Jovenel Moïse, em foto de 2016

Crédito, Reuters

Jovenel Moïse governava desde 2017, sob crescentes protestos, em um país onde uma crise política sucede a outra

O assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, pode colocar o país mais pobre do Ocidente em uma nova espiral de instabilidade e caos, em meio a incertezas sobre quem o sucederá.

Moïse foi morto a tiros na residência oficial durante a madrugada, segundo informou o premiê interino Claude Joseph, que decretou estado de emergência no país de 11 milhões de habitantes e se disse no comando.

“Meus compatriotas, permaneçam calmos porque a situação está sob controle”, declarou Joseph em pronunciamento na TV.

Mas, em um país cada vez mais polarizado, com pobreza latente e vivendo há meses sob o aumento da violência de gangues na capital Porto Príncipe, cresce o medo de que se avizinhe mais um período grave de crises.

Não está claro como ficará o governo com a morte do presidente. Ele havia recém-nomeado um novo premiê, Ariel Henry, que não chegou a tomar posse oficialmente.

O chefe da Corte Suprema do Haiti, que também seria um possível sucessor sob as regras da Constituição do país, morreu no mês passado de covid-19 e ainda não foi substituído.

Antes do assassinato de Moïse, Airel Henry havia dito em entrevista à agência France Presse que sua prioridade, segundo ordem emitida pelo presidente, seria a preparação de novas eleições em um “ambiente favorável”.

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Haiti viveu, em fevereiro, semanas de intensos protestos contra Jovenel Moïse

Moïse, que antes de entrar para a política era um exportador de banana, estava no poder desde 2017, mas enfrentava crescentes protestos por acusações de corrupção e pela deterioração econômica do país.

Neste ano, líderes da oposição acusaram-no de tentar instalar uma nova ditadura no Haiti, ao endurecer a repressão a protestos e tomar medidas consideradas autoritárias — algo que ele negava.

Moïse vinha governando por decreto havia mais de um ano, depois de ter dissolvido o Parlamento e o país fracassar em realizar eleições legislativas.

O presidente ainda tentou promover uma polêmica reforma constitucional que, segundo ele, ajudariam a conter a instabilidade da política haitiana.

Palco de devastação constante pela passagem de furacões e ainda sofrendo com os efeitos do intenso terremoto de 2010, o Haiti já teve quase 20 governos nos últimos 35 anos, entre líderes militares, presidentes eleitos ou interinos, conselhos de ministros ou governos de transição.

Desde que a dinastia Duvalier foi derrubada, em 1986, o Haiti sofre sucessivas crises de poder, eleições contestadas, intervenções e golpes de Estado, que a tornam a nação do continente que teve mais governos (não parlamentaristas) no menor intervalo de tempo desde o final do século 20.

De ‘Papa Doc’ a Jovenel Moïse

François “Papa Doc” Duvalier tomou posse em um golpe militar em 1957 e fez um governo linha-dura, com amplos abusos aos direitos humanos, até 1971, quando morreu e foi sucedido por seu filho, Jean-Claude, o “Baby Doc”.

Ele aumentou a repressão no país, mas foi forçado a se exilar em 1986, após intensa pressão popular.

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Mural de Moïse em Porto Príncipe; presidente governava por decreto havia um anos

Começou aí um período (que ainda não terminou) de disputas de poder, rebeliões e trocas constantes de governo.

Uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), protagonizada pelo Brasil, foi levada ao Haiti com o objetivo de restaurar a ordem após uma rebelião que derrubou o então presidente Jean-Bertrand Aristide e terminou em 2019 (a participação do Brasil foi até 2017).

Isso, embora tenha ajudado o país na transição à democracia, não foi capaz de solucionar o caos político.

Nesse interim, houve o catastrófico terremoto de 2010, que deixou entre 100 mil e 300 mil mortos, segundo diferentes contagens, e causou estragos profundos (e ainda não sanados) no país, exacerbando os problemas políticos, sociais e econômicos.

A instabilidade se manteve com o governo de Moïse, que defendia que seu mandato deveria terminar apenas em 7 de fevereiro de 2022, enquanto críticos queriam que ele tivesse deixado o poder em 7 de fevereiro deste ano.

A divergência temporal se deve ao fato de que Moïse foi eleito inicialmente em 2015, mas a votação foi anulada por suspeitas de fraude. Ele venceu o novo pleito em novembro de 2016.

As eleições legislativas, por sua vez, foram sucessivamente adiadas. Sem um Parlamento, a crise política se aprofundou em 2020, enquanto Moïse governava por decreto.

Com seu assassinato, o Conselho de Segurança da ONU convocou uma reunião de emergência a respeito do Haiti. O órgão, bem como Estados Unidos e países da Europa, pediram que o Haiti realize eleições legislativas e presidenciais “justas e transparentes” até o final deste ano.

Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, pediu que os haitianos “permaneçam unidos diante do terrível ato (desta quarta) e rejeitem a violência”.

*Com reportagem da Reuters, da France Presse e de Lioman Lima, da BBC News Mundo.

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Fonte: BBC