SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Juliana Paes, 43, não teve muitas dúvidas ao ser convidada para viver Maria Marruá na nova versão de “Pantanal”, que a Globo exibe na faixa das 21h. A atriz conta que, mesmo com todas as dificuldades do papel, aceitou de imediato.

“Falei: ‘Começamos quando? Quando é que a gente viaja?'”, lembra ela em bate-papo com a imprensa. “Eu tinha vontade de conhecer o Pantanal também, que ainda não conhecia. Sabe quando junta a fome com a vontade de comer? Tinha o desafio de ser o personagem de uma atriz que eu admiro tanto, de quem eu sou fã, a história, todo o entorno.”

Na primeira versão da trama, Maria foi vivida por Cassia Kis, em um de seus grandes papéis na televisão. “Eu acho que, como muitos brasileiros da minha geração, ‘Pantanal’ está num lugar de memória afetiva, de conforto, de casa”, conta Juliana.

“Eu lembro exatamente da posição do meu pai e da minha mãe sentados, da cor do sofá onde eles ficavam sentados”, diz. “Meu pai nunca foi muito de ver novela –ele começou a ver novela quando eu comecei a fazer novela–, mas ele parava para ver essa.”

“Claro que para as novas gerações vai ser novidade, mas tem um público cativo de novela, que ama novela, que no meu sentir está muito emocionado de revisitar essa história”, observa. “Creio que não é só pela história, mas por essa sensação que a novela traz para nós.”

Para as gravações, Juliana se despiu de vaidades, mas diz que isso não foi um problema. “A gente vive esse universo às vezes muito estético e eu tenho recebido muitas perguntas nesse sentido: de como é se ver envelhecida ou maltratada”, comenta. “Parece que o espírito da pergunta vem no sentido de ‘como é fazer esse esforço’.”

“Não é esforço nenhum, muito pelo contrário”, garante. “É gratificante poder abrir mão da vaidade, da estética vigente. E, mais do que abrir mão, ver beleza nisso. Eu vejo beleza nisso: nas olheiras, no cabelo branco, vejo poesia nessas marcas do tempo. É um prazer poder abandonar essa mochila um pouco da idade, do perfeito, e não só gostar de fazer como se deleitar vendo o resultado que isso tem.”

Para a atriz, caracterizar-se como a personagem era algo que a ajudava a entrar na personagem. “O processo diário é catártico, é você sentar ali com a tua carinha de cidadão comum e de repente está impresso no seu rosto aquela paisagem, aquele cenário, aquela música, aquele som”, avalia. “É muito gratificante isso.”

Ela lembra como foi chegar à imagem da personagem. “Eu sempre considero muito o percentual de participação que a caracterização, tanto figurino quanto maquiagem, têm na formação dos nossos personagens”, afirma. “Acho que o personagem acontece mesmo depois que você coloca a roupa e que você se vê com o cabelo pronto, com a maquiagem pronta.”

Para a maquiagem, Juliana trabalhou com Valeria Toth, caracterizadora da Globo há mais de 15 anos. “A gente começou a imaginar como seria o rosto de uma mulher que nunca se protegeu do sol, que nunca teve acesso a filtro solar, ou que nem sempre teve acesso a um chapéu”, lembra a atriz. “Como é que seria a pele dessa mulher?”

Até mesmo onde os melasmas seriam inseridos na pele da atriz foi objeto de estudos. “Aonde incide o sol? Qual a posição do rosto?”, diz Juliana. Também foram inseridas marcas de expressão. “Hoje em dia a gente trabalha com muita definição, então é uma linha muito tênue entre o que a gente pode fazer que dê credibilidade e que some”, avalia. “A caracterização não pode atrapalhar.”

Juliana revela ainda que deixou as sobrancelhas crescerem naturalmente, parou de pintar as unhas e até permitiu o cabelo embranquecer. “Era o meu cabelo branco natural que ia dando a linha para os outros cabelos que iam se fazendo”, conta.

Ela avalia que Maria Marruá pode não ter tido acesso a algumas coisas, mas sua vaidade. “Não é uma mulher que não se cuida, mas uma mulher em que o tempo agiu, o sol agiu”, afirma. “A gente tentou trabalhar nisso com muita sutileza.”

Juliana também destacou o trabalho de Marie Salles, figurinista da novela. “Tentamos sempre deixar a silhueta de conforto, porque ela trabalha na lavoura”, conta. Existe uma cena da Maria e do Gil cortando cana, as roupas são muito manchadas de fuligem, que às vezes não dá para tirar lavando, então tudo tem que ser pensado.”

