• Por Roberto Uebel

pandemiaTodas as grandes pandemias trouxeram impactos significativos para a ordem mundial, como bem registra a história acerca das mudanças causadas pela peste bubônica e pela gripe espanhola, além dos surtos de doenças como o sarampo, a cólera, o ebola, a febre amarela e a dengue — essas duas últimas, infelizmente, já bastante conhecidas da população brasileira.

Com a covid-19, nome da doença causada pelo novo coronavírus, não poderia ser diferente. A novidade é o fato de esta pandemia ocorrer justamente em um momento marcado por uma transição hegemônica no sistema internacional, que nas relações internacionais chamamos de novos polos de poder. Poder e saúde global são os dois pilares da diplomacia mundial da saúde, um dos temas mais caros desse campo do conhecimento científico ligado à ciência política.

Essa transição hegemônica, que se desenhava desde o final da última década, apontava para uma presença cada vez maior da China e de outras nações do leste asiático, como Japão e Coreia do Sul, em maior grau, e Singapura, Taiwan e Filipinas, em proporções menores e regionalizadas, nas decisões e rumos das relações internacionais — desde questões comerciais, como os conflitos com os Estados Unidos, até temas de meio ambiente, migrações e securitização, ou seja, o poder geopolítico de fato.

Se for possível relembrar o que aconteceu até março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde — que apesar de todos os cortes orçamentários sofridos está desempenhando um papel indispensável no combate aos impactos sanitários, demográficos e econômicos causados pelo coronavírus — reconheceu a pandemia atual, veremos fatos que hoje parecem muito distantes, como o assassinato, no Iraque, do general iraniano Qasem Soleimani por forças americanas, o Brexit, ocorrido em 31 de janeiro, as instabilidades políticas na América do Sul, sobretudo na Bolívia, no Chile e na Venezuela, as queimadas na Amazônia e na Austrália, e o início da corrida eleitoral nos Estados Unidos.

Se imaginarmos uma linha do tempo gráfica, o coronavírus é aquele ponto de inflexão, as respostas dadas pelos governos são as novas curvas e linhas.

São justamente essas respostas que caracterizarão e definirão os novos rumos e cenários do sistema internacional pós-coronavírus, que muitos analistas internacionais, como eu, acreditam ser pós-ocidental. Ou seja, os novos polos de poder, de decisão e que causarão impactos em todas as sociedades e nas nossas vidas, estão localizados não no que conhecemos — embora possamos não concordar totalmente com essa definição — como Ocidente.

As respostas da China, em que pese todas as críticas pela demora de comunicação do surto de coronavírus em Wuhan, como as medidas de isolamento e as ações de cooperação internacional com aqueles que foram mais afetados, apontam para um novo protagonismo chinês, inclusive na produção de equipamentos, como respiradores mecânicos e máscaras, no mundo que emergirá após a pandemia.

A principal reflexão resultante da atual pandemia é o papel exercido pelo Estado nas mais diferentes frentes: economia, cooperação internacional, securitização das fronteiras, atenção social e adoção de medidas de prevenção do contágio, como o isolamento social. Os modelos econômicos outrora saudados como referenciais, sobretudo aqueles cujo papel do Estado deveria ser mínimo, mostraram que o direito humano mais básico — a saúde — está acima de qualquer política macroeconômica.

A pandemia vai passar e o resultado será um sistema internacional no qual a ciência e a cooperação internacional, sobretudo em saúde, ocuparão um espaço tão hegemônico quanto as novas potências pós-ocidentais.

* Trechos do texto de Roberto Uebel, doutor em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, originalmente publicado pelo portal Nexo.

 

Related Images:

[See image gallery at gazetanews.com]

O post Um novo sistema internacional vai emergir pós-pandemia apareceu primeiro em Gazeta News: O maior Jornal Brasileiro da Florida, nos EUA.

Fonte: Gazeta News