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Image caption Brexit, como se convencionou chamar a saída do Reino Unido da União Europeia, foi aprovado por maioria dos britânicos em plebiscito de 2016

Em um pronunciamento emocionado, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, anunciou que vai renunciar ao cargo no próximo dia 7 de junho.

Após quase três anos no comando do país, May estava sob intensa pressão, especialmente de sua própria sigla, o Partido Conservador, para viabilizar o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia.

Sua última proposta, que incluía concessões voltadas a conquistar o apoio de outros partidos, foi amplamente rejeitada mais uma vez.

Em seu anúncio, May afirmou que “fiz o meu melhor” para honrar o resultado do plebiscito de 2016, quando a maioria dos britânicos votou pela saída do Reino Unido do bloco europeu.

Ela descreveu como “profundo arrependimento” sua incapacidade de concretizar o Brexit.

May disse que para viabilizar o Brexit, seu substituto (a ser definido pelo Partido Conservador) terá que costurar acordos com o Parlamento.

“Tal consenso só pode ser alcançado se todos os lados do debate estiverem dispostos a fazerem concessões”, disse.

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Image caption Theresa May anunciou que vai deixar o cargo de premiê no próximo dia 7 de junho

O que devemos esperar do Brexit após a renúncia?

É cedo para fazer qualquer previsão, mas especialistas concordam que quem ocupar seu posto vai herdar a árdua tarefa de concretizar o divórcio com a União Europeia o mais rápido possível, talvez de forma mais dura do que tentou a premiê, o que pode levar à convocação de eleições antecipadas dentro de meses.

Em última análise, o Reino Unido tem agora diante de si três opções: 1) sair da UE com algum acordo e um período de transição 2) sair abruptamente sem acordo com a UE (os chamados “hard Brexit” ou “no deal”) ou 3) permanecer na UE.

Em qualquer uma dessas opções, é bastante provável um novo adiamento da concretização.

O nome mais cotado para substituir May é o do conservador Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, ex-secretário das Relações Exteriores (cargo equivalente ao ministro das Relações Exteriores do Brasil) e principal rosto da campanha pelo Brexit em 2016. Johnson já defendeu várias vezes uma saída sem acordo, cenário que pode trazer graves impactos econômicos ao país. Outros candidatos no páreo ao cargo são Sajid Javid, Michael Gove e Jeremy Hunt.

O líder da oposição e do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, também parece querer o Brexit. Ele votou contra a adesão do Reino Unido à União Europeia em 1975, deu pouco ou quase nenhum apoio à campanha para que o país permanecesse no bloco em 2016 e tampouco sinaliza querer outro plebiscito.

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Image caption Boris Johnson é o mais cotado para suceder May

Saída sem acordo

Quem assumir a liderança do Partido Conservador e, consequentemente, o cargo de May quase certamente terá que exigir um acordo mais duro com o comando da União Europeia – embora o bloco já tenha dito que não vai modificar o Tratado de Retirada negociado pela premiê.

Ou seja, é bem possível que haja novas tensões entre o Reino Unido e o bloco antes da atual data de saída, programada para 31 de outubro de 2019.

Tal cenário representaria o pesadelo para muitas empresas. O Reino Unido é a quinta maior economia do mundo. Uma saída ‘dura’ da União Europeia teria um forte impacto nas relações comerciais do país com o restante do mundo, hoje sob a guarida do bloco econômico, formado por 27 membros. Sozinho, o Reino Unido teria que costurar acordos bilaterais com seus principais mercados. Para muitos analistas, isso seria devastador para a economia britânica e a libra esterlina se desvalorizaria de forma considerável.

Por outro lado, o Parlamento britânico já se mostrou contrário a essa proposta. Mas ainda não está claro como poderia bloqueá-la se o governo quiser trilhar este caminho.

“Aparentemente, a única forma de impedir um Brexit duro – um voto de desconfiança – seria uma aposta muito arriscada (para o Partido Conservador)”, escreveu o think-tank britânico Institute of Government.

Vale lembrar que May foi alvo de duas moções de desconfiança e sobreviveu a ambas.

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Image caption Banco de investimento americano JPMorgan elevou para 25% probabilidade de ‘no deal’ (não-acordo)

Segundo o Parlamento britânico, a moção de desconfiança (também chamada de “moção de censura”) é uma proposta legislativa com as seguintes palavras: “Esta Casa (legislativa) não possui mais confiança no governo de Sua Majestade”. Formalmente, todos os governos de primeiros-ministros britânicos são formados com a concordância da chefe de Estado local (hoje, a rainha Elizabeth 2ª).

Caso a moção seja aprovada pela maioria dos 650 integrantes do Parlamento, há uma disputa interna entre os parlamentares para definir o destino do governo.

Em um informe recente, o banco de investimento americano J.P. Morgan elevou para 25% a probabilidade do ‘no deal’ (não acordo). A instituição financeira aposta que Boris Johnson vai se tornar primeiro-ministro e eleições gerais serão convocadas. Caso esse cenário se confirme, a probabilidade de um novo adiamento na data de saída do Reino Unido da UE seria de 60%.

