SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O parlamento da África do Sul rejeitou, nesta terça-feira (13), o relatório de um painel de especialistas que encontrou evidências de que o presidente do país, Cyril Ramaphosa, pode ter burlado a legislação ao guardar grande estoque de moeda estrangeira em sua fazenda. Com a decisão, o líder sul-africano se livra de um processo de impeachment.

A rejeição já era esperada desde a semana passada, quando o partido de Ramaphosa, o Congresso Nacional Africano (CNA), decidiu apoiar o presidente no Parlamento. A legenda tem maioria confortável na Casa e, portanto, um eventual afastamento do sul-africano dependeria do apoio de seus próprios correligionários.
A oposição começou a sessão desta terça, pedindo que o voto fosse secreto, o que facilitaria que parlamentares filiados ao CNA votassem em sentido contrário à decisão da cúpula do partido -a solicitação, porém, foi negada.

Ainda assim, quatro congressista da legenda votaram a favor do impeachment; além disso, outros três não estavam no Parlamento quando foram chamados, inclusive a ministra do Turismo, Lindiwe Sisulu. Ao todo, 214 deputados votaram contra o impeachment e 148 a favor; outros dois se abstiveram.

A suspeita contra o presidente começou em junho, após o ex-chefe de espionagem do país acusar Ramaphosa de lavagem de dinheiro e corrupção em decorrência do encobrimento de um grande roubo de dinheiro na fazenda do político –por isso o caso foi apelidado de “farmgate” e de Phala Phala, nome da propriedade.

Arthur Fraser disse que ladrões invadiram o local em fevereiro de 2020 e fugiram com ao menos US$ 4 milhões em dinheiro, quantia que estaria escondida em móveis como um sofá. Ramaphosa não teria prestado queixa do assalto, o que levantou especulações na imprensa local.

Até aqui, a origem da quantia permanece incerta, mas a possibilidade de haver relação do dinheiro com eventuais episódios de corrupção deu gás para parlamentares da oposição contestarem sua legitimidade no cargo.

Ramaphosa, que por ora não foi formalmente acusado de nenhum crime, nega irregularidades. Ele alega que o dinheiro é proveniente da venda de búfalos e que a quantia roubada é muito menor do que o valor reportado por Fraser –seria de US$ 580 mil, mas o documento do Congresso contesta a informação.

Fato é que as suposições chegaram, inclusive, no CNA, que governa a África do Sul desde 1994, quando o regime de apartheid na África do Sul acabou, e Nelson Mandela foi eleito presidente. Há quase 30 anos, as brigas políticas na nação africana se baseiam, principalmente, nos bastidores do partido, e o atual escândalo acabou munindo adversários de Ramaphosa na legenda.

No último dia 5, quando o Comitê Executivo Nacional da sigla anunciou que apoiaria o presidente, o tesoureiro-geral da legenda, Paul Mashatile, disse que a decisão não havia sido unânime. “Houve muitos debates, mas tínhamos que terminar em algum lugar, e o que estou relatando é onde terminamos”, disse.

Apesar da decisão, ainda era incerto se os 230 parlamentares do CNA votariam da mesma forma. Até por isso, o partido tentou conter aqueles filiados que se manifestaram, publicamente, contra o atual presidente. Um exemplo foi a expulsão de Carl Niehaus, ex-porta-voz de Mandela e membro da sigla nos últimos 43 anos, na segunda-feira, acusado de má conduta.

A sessão desta terça, aliás, pode ter atrapalhado a ida do presidente sul-africano aos Estados Unidos. O país da América do Norte recebe nesta semana dezenas de líderes de países africanos na Cúpula de Líderes EUA-África, em Washington. Ao contrário da maioria dos demais líderes convidados, Ramaphosa preferiu enviar para o evento sua ministra de Relações Exteriores, Naledi Pandor.

Paralelamente, o CNA deve dar início, ao menos oficialmente, à disputa pela liderança do partido. O atual presidente da sigla é justamente Ramaphosa, mas uma eventual derrota do líder poderá influenciar na escolha da legenda sobre quem se candidatará à Presidência nas eleições de 2024. Ao menos legalmente, Ramaphosa pode tentar a reeleição.