• Tom Donkin*
  • BBC 100 Women

Parlamentar afegã

Depois que o Talebã tomou o poder no Afeganistão, as parlamentares do país tiveram que correr para se esconder, assim como milhares de pessoas.

A BBC apurou que 60 das 69 estão agora espalhadas em diferentes países do mundo, mas muitas querem continuar lutando pelos direitos das mulheres afegãs.

Mashid (nome fictício) entrou na clandestinidade imediatamente após o Talebã tomar o poder, se mantendo permanentemente em movimento. Ela nunca dormia na mesma casa duas noites seguidas.

Não queria correr o risco de levar a família para o aeroporto de Cabul, onde havia multidões de afegãos tentando fugir, cenas de caos e explosões — então não havia saída fácil do país.

“As portas do Afeganistão se fecharam”, diz ela.

Mas duas semanas atrás, depois de três meses na clandestinidade, Mashid colocou uma burca, cobrindo completamente o rosto, e embarcou em um ônibus com os filhos.

Eles se dirigiram primeiro para a cidade afegã de Herat, e depois para a fronteira iraniana.

“Uma coisa sobre o Talebã é que eles não obrigam as mulheres a revelar seu rosto coberto”, diz ela.

Se ela tivesse sido identificada em um posto de controle do Talebã, certamente teria sido detida, diz Mashid.

Mas as autoridades não esperariam que uma parlamentar usasse burca, acrescenta ela, e “acham que todos os políticos e ativistas afegãos foram retirados do país”.

Após 10 dias viajando pelo Irã, Mashid agora se encontra na Turquia. Mas ela não quer ficar lá, porque está preocupada que as autoridades turcas não permitam que ela continue politicamente ativa.

Ela quer continuar falando ao mundo sobre o “horror” enfrentado agora por mulheres e meninas no Afeganistão, e fazendo campanha por mudanças.

Por enquanto, ela está escondendo sua identidade para proteger parentes que permanecem no Afeganistão.

A BBC apurou que nove das 69 mulheres parlamentares continuam no Afeganistão, escondidas.

Muitas das outras, diferentemente de Mashid, conseguiram escapar em voos de fuga.

Das 46 agora na Europa, a maioria está na Grécia, Albânia e Turquia. O restante se refugiou em uma dúzia de países, da Austrália ao Catar.

Serina (nome fictício) foi levada de avião para a Alemanha com o marido e um bebê de três meses.

Antes de deixar o Afeganistão, ela contraiu tuberculose e agora está sendo tratada com antibióticos, enquanto aguarda em um campo de refugiados para solicitantes de asilo.

Ela diz que nunca imaginou que teria que fugir de seu país e se sente perdida em um continente que nunca visitou, em um país onde ela não fala a língua.

“Passei por dias difíceis e ainda estou em uma situação ruim, mas sempre que me lembro dos problemas que todo afegão está passando agora, esqueço minha dor”, afirma.

Crédito, Derrick Evans

Serina e o marido caminhando pela floresta fora do acampamento

Não há a menor chance de voltar ao Afeganistão, diz ela.

Serina só pode esperar até que ela, o marido e o filho sejam transferidos para uma nova casa em uma cidade alemã e possam começar suas vidas novamente — fazendo o possível para manter uma conexão com o país natal que deixaram para trás.

“Fui criada na guerra e na miséria”, diz ela. “Mas vou criar meu filho na mesma cultura, costumes e sentimentos da minha pátria.”

Muitas das parlamentares gostariam de ir para o Canadá, que disse que receberá 5 mil refugiados afegãos.

Mas onde quer que acabem, a maioria dos parlamentares, como Mashid, quer continuar lutando pelos direitos das mulheres.

Uma ideia é formar um “parlamento feminino no exílio”, para chamar a atenção para a violação dos direitos das mulheres no Afeganistão e manter a pressão sobre o Talebã.

Esta ideia foi lançada por uma das ONGs que ajudaram a organizar a retirada de mulheres parlamentares do Afeganistão, mas foi entusiasticamente abraçada por algumas parlamentares na Europa. É muito cedo para dizer, no entanto, se isso vai acontecer.

‘Perdemos tudo’

Shinkai Karokhail também apoia a ideia. Ela foi embaixadora do Afeganistão no Canadá antes de ser eleita para o parlamento — agora mora em uma cidade fora de Toronto e busca asilo no país.

“Perdi minha província pela manhã, e meu presidente à tarde”, diz ela, descrevendo os acontecimentos que se desenrolaram rapidamente em 15 de agosto. “

“Nada me surpreendeu no fim do dia.”

Força motriz por trás da Lei de Eliminação da Violência contra as Mulheres no Afeganistão, Shinkai Karokhail adverte que as parlamentares terão que colocar suas diferenças de lado, se quiserem alcançar algo.

“Cada uma representava uma parte diferente do Afeganistão, com uma prioridade diferente e interesses políticos diferentes… mas agora perdemos tudo”, diz ela.

“Todas as diferenças que tínhamos, nós perdemos. Acho que é hora de perceber que as únicas coisas que importam agora são salvar o país, apoiar o povo e dar voz às mulheres.”

Em uma pequena casa nos arredores de Amsterdã, na Holanda, Elay Ershad está preparando um almoço tradicional afegão. Ela tem dificuldade de encontrar todos os ingredientes no supermercado local, mas é importante para ela seguir a receita original.

“Isso me lembra do meu povo, aqueles que não têm o suficiente para comer, e alguns deles, que não têm comida alguma”, diz ela.

Elay Ershad não era membro do último parlamento afegão, mas havia sido parlamentar por mais de uma década e, mais tarde, serviu como porta-voz do então presidente, Ashraf Ghani.

O Talebã congelou sua conta bancária após tomar o poder, mas ela não sentiu necessidade de se esconder e saiu do país em um voo comercial em setembro.

Crédito, Derrick Evans

Elay Ershad espera fazer campanha pela educação de meninas dentro do Afeganistão

Ela agora está se preparando para voltar, à espera de proteção de contatos no Talebã, e é cética quanto à possibilidade de fazer a diferença no Afeganistão fora do país.

“Não é possível trabalhar de outros países ou do exterior. Temos que estar dentro do Afeganistão”, diz ela.

“A solução está baseada no Afeganistão, e devemos encontrá-la no Afeganistão.”

O plano dela é trabalhar com ONGs internacionais para criar escolas para meninas e defender o direito das mulheres à educação “mesmo que seja sob o governo do Talebã”, acrescenta.

“Se você fugir de um problema, o problema estará lá para sempre.”

*Reportagem adicional de Ahmad Khalid.

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Fonte: BBC

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