Já o banco francês BNP Paribas informou que subiu para 40% a probabilidade de um não acordo, ante a 20% de estimativas anteriores.

Novas eleições?

As próximas eleições gerais do Reino Unido estão previstas para acontecer apenas em 2022, mas há duas formas de antecipá-las:

– Dois terços dos 650 parlamentares votarem a favor dela

– Uma moção de desconfiança é aprovada por uma maioria simples de parlamentares, e nenhum partido consegue conquistar a confiança da Câmara dos Comuns (o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) em 14 dias.

O resultado de uma eleição seria imprevisível, já que os dois principais partidos do Reino Unido, o Partido Conservador e o Trabalhista, vem perdendo apoio dos eleitores para partidos menores, como o Partido do Brexit, de Nigel Farage, os Democratas Liberais, o Partido Nacionalista Escocês e os Verdes.

Um governo de maioria conservadora provavelmente pressionaria por uma decisão mais firme sobre o Brexit; um governo de maioria trabalhista tentaria nacionalizar várias empresas estratégicas; ou pode haver um governo minoritário ou de coalizão.

Reino Unido dentro na União Europeia

A saída de May deve redefinir o debate sobre como será a saída do país da União Europeia. Mas também dará tempo para que opositores do divórcio pressionem por um novo plebiscito ou até mesmo pela revogação do “Artigo 50” (artigo que define o procedimento para a saída de um Estado-membro do bloco).

A permanência do Reino Unido na UE poderia se concretizar a partir de uma vitória dos Trabalhistas nas eleições gerais. Embora Corbyn tenha falado vagamente sobre essa possibilidade, o partido parece querer uma segunda votação.

Outro caminho seria via Parlamento; em um vácuo de poder, os legisladores poderiam simplesmente votar por um novo plebiscito, embora essa proposta não tenha ganhado quórum suficiente em votações anteriores.

Em todo o caso, se o Parlamento acabar decidindo por um novo plebiscito, o Reino Unido teria de pedir que a data do Brexit fosse adiada novamente, para depois de 31 de outubro, de modo que haja tempo suficiente para uma nova campanha.

Além disso, mesmo nessa hipótese, ainda não está claro como os britânicos votariam. E se a maioria dos eleitores decidisse pela permanência do país na UE, os partidários do Brexit poderiam exigir um terceiro e decisivo voto.

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Image caption Quem quer que seja o novo primeiro-ministro britânico terá extrema dificuldade em negociar um acordo totalmente novo

Novo acordo?

Quem quer que seja o novo primeiro-ministro britânico terá extrema dificuldade em negociar um acordo totalmente novo, especialmente depois de May ter passado dois anos negociando seu próprio pacto.

A UE está disposta a rediscutir a Declaração Política sobre os laços bilaterais após o Brexit, mas não o Tratado de Retirada – a parte do pacto que é de aplicação obrigatória e que contém um arranjo para o chamado ‘backstop’ da fronteira irlandesa, que acabou minando a proposta de May.

Definido por alguns como uma espécie de “apólice de seguro”, o “backstop” é um dispositivo que visa a garantir que não haverá a temida fronteira rígida entre as duas Irlandas, mesmo que UE e Reino Unido não alcancem um acordo em temas comerciais e de segurança.

Basicamente implicaria, como último recurso, manter temporariamente a Irlanda do Norte dentro da união aduaneira e do mercado comum europeu, enquanto o restante do território britânico passaria a seguir novas regras.

De acordo com esse modelo, a Irlanda do Norte ficaria incorporada às regras de mercado da UE. Alguns parlamentares temem que isso perdure por tempo indeterminado.

Esses parlamentares querem introduzir um limite temporal para o backstop, algo que a UE já descartou.

Os líderes europeus dizem que o acordo ao qual chegaram com May – derrotado no Parlamento – é “o melhor e único possível”. E que não estão dispostos a continuar negociando.

Irlanda (república independente que integra a UE) e Irlanda do Norte (território que, junto com Escócia, País de Gales e Inglaterra, forma o Reino Unido) dividem a ilha de mesmo nome. Atualmente, tanto a República da Irlanda como o Reino Unido são membros da União Europeia, não havendo portanto na ilha, qualquer fronteira física ou barreira, e mercadorias e pessoas circulam livremente de um país para o outro.

Mas, a partir do momento em que a saída do Reino Unido do bloco europeu estiver consolidada, haverá controle de produtos e de passaportes na fronteira o que contraria os termos do chamado Acordo de Belfast, assinado em 1998 e que encerrou anos de animosidade e violência entre católicos e protestantes irlandeses.

Em abril, o presidente da França, Emmanuel Macron, argumentou contra uma prorrogação de um ano do Brexit dizendo ser arriscado demais para as instituições da UE, mas a chanceler alemã, Angela Merkel, vem tentando evitar um rompimento desordenado, o que certamente prejudicaria a economia do bloco.

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Fonte: BBC