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Image caption Martin Sellner tem sido um baluarte do chamado movimento identitário europeu, que se opõe à migração muçulmana

A polícia da Áustria cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa do líder de um grupo de extrema-direita à luz da investigação sobre os ataques a duas mesquitas na Nova Zelândia.

Martin Sellner, fundador do grupo Movimento Identitário da Áustria (IBÖ), havia dito em um vídeo que recebeu uma doação, possivelmente do principal suspeito do atentado em Christchurch.

Mas ele negou qualquer envolvimento nos ataques que deixaram 50 pessoas mortas e outras dezenas feridas no dia 15 de março.

O australiano Brenton Tarrant, 28 anos, autoproclamado supremacista branco, foi acusado formalmente por um dos homícidios e ainda deve enfrentar outras acusações.

Em um vídeo postado nas redes sociais na segunda-feira, Sellner disse que recebeu um email contendo uma doação “desproporcionalmente grande” de uma pessoa chamada “Tarrant”. Ele acrescentou que enviou uma resposta de “obrigado”, como fez com outras doações.

“Não tenho nada a ver com esse ataque terrorista”, disse Sellner, acrescentando que sua organização é um grupo anti-imigração pacífico.

Ele disse que os investigadores invadiram seu apartamento em Viena na segunda-feira e apreenderam seu telefone, computador e outros dispositivos.

O porta-voz do Ministério do Interior, Christoph Pölzl, disse que a busca foi realizada por policiais antiterrorismo sob as ordens do Ministério Público na cidade de Graz, que está investigando o caso.

Já o porta-voz da promotoria austríaca informou que o órgão suspeitou do endereço de e-mail enquanto investigava uma doação de cerca de 1,5 mil euros (R$ 6,5 mil) para o IBÖ.

Na semana passada, as autoridades confirmaram que Brenton Tarrant visitou o país, possivelmente em novembro passado, embora os detalhes de sua estadia sejam desconhecidos.

Em março de 2018, ele e sua noiva Brittany Pettibone – uma vlogger de alt-right ” (direita alternativa, em tradução livre) e entusiasta de teorias da conspiração – foram impedidos de entrar no Reino Unido. Na ocasião, as autoridades britânicas disseram que sua presença não seria “útil ao bem público”.

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Image caption Simpatizantes de Sellner em Londres; ativista foi impedido de entrar no Reino Unido por incitação à violência

Quem é Martin Sellner?

Com seus discursos inflamados, Sellner tornou-se o novo garoto-propaganda da extrema-direita europeia, e o IBÖ tem atraído grande atenção da mídia e do público.

Mas, para muitos, é um movimento de cunho racista e violento – críticas que Sellner refuta.

Em seus vídeos no YouTube, Sellner costuma estar acompanhado de Brittany. Os posts dela versam sobre supostos “genocídios brancos” e “grupos de pedofilia ligados a Hillary Clinton”, a ex-candidata à Presidência dos EUA.

Além de liderar o IBÖ, Sellner tem sido um baluarte do chamado movimento identitário europeu, que se opõe à migração muçulmana – alegando que esta ameaça a identidade europeia e vai eventualmente substituir as populações originárias. O movimento nasceu na França em 2012 e expandiu-se a nove países, como Alemanha, Itália e Reino Unido.

Embora tenha poucos membros, o movimento ganha atenção com enfrentamentos públicos e ações midáticas, como a ocupação de uma peça de teatro.

Em 2017, o IBÖ arrecadou o equivalente a R$ 800 mil usados no aluguel de um barco no Mediterrâneo para agir contra ONGs que patrulham o mar e resgatam migrantes em perigo.

O IBÖ pretendia deter migrantes irregulares e afundar suas embarcações, em uma campanha que teve apoio de um site neonazista e do líder da Ku Klux Klan americana, David Duke.

Mas a ação não saiu conforme o planejado. O barco do IBÖ foi retido e seu capitão, preso, acusado de ter refugiados ilegais a bordo e de portar documentos falsos. Todos foram posteriormente libertados.

Alguns meses depois, o IBÖ financiou um voo de helicóptero que levou uma enorme faixa ao topo dos Alpes Franceses, com dizeres anti-imigração.

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Image caption Sellner em manifestação em 2017; seu grupo é acusado de racismo e violência, o que ele refuta

Ao mesmo tempo, dentro da própria Áustria, as ações da organização, incluindo a invasão da peça de teatro, a colocaram na mira da polícia, que acredita que a retórica do IBÖ fomenta o ódio contra muçulmanos, estrangeiros e refugiados. Por isso, o grupo está sendo considerado pelas autoridades como uma organização criminosa, e não como uma ONG, como se autodeclara.

Investigação

A Promotoria austríaca reuniu evidências das ações do IBÖ nos últimos dois anos, incluindo a invasão de uma palestra na Universidade de Klagenfurt sobre refugiados e integração.

Enis Husic, estudante originário da Bósnia, estava na plateia. “Foi muito tenso e agressivo”, diz ele. “Depois que tudo passou, fiquei com muito medo.”