“Tem um belo dia que a gente chega na caracterização e faz tudo isso, aí você se olha no espelho e o personagem vem”, resume. “Mesmo com todo o trabalho de corpo que a gente faz antes, com toda a leitura, é nesse momento que você olha com tudo isso que você entende a figura do seu personagem e começa a trabalhar em cima da imagem, não só das emoções e das sensações.”

Além da caracterização, Juliana diz que começar as gravações no Pantanal fez diferença. “Acho que se a gente tivesse começado pelo estúdio, não teria tido esse molho todo”, avalia. “Nós fizemos alguns estudos aqui antes, algumas vivências aqui nos Estúdios Globo. São processos muito interessantes, acho fundamental e prazeroso de fato, mas quando você chega no Pantanal vem um dado diferente.”

“Existe uma energia contemplativa lá, o Pantanal te convida a lançar o olhar para fora”, explica. “Essa energia de contemplação fica impregnada na gente, e mais do que isso tem muito barulho porque os bichos cantam muito alto. O barulho da natureza é tão forte chamando que você silencia.”
Segundo ela, isso faz com que as pessoas que chegam por lá entrem em contato consigo mesmas. “Você entra em contato com a sua natureza mais selvagem”, afirma. “Me senti muito conectada com os meus próprios desejos e me deu um estalo de que a Maria tem um pouco disso.”

“Maria foi forjada na dor, no que é antinatural, perder filhos, perder um, dois, três… forjada na violência da perda da identidade, da terra, do que é seu, do que faz você se entender por gente”, observa. “Quando você não tem mais nada, você só tem a si mesmo e os seus próprios instintos. Eu tentei trabalhar a Maria nesse lugar.”

A força da personagem, que continua apesar de tudo, é o que faz com que Maria Marruá seja considerada por muitas pessoas como uma mulher que vira onça. Juliana explica que neste remake da novela, essa transformação terá ainda mais aura de mistério.

“Talvez nessa versão o Papa [o diretor artístico Rogério Gomes] tenha escolhido trabalhar ainda mais com esse mistério, com essa dúvida: ela vira mesmo ou isso é falatório de gente do local?”, conta. “A gente não vai ver nenhuma cena no estilo ‘X-Men’, uma transformação completa acontecendo. Acho que essa escolha foi um acerto, porque trabalhar essa percepção, como cada personagem fala dessa mulher que vira onça, é um tempero gostoso de ver.”

O que ninguém vai ver na tela são os bastidores das gravações, que, segundo Juliana, tiveram algumas curiosidades. “Para mim, o mais difícil era acordar com vontade de fazer pipi de noite voltando para a fazenda, ir para detrás do carro, baixar e fazer”, revela.

“Eu falei que hidratei bastante aquela área, porque eu faço xixi toda hora”, brinca. “O Kike [Enrique Diaz, que interpreta o marido de Maria Marruá] ficava de vigia para mim. E o medo de vir um bicho? Esse era o medo, esse era o perrengue. Complicado, mas deu tudo certo.”

Outro perrengue foi durante a gravação de uma cena no rio, em que a personagem aparece boiando com uma barriga de grávida. “Eu estava ali no meio do rio, paradona, e dá-lhe mudar a câmera de posição, bota a câmera pra lá, bota a câmera pra cá”, lembra.

“Quando eu vi já era o André da nossa produção gritando: ‘Sai!!!”, diz. “Quando eu olho, o jacaré já vinha assim, traçando uma reta. O jacaré viu aquela carcaça boiando, carcaça boa, barriga pra cima, falou: ‘É nessa que eu vou’. Eu saí correndo, barriga pendurada, aquela loucura… Quase que eu tomo uma mordidinha de jacaré (risos).”

Passadas as gravações no local e com a novela no ar, o desejo de Juliana é que o Pantanal receba a atenção que merece. “Eu rezo, quero muito que aconteça, que as pessoas vejam o Pantanal, tragam o Pantanal mais para perto, não vejam como algo que está tão distante”, afirma.

“As imagens [da novela] são lindas, mas nós pegamos alguns lugares com baixa de água”, lembra. “A gente sabe que isso é sazonal, mas existe uma preocupação e uma forma de ajudar em ações positivas de fato: podemos adotar uma arara, ajudar dando visibilidade para esses institutos que trabalham lá na região… Espero que a novela traga muito a reflexão porque o Pantanal precisa muito de mais atenção e de mais olhar.”

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