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O ‘morto-vivo’ e ‘a moldura’ são alguns dos apelidos atribuídos a Abdelaziz Bouteflika. O presidente da Argélia está recluso há seis anos, mas tenta obter um quinto mandato consecutivo

Aos 82 anos, o presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, não parece disposto a se aposentar.

Com a saúde fragilizada e com a mobilidade comprometida desde que sofreu um derrame em 2013, ele tem uma vida reclusa e não aparece publicamente há seis anos. Mas anunciou que vai se candidatar à reeleição, em busca de um quinto mandato.

Segundo observadores regionais, Bouteflika deve vencer a eleição, marcada para o dia 18 de abril. Mas a intenção dele de estender seus mais de 20 anos no poder também enfrenta críticas.

Milhares de pessoas, a maioria jovens, tomaram as ruas do país na semana passada e durante o fim de semana, num raro protesto contra o presidente.

Na capital da Argélia, Argel, policiais lançaram gás lacrimogêneo para dispersar a maior manifestação das últimas três décadas no país.

Os gritos da multidão não parecem, porém, ter alcançado Bouteflika. Da Suíça, onde está fazendo tratamento médico, o presidente não veio a público falar sobre as manifestações.

‘O morto-vivo’


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Bouteflika não compareceu nem ao lançamento da própria candidatura e precisou de ajuda para votar na eleição parlamentar de 2017

Bouteflika ganhou nos últimos anos o apelido de “morto-vivo”. E, de acordo com a especialista em África Cristina Mas, os adversários mais “generosos” do presidente o chamam de “a Moldura”.

“Como Bouteflika não tem podido comparecer a cerimônias públicas, inclusive ao lançamento da própria candidatura, ele é frequentemente representado por uma foto emoldurada.”

A incerteza sobre a condição de Bouteflika é tão grande que “na segunda, o embaixador da Argélia em Paris teve de fazer um comunicado confirmando que ele estava vivo”, diz Cristina Mas.

Se Bouteflika não tem condições de governar, quem está no comando?

‘O Poder’


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O grupo apelidado de ‘O Poder’ estaria comandando a Argélia no lugar do presidente

A Argélia pode parecer uma democracia em vários aspectos. “Mas o país é governado por ‘O Poder’, um grupo de militares de alta patente e de empresários não eleitos que tomam as principais decisões de governo e que gradativamente assume as rédeas enquanto um frágil Bouteflika é escanteado”, explica o repórter da BBC Mohamed Yehia.

Cristina Mas concorda: “O Poder é uma casta que, por décadas, tomou conta do setor público e que agora governa o país como se fosse um negócio privado. É um círculo fechado, liderado pelo irmão mais novo do presidente, Said Bouteflika, e o chefe de gabinete das Forças Armadas, Ahmed Gaid Salah”.

Marc Marginedas, um jornalista que viveu e trabalhou na Argélia na década de 1990, é mais cáustico. “O Poder é uma máfia político-militar que foi instaurada e mantida sob controle pelo presidente Bouteflika depois que ele emergiu da guerra civil dos anos 90 como o homem forte que poderia oferecer estabilidade ao país.”

‘Uma década de sangue e mortes’- como Bouteflika chegou ao poder


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Bouteflika (à direita) garantiu estabilidade à Argélia em troca de uma ‘democracia imperfeita’ que o mantém no poder há mais de 20 anos

“Para entender o que é a Argélia hoje, é preciso analisar o que aconteceu nos anos 90”, diz Mohamed Yehia.

O país conquistou a independência da França nos anos 1960 após uma longa guerra. Uma democracia frágil foi instaurada em seguida, “mas quando os islamistas chegavam perto de vencer as eleições de 1990, os militares intervieram”, diz Yehia.

Uma devastadora guerra civil se seguiu. “Foi uma década de sangue e mortes. Cerca de 200 mil pessoas foram mortas em dez anos”, afirma.

Marginedas, que estava na Argélia nesse período concorda: “Foram os dias mais sombrios do país”.

Mas, em 1999, Abdelaziz Bouteflika chegou ao poder. “Ele se impôs aos generais e manteve os islamistas à distância”, diz Marginedas.

“Houve uma troca: uma democracia imperfeita em troca de relativa prosperidade. E isso funcionou por duas décadas.”

A atual crise de liderança decorre do fato de Bouteflika estar frágil, o que provocou uma guerra interna entre facções que querem governar. O Poder não conseguiu consenso em torno de um sucessor a Bouteflika e se viu forçado a lançá-lo à reeleição.

‘Paz sem reconcialiação’


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Grande parte da população da Argélia é de jovens. A média de idade é de 27 anos

Inconformados em ter um candidato que parece não ter condições de governar, milhares de jovens tomaram as ruas das principais cidades da Argélia. De acordo com a imprensa local, os protestos foram os maiores dos últimos 30 anos.

A Argélia é um país com uma população de pouco mais que 42 milhões de habitantes – sendo que um em cada quatro tem menos de 15 anos. A média de idade é de 27,8 anos.

Dados oficiais mostram que o desemprego entre jovens alcança 30%. “Eles estão cada vez mais frustrados com o fato de terem um presidente frágil e inacessível”, diz Marginedas.

A economia do país ainda é dominada pela indústria de gás e petróleo, e a recente queda no preço do petróleo aprofundou a crise financeira. “O Estado se mostrou incapaz de manter os subsídeos a comida, combustível, moradia e de criar empregos”, diz Cristina Mas.


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O governo tenta conter a insatisfação dos jovens argumentando que o país poderia se tornar’ uma Síria’

Na tentativa de conter manifestações contra esse projeto, os aliados de Bouteflika usam a Síria como exemplo de como “as coisas podem dar errado”.

“Você derruba o governo e corre o risco de milhões de mortes”, diz Cristina Mas, em referência ao discurso adotado pelo Poder.

Numa carta que foi lida em cadeia nacional de televisão no dia 3 de março, Abdelaziz Bouteflika prometeu que, se reeleito em abril, lançará uma conferência nacional para implementar reformas políticas e marcará data para uma segunda eleição na qual não concorreria.

Mas esses argumentos parecem ter pouco peso junto à nova geração, enquanto os mais idosos começam a questionar o que de fato aconteceu na guerra civil.

“Um número cada vez maior de pessoas passou a exigir respostas”, diz Marginedas. “Eles querem saber quem foi responsável pelos massacres ocorridos no passado.”

Nas últimas duas décadas “houve paz, mas não reconciliação”, acrescenta.

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Fonte: BBC