“Não é todo dia que coloco a tefilin em cima do número de Auschwitz”, diz o rabino David Weitman logo depois da breve cerimônia, em uma sinagoga na região central de São Paulo, em 11 de novembro de 2019. “E é a primeira vez que faço isso em alguém dessa idade. É muito emocionante. Os nazistas se foram, mas nós estamos aqui.”

O tefilin citado por Weitman são tiras de couro tradicionalmente colocadas no braço de meninos judeus que, ao completar 13 anos, realizam seu bar mitzvah, cerimônia judaica que é celebrada como um rito de passagem. Naquele dia, porém, o bar mitzvah era para um senhor de 91 anos: Andor Stern, brasileiro de nascença que, aos 13 anos, estava escapando da perseguição na Hungria, terra natal de seus pais. Andor Stern acabaria capturado e viveria cerca de um ano no campo de concentração em Auschwitz, na Polônia, o maior e mais cruel símbolo do Holocausto. Os números que o identificavam no campo continuam tatuados em seu braço: 83892. Ele é tido como o único brasileiro nato a sobreviver a Auschwitz.

O local, cuja libertação ocorreu há 75 anos, pelo Exército soviético, em 27 de janeiro de 1945, é considerado o epicentro do Holocausto: estima-se que 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, tenha morrido de fome, doenças ou em câmaras de gás no complexo de 40 campos de concentração de Auschwitz, que antes de ser ocupado pelos nazistas era um enorme quartel militar. Outras vítimas incluíam prisioneiros russos, poloneses, ciganos e gays.

Stern sobreviveu não apenas para ser homenageado, em novembro, pelo Memorial da Imigração e do Holocausto, com um bar mitzvah especial e tardio, mas também para reerguer sua vida no Brasil, criar uma família com cinco filhos e muitos netos e bisnetos, perder tudo em uma das crises econômicas brasileiras na era Collor e manter-se ativo profissionalmente até agora. E fazer tudo isso com grande apreço pelos pequenos prazeres do cotidiano. Filho de imigrantes judeus, Stern nasceu no bairro do Bixiga, em São Paulo, em 17 de junho de 1928. Mas viveu desde cedo uma vida itinerante. Aos três anos, mudou-se com para a Índia, por conta de uma oferta de emprego ao pai, médico. Depois disso e Stern não sabe exatamente o porquê, em vez de voltar ao Brasil, a família decidiu passar um tempo na Europa, com parentes húngaros. Essa decisão selou seu destino de uma forma drástica.

Com a posterior ocupação nazista da Hungria, sua família toda (menos o pai, que se separara da mãe e fora embora do país em 1938) foi transportada a Auschwitz em um mesmo trem, em 1944. Foram separados na chegada ao campo de concentração. “Daí começou o calvário deles: meus avós, meus tios, minha tia grávida, foram levados direto para a câmara de gás”, conta Stern. Sua mãe, Julia, tampouco foi poupada. Uma das primeiras coisas que Stern escutou ao chegar foi “‘Está vendo aquela fumaça lá? Tua família está saindo de lá, seus avós, teus tios, tua mãe’. Minha família estava saindo pela chaminé”, recorda. No final de abril de 1945, o campo foi libertado pelo Exército dos EUA. Em 1º de maio, depois de quase um ano e meio sob poder dos nazistas, Stern estava livre. De volta à Hungria de seus parentes, Stern concluiu seus estudos e entrou em uma faculdade de engenharia, mas diz que começou a “sentir saudades do desconhecido”. Era hora de voltar para sua terra natal: o Brasil.

Fonte: Brazilian Press