• Daniel García Marco
  • Enviado especial da BBC News Mundo a Caracas

Venezuela vai renovar a Assembleia Nacional, único Poder controlado hoje pela oposição

Mais de dois anos depois das eleições presidenciais de maio de 2018, os venezuelanos voltam às urnas neste domingo (6/12) para um pleito em que, outra vez, a oposição majoritária não participa — e do qual se espera, portanto, uma maior consolidação do poder político do chavismo.

A oposição não havia se apresentado em 2018 por considerar o pleito fraudulento, levando Juan Guaidó a se autoproclamar (e ser reconhecido como tal por diferentes governos) presidente interino, já que era presidente da Assembleia Nacional venezuelana. Foi mais um capítulo da crise política que assola o país há anos.

Em um clima de flexibilização das medidas de contenção da pandemia e com uma dolarização cada vez mais aguda diante da hiperinflação da moeda local, a Venezuela vota agora para renovar o Legislativo, único Poder controlado pela oposição desde 2015.

Cinco anos atrás, o triunfo — talvez o mais importante de uma oposição na época unificada — levou o governo a limitar as condições de participação eleitoral de partidos e líderes opositores, que passaram a pedir à população que se abstivesse de votar, tanto em 2018 como agora.

O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), próximo ao Executivo de Nicolás Maduro, considerou que a Assembleia estava em desacato e cerceou seu poder de controle e legislação.

Em 2017, depois de meses de protestos nas ruas, o governo criou um novo corpo legislativo, a Assembleia Nacional Constituinte, que atuou em seu favor e acabou nunca cumprindo o objetivo inicial, o de redigir uma nova Constituição.

Com a eleição deste domingo, acabará a duplicação parlamentar e o chavismo poderá aprofundar sua abertura econômica em busca de investimentos que amenizem a severa crise econômica.

E o fará por intermédio da Assembleia Nacional, ante a expectativa de que a situação obtenha ao menos dois terços dos assentos em jogo.

No entanto, as eleições deste domingo, assim como as presidenciais de 2018, não são reconhecidas pelos EUA nem pela União Europeia, sob o argumento de que não há condições justas de disputa eleitoral. A pressão sore o governo Maduro, portanto, continuará.

Expectativa é de que chavismo passe a controlar maior parte da Assembleia

Ao mesmo tempo, Juan Guaidó deixará de ser líder do Parlamento quando, em 5 de janeiro, assumir a nova Assembleia. Foi justamente ter o comando da Casa que o permitiu se autoproclamar presidente interino e contar com o apoio de dezenas de países — a eleição, portanto, vai mudar esse cenário, mas mantendo a polarização em um país que perdeu três quartos de seu PIB (Produto Interno Bruto) desde 2013 e que atravessa a terceira hiperinflação mais longa da história mundial, segundo dados da consultoria Ecoanalítica.

Então, o que ganham e perdem os dois lados?

O governo

O chavismo defende que, se voltar a controlar a Assembleia — como é esperado, uma vez que está competindo com uma oposição desidratada em relação à encabeçada por Guaidó — será crucial para a recuperação econômica que ainda parece distante.

Mas o certo é que, com a Constituinte, o chavismo já legislou como quis — fazê-lo agora pela Assembleia já não convencerá os países que consideram ilegítimas as autoridades chavistas e que mantêm bloqueados os acessos a mercados internacionais e de financiamento.

“Não haverá nada diferente do que já existe”, diz à BBC News Mundo o analista Luis Vicente León, diretor da consultoria Datanálisis.

“A atual Assembleia não promulgou nenhuma lei nem fez nenhuma auditoria. Tudo foi derrubado pelo TSJ.”

A confiança na vitória do governo é vista na fala de Maduro, que repetiu durante a campanha que “se a oposição voltar a ganhar, saio da Presidência”

Maduro e os candidatos chavistas insistem que enfrentam a oposição neste domingo.

De fato, no pleito concorrem diversos pequenos partidos, com candidatos que veem o voto como mecanismo de luta e que buscam ter certa influência e aproveitar o descontentamento social com o oficialismo.

Mas a confiança na vitória do governo é vista na fala de Maduro, que repetiu durante a campanha que “se a oposição voltar a ganhar, saio da Presidência”.

Não parece que isso vá acontecer. Resta saber apenas quantos assentos obterão os partidos que não fazem parte da coalizão chavista. Uma quase total hegemonia destes repetiria o visto na Constituinte, o que pode transmitir uma mensagem negativa até mesmo para aliados venezuelanos, como a Rússia.