Image caption Cadeiras do Geração Identitária, movimento de Sellner que costuma alvejar eventos de integração entre migrantes e locais

O reitor da universidade, Oliver Vitouch, foi ao encontro dos manifestantes e acabou agredido por um deles. “Embora eles (militantes do IBÖ) digam que são completamente pacíficos e contrários à violência, ficou muito claro para mim que o preparo para usar a violência está lá”, diz Vitouch.

Por anos, o IBÖ foi menosprezado por críticos como “aspirantes a hipsters nazistas”. Mas, na opinião da autora e pesquisadora Natasha Strobl, suas ações e retórica são uma ameaça ao país.

“Eles pintam os refugiados como invasores, como soldados perigosos do islã, que vêm aqui para destruir a Europa”, diz ela. E, em reação a isso, “as pessoas ficam agressivas, importunam mulheres muçulmanas nas ruas”.

Strobl escreveu um livro sobre o movimento identitário e, em seguida, começou a receber ameaças. “Abro o e-mail e vejo ameaças de estupro, assassinato. Tento não repetir as mesmas rotas na cidade porque não quero ser seguida. A vida muda.”

O IBÖ, por sua vez, diz que não é racista ou violento e apenas articula as visões compartilhadas por muitos austríacos.

Líder extremista

Martin Sellner foi criado em um subúrbio de Viena. Em sua adolescência, relata Strobl, ele foi atraído pelo movimento nacionalista austríaco. “Ele era parte da cena neonazista, e o mais proeminente neonazista, Gottfried Kussel, era seu mentor,” diz ela.

Na época, Kussel já havia sido detido por tentar reviver o nazismo. Foi preso novamente em 2011 e mais tarde condenado a nove anos de prisão. Em 2012, Martin Sellner fundou o IBÖ.

A reportagem da BBC foi à sede do grupo, no centro de Viena – um apartamento simples, repleto de câmeras, notebooks e luzes para a gravação e edição de vídeos.

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Image caption Sellner em um evento do IBÖ na Alemanha, em agosto de 2018; ele diz não acreditar na integração de muçulmanos na Europa

Sellner se mostra relaxado e confiante. No dia anterior, ele e outros 16 membros do IBÖ haviam sido absolvidos da acusação de participar de uma organização criminosa. A Promotoria entrou com recurso contra a absolvição e está investigando as finanças do IBÖ.

“Espero que esse veredicto tenha um efeito além desse caso e que vá além da Áustria na reabilitação do IBÖ”, diz Sellner.

O ativista diz que seu grupo não é racista ou violento, mas admite que se envolveu com neonazistas no passado. “Não havia alternativa. Não havia movimentos de direita patriótica”, argumenta.

A reportagem pergunta: “Então, você não era racista?”

Ele hesita. “Não acho que eu fosse”.

“Certamente você saberia se fosse um racista, não?”, a BBC prossegue.

“Eu não diria que eu era (racista). Era algo ambíguo. Eu diria que era um conservador, um patriota.”

No início de 2018, antes de ser impedido de entrar no Reino Unido, Sellner foi secretamente filmado durante uma viagem a Londres, na qual usou um termo racista e ofensivo – paki – para se referir a um imigrante paquistanês. Ele diz que foi um erro ingênuo. “Eu achava que ‘paki’ era um termo normal. Se soubesse que era considerado uma ofensa racista, certamente não o teria usado”, diz.

A reportagem rebate. “Você esteve diversas vezes no Reino Unido. É inacreditável que não soubesse que o termo é ofensivo.”

Ele insiste e se desculpa. “Se eu insultei alguém ao usar essa palavra, peço desculpas e nunca mais a usarei de novo.”

As atividades do IBÖ normalmente alvejam eventos que promovem a integração – isso porque ele diz não acreditar em integração, mas sim na assimilação dos imigrantes muçulmanos.

“Assimilação significa que você se identifica completamente com o país, com a nação, com sua história”, ele explica. Caso contrário, “é traição àquela comunidade, que está te dando braços abertos, aceitando você, então, você tem que colocar os interesses dela diante dos seus.”

Tensão entre grupos

Sellner conta com a oposição de ativistas antifascismo como Jerome Trebing, que diz ter estado com ativistas que participaram de reuniões fechadas do IBÖ. E, segundo seu relato, apoiadores do IBÖ alegam nessas reuniões que não só muçulmanos como também judeus querem ocupar o lugar dos austríacos.

“Tem coisa muito pesada acontecendo”, afirma Trebing. “Há pessoas que estão sendo autorizadas a falar coisas racistas, antissemitas, e ninguém está dizendo a elas que não há lugar para isso aqui.”

Sellner nega ter qualquer preconceito contra judeus e diz, por sua vez, que quer expandir o movimento identitário a outros países da Europa. “(Na Áustria) já temos um governo de direita. E queremos incentivar isso em toda a Europa; queremos mudar o discurso público”.

Ele se refere ao Partido da Liberdade, agremiação nacionalista e anti-imigração que passou a integrar a coalizão de governo austríaco no ano passado.

Sua deportação do Reino Unido dificultou a proliferação de sua mensagem a potenciais simpatizantes, mas ele continua muito ativo na internet – embora tenha sido banido do Facebook.

E, na Europa continental, ele segue liderando ações que têm muçulmanos como alvo.

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Fonte: BBC