MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – “Quantas horas a mais?”, questionou, algo incrédula, Maria, ao lado de seu marido Valeri. “Cerca de três, senhora”, respondeu a paciente atendente da Turkish Airlines no check-in madrugador da segunda (28) em Vnukovo, um dos aeroportos internacionais de Moscou.

O voo das 7h15 demora, usualmente 1h40min para chegar à principal cidade turca. Agora, as tais quase quatro horas. “Eu não acredito. Claro, não é nada perto do que está acontecendo na Ucrânia, mas ainda assim”, disse Maria.

Num balcão próximo, o voo das 8h da aérea Pobeda também anunciava um ganho de meia hora na rota para Kaliningrado, o “hotspot” da Rússia entre Lituânia e Polônia. Olhando no mapa, um desvio do espaço aéreo europeu vetado empresas de Moscou como retaliação pela guerra na Ucrânia e um voo por águas internacionais no Báltico.

Enquanto no caso da Turkish, que não boicota a Rússia como outras europeias, o motivo é mais cru: não acabar abatido como ocorreu em 2014 com um Boeing-777 da Malaysia durante a guerra civil no Donbass. O avião rumo a Istambul vai quase até Varsóvia e daí desce ao sudeste.

O casal, na casa dos 30 anos, parece afluente: roupas e bagagens de marca, ao menos Maria com um bom inglês. Em 2021, foram 4,7 milhões iguais a ele, passeando na Turquia. A típica classe média que cresceu e apareceu sob Vladimir Putin, e que agora encara com temor o cancelamento de seu país no Ocidente que passou a frequentar nas duas últimas décadas.

Os jovens não quiseram comentar as razões da guerra, por concordar com Putin ou discordar e temer algum tipo de represália. A repressão é visível, afinal, em casa.

Nesta terça (1º), a agência reguladora de comunicações russa fez valer sua ameaça de censura a quem chamar a guerra de guerra, e não de “operação militar especial”: tirou do ar a rádio Eco de Moscou, um dos meios de comunicação independentes mais tradicionais do país.

No campo das limitações, as bandeiras de cartão de crédito Visa e MasterCard vão parar de emitir no país, e a Apple anunciou o fim de sua loja virtual e do sistema de pagamentos móvel Apple Pay, amplamente usado em Moscou.

Enquanto essas medidas são palpáveis, o clima de caça às bruxas a tudo o que for russo está se tornando fonte de preocupação para os cidadão do país no exterior.

Uma repórter de grande agência de notícias baseada em Bruxelas se queixa de que está sendo olhada de lado na redação –justo ela, que saiu da Rússia antes de Putin chegar ao poder, em 1999, e nunca nutriu simpatia pelo chefão do Kremlin. De repente, colegas vieram perguntar se ela desejava uma Terceira Guerra Mundial.

O resto é o rosário de medidas punitivas discutíveis: os inúmeros cancelamentos de artistas russos em eventos culturais, até a suspensão do país da Copa da Qatar pela Fifa –um evento não exatamente conhecido por sua veia humanitária, dada as condições de trabalho na construção de seus estádios. Ou então a proibição da vodca russa em alguns estados americanos.

Nada disso é mensurável ainda em termos de popularidade de Putin, algo que talvez tenha mais a ver com as filas em caixas eletrônicos vazios devido à dissolução do rublo. A classe média sempre foi um foco de resistência a seu governo a partir de 2012, quando ficou evidente seu projeto de longo prazo no poder.

Mas o real jogo é com a elite, que ele mantém em torno de si como uma corte imperial, alimentando rivalidades. A extensão das realmente duras sanções adotadas desta vez pelo Ocidente ainda terá de ser vista.