O governo busca sustentação legal para intensificar a Lei Antibloqueio aprovada pela Constituinte e que promove a abertura econômica e a atração de capital estrangeiro de países aliados (Rússia, China, Turquia e Irã). O grande objetivo é atrair dinheiro para uma economia cuja indústria petrolífera está anêmica e destruída, além de ser alvo de sanções.

Ma o chavismo não deverá conseguir, nas eleições, a legitimidade internacional necessária para obter estabilidade e recursos.

O chavismo reforçará seu poder político, mas seguirá governando com dificuldade na ausência de mudanças democráticas no país

“Vai acontecer com Maduro o mesmo que aconteceu em 20 de maio de 2018 (nas eleições presidenciais): não será reconhecido e esse Parlamento não terá legitimidade”, defende Juan Guaidó, pedindo que a população não votasse neste domingo.

O chavismo, portanto, reforçará seu poder político, mas seguirá governando com dificuldades enquanto não haja mudanças que ampliem de fato a democracia, dizem críticos.

“Vão ser donos e senhores do país, mas de um país destruído”, argumenta o oposicionista Stalin González, que está prestes a encerrar seu mandato na Assembleia.

A oposição

Como em 2005, a oposição majoritária aposta pela abstenção e não participa do pleito legislativo. Naquela época, um Parlamento sem contrapesos promulgou leis que consolidaram as políticas socialistas do presidente Hugo Chávez, dando a ele também o controle de poderes como o Tribunal Supremo e o Conselho Nacional Eleitoral.

Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino por liderar Assembleia Nacional; com eleições, a Assembleia agora mudará de comando

A alegação de fraudes no referendo revogatório de Chávez de 2004 deu lugar a uma estratégia de abstenção que logo foi abandonada para o pleito presidencial de 2006, também vencido por Chávez.

“A oposição se deu conta daquele erro”, aponta González.

Em 2007, a oposição conseguiu um grande triunfo ao derrubar a tentativa de reforma constitucional de Chávez. Na eleição legislativa de 2010, a oposição conseguiu mais votos, mas menos deputados que o chavismo; nas presidenciais de 2012 e 2013, Henrique Capriles fez frente a Chávez e sobretudo a Maduro, que ganhou por uma margem pequena.

Depois veio a vitória de 2015, quando opositores viraram maioria na Assembleia Nacional.

Mas, agora, essa oposição denuncia falta de condições justas de disputa e, por isso, se ausenta das urnas desde 2018.

Capriles e González lideraram, a despeito disso, uma tentativa de obter condições justas com a ajuda da União Europeia.

No fim das contas, o governo, que queria que a presença de Capriles desse mais legitimidade à campanha e até libertou dezenas de presos políticos, se negou a adiar o pleito. A UE, então, rejeitou enviar observadores internacionais, e o ex-candidato presidencial se retirou da disputa.

Mas, a partir de segunda-feira (7/12), Capriles poderá dar continuidade à estratégia de buscar espaços e assim desafiar Guaidó, que na semana que vem promoverá uma consulta popular para reforçar seu plano de dar “continuidade administrativa” à Assembleia, a ser renovada em 5 de janeiro.

“Agora, cabe a Guaidó se despedir do cenário político internacional”, disse Maduro na última quinta-feira.

Novamente a oposição voltará a se chocar com diferentes estratégias, uma vez que não foi concretizado o plano de Guaidó de “pôr fim à usurpação, fazer um governo de transição e eleições livres”.

A liderança e a unidade da oposição voltarão a estar em debate. De um lado estará Capriles, do outro, Guaidó e até o midiático Leopoldo López, atualmente na Espanha. Isso sem falar na ala mais radical e na oposição eleita ao Parlamento, que também vai buscar espaço.

As eleições deste domingo, assim como as presidenciais de 2018, não são reconhecidas pelos EUA nem pela UE, por falta de condições justas

Mas tudo isso não significará perda de todo o poder da oposição, sobretudo porque o governo pode precisar ceder espaços e negociar para conseguir algum oxigênio financeiro.

“A situação econômica agora e em 2005 não é a mesma”, compara o deputado Stalin González.

Guaidó e Capriles, entre outros, podem buscar certos alívios econômicos com a comunidade internacional em troca de condições democráticas e de um cronograma eleitoral que permita que os dois lados se meçam em condições de igualdade em um futuro próximo.

A Constituição prevê, por exemplo, um referendo revogatório ao presidente na metade de seu mandato (no caso, 2022).

O desafio opositor voltará a ser se conectar com seus simpatizantes, decepcionados após a ilusão construída sobre a ascensão de Guaidó como presidente de um Parlamento que, com as eleições de agora, muda de cor — algo que por sí só dificilmente alterará o bloqueio político da Venezuela.

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Fonte: BBC