até agora, ele sempre orientou as pacientes a aguardarem os cinco ou dez anos de tratamento hormonal antes de tentarem engravidar. Agora, vê possibilidade de conversar com as pacientes sobre antecipar a interrupção.

“Historicamente, temos uma dificuldade de dizer para essas pacientes que elas podem engravidar porque estão fazendo tratamento hormonal e porque existe uma preocupação sobre o impacto do aumento dos hormônios com a gravidez. Não havia dados que permitissem fazer diferente, e fomos adiando o sonho dessas mulheres.”

Mas há ressalvas. Em 93,4% dos casos, as voluntárias tinham câncer em estágio 1 ou 2, e é preciso acompanhar as pacientes por mais tempo para checar se não haverá maior recorrência do câncer no futuro.

Além disso, Amorim lembra que mulheres acima de 35 anos já começam a apresentar redução na fertilidade, e procedimentos como a quimioterapia e a hormonioterapia podem intensificar esse processo. Por isso, mulheres com câncer que pretendem engravidar devem analisar a possibilidade de congelar óvulos.

“A paciente se vê diante de um diagnóstico difícil e não tem nem tempo de decidir. Às vezes, até a família diz: ‘Deixa isso para lá. A prioridade é você ficar boa. Esquece isso de maternidade’. Essas mulheres não esquecem. É uma doença grave, mas em alguns casos é possível conciliar os interesses”, diz o oncologista.