SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um bebê neozelandês de seis meses com problemas cardíacos precisava ser operado para continuar vivo. O sistema de saúde do país da Oceania já havia aprovado e organizado o procedimento, mas um empecilho travava a realização da cirurgia: os pais da criança. Eles não aceitavam que ela recebesse sangue de doadores vacinados contra a Covid-19.

Na quarta-feira (7), porém, a Justiça da Nova Zelândia contestou a observação bizarra dos pais e assumiu a custódia temporária do bebê até que a cirurgia seja realizada e a recuperação da criança finalizada.

O recém-nascido tem um caso grave de Estenose Pulmonar Valvar (EPV), o que significa que sua válvula pulmonar é estreita demais para permitir que o sangue flua do coração para os pulmões normalmente.

Seus pais, porém, alegam que as proteínas no sangue de pessoas vacinadas com imunizantes que usam RNA mensageiro estariam causando mortes inesperadas relacionadas a transfusões -teoria, vale ressaltar, sem nenhuma comprovação.

A tecnologia é um dos principais alvos das teorias da conspiração antivacina, que alegam erroneamente que imunizantes do tipo podem modificar o DNA, causar inúmeras doenças ou provocar as mesmas enfermidades que deveriam combater, entre outros supostos problemas.

A teoria, aliás, é para os pais mais importante do que a vida da criança. “É muito maior do que nós. É muito maior que o bebê. Deus não quer que isso seja perpetrado na humanidade. Ele não quer que isso seja perpetrado no bebê”, disse o pai, segundo o jornal The Washington Post.

Coube, então, à Justiça neozelandesa a decisão sobre a vida do bebê. Ainda no final de novembro, o serviço de saúde pública do Estado entrou com uma ação pedindo a guarda temporária da criança para a realização da cirurgia e ,na quarta, o Tribunal de Auckland concluiu que o tratamento proposto pelos médicos “é do melhor interesse” da criança.

“Ele continua precisando urgentemente de uma operação, e todos os dias que a operação é adiada, seu coração está sob tensão”, disse o magistrado responsável por julgar a ação. A cirurgia foi agendada para sexta (9) e deve durar 48 horas.

Com isso, a corte ordenou que o bebê fosse colocado sob tutela parcial ao menos até janeiro, quando o período pós-cirúrgico deve acabar. A Justiça também decidiu que os pais permanecerão como tutores “para todos os outros propósitos” e serão informados sobre o estado e o progresso da condição e do tratamento do bebê.

A origem do imbróglio remete ainda a outubro, quando a criança teria sido submetida a uma cirurgia e, posteriormente, recebido sangue de um doador vacinado contra a Covid-19. Ao saber da transfusão, os pais do bebê ficaram nervosos e pediram aos médicos que tal procedimento não fosse mais realizado.

Ao surgir a necessidade de uma segunda cirurgia, os profissionais de saúde avisaram, em novembro, os pais da criança de que não seria possível fazer a transfusão sem utilizar o banco de sangue do país -e tal procedimento era essencial. A Nova Zelândia afirma não fazer distinção entre materiais de doadores vacinados e não vacinados.

A informação, porém, foi mal recebida pelos pais da criança, que teriam ficado “extremamente chateados”, segundo a ordem judicial, a qual o Washington Post teve acesso. A mãe do bebê, por sua vez, acusou os médicos de “encurralá-la sem qualquer apoio presente”.

Segundo o juiz do caso, os pais também teriam obstruído os esforços da equipe médica para preparar o bebê para a cirurgia. “Você toca em nosso filho, e vamos apresentar queixa criminal contra você”, disseram eles à equipe, de acordo com o processo.

Esse caso tem sido apontado por especialistas como particularmente ilustrativo dos perigos do movimento antivax. Segundo eles, os argumentos pseudocientíficos usados pela família exemplificam o alcance das narrativas conspiracionistas e dos fluxos contínuos de desinformação.

Neste mês, um homem de 62 anos foi preso por planejar a derrubada do sistema de energia elétrica da Nova Zelândia para chamar a atenção para suas convicções antivacina, naquela que foi a primeira condenação judicial por sabotagem da história do país.