Combatentes do Isis

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O autoproclamado Estados Islâmico controlou partes da Síria e do Iraque e cometeu atrocidades pelo mundo

A morte de Osama bin Laden, numa impressionante operação militar americana em solo paquistanês, em maio de 2011, espalhou uma sensação de alívio nos países que vinham sofrendo ataques organizados pelo grupo Al-Qaeda. O responsável pelo 11 de Setembro e tantos outros atentados não podia mais espalhar sua campanha de violência. Poucos imaginavam, no entanto, que não muito longe dali, no ainda instável e violento Iraque, pudesse estar nascendo uma ameaça potencialmente ainda mais grave.

Apesar das inúmeras vitórias de forças aliadas contra grupos islamistas, vários jihadistas – os que promovem a chamada “guerra santa” muçulmana – remanescentes da Al-Qaeda no Iraque se reorganizaram. Em 2013, nascia o chamado Estado Islâmico no Iraque e no Levante, conhecido também pela sigla Isis, que viria a dominar e aterrorizar partes do Iraque e da Síria e espalhar suas matanças por vários continentes.

Origens do ‘Estado Islâmico’

Durante a ocupação americana e britânica do Iraque, uma das maiores dores de cabeça para as forças de ocupação e para o novo regime iraquiano eram as operações da Al-Qaeda no Iraque. Liderado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, o grupo foi responsável pela maior parte das atrocidades cometidas pela insurgência sunita, como inúmeros atentados a bomba contra a população xiita e sequestros e decapitação de estrangeiros. Zarqawi foi morto por forças americanas em 2006, assim como outros líderes subsequentes. A Al-Qaeda no Iraque, porém, continuou ativa. Após a passagem do bastão para diferentes líderes, as atividades dos jihadistas passaram a ser comandadas pelo iraquiano Abu Bakr al-Baghdadi, um religioso enigmático conhecido por muitos como “o xeque invisível”.

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O jordaniano Abu Musab al-Zarqawi comandou a Al-Qaeda no Iraque, precurssor do Isis

Os Estados Unidos, porém, já o conheciam. Baghdadi havia sido detido pelas forças americanas em Falluja, no Iraque, em 2004 e mantido por dez meses na prisão de Camp Bucca, onde estabeleceu relações com futuros líderes de seu movimento jihadista. Solto por ser considerado de baixa periculosidade, ele então assumiu a chefia de um conselho de sharia (lei islâmica) da Al-Qaeda no Iraque – que após a morte de Zarqawi mudara de nome para Estado Islâmico no Iraque. Baghdadi chegou à liderança da organização, depois que outros chefes morreram, e em 2013 deu um passo ambicioso. Vendo que a Síria mergulhara numa devastadora guerra civil, ele decidiu que o assim chamado Estado Islâmico seria regional. Não mais apenas do Iraque, mas também da Síria – ou do Levante, como aquela área é chamada.

Assim foi criado o Estado Islâmico no Iraque e no Levante/na Síria, identificado pelas siglas Isil ou Isis – no mundo árabe, também chamado de Daesh. A medida aumentou uma já existente tensão entre os jihadistas atuantes no Iraque e a tradicional Al-Qaeda, que após a morte de Bin Laden passou a ser comandada pelo egípcio Ayman al-Zawahiri. Baghdadi inicialmente queria que o Isis incluísse também a Frente al-Nusra, grupo que já lutava na guerra síria como braço da Al-Qaeda. A rede de Zawahiri, entretanto, não concordava com a ideia da regionalização do chamado Estado Islâmico, assim como reprovava parte dos métodos violentos do grupo, em particular a matança de muçulmanos. A Al-Nusra permaneceu, então, fiel à Al-Qaeda e separada do Isis, o que não impediu que Baghdadi e seu grupo avançassem e conquistassem terreno, como se a fronteira entre Iraque e Síria não existisse.

Território, finanças e violência

Ao apresentar-se como um “Estado” reivindicando territórios em dois países estabelecidos, o Isis diferenciava-se de outras organizações jihadistas. O grupo tinha como objetivo conquistar grandes cidades e regiões, administrá-las, impor suas leis fundamentalistas sobre a população e extrair benefícios financeiros de suas riquezas e economia. Atuando nos dois lados da fronteira entre Síria e Iraque, o Estado Islâmico beneficiou-se do caos sírio e do forte ressentimento dos sunitas iraquianos em relação ao governo xiita em Bagdá. Ainda em 2013, o Isis avançou em território sírio, usando principalmente combatentes estrangeiros, recrutados até mesmo da Europa. Em pouco tempo entrou em choque com outras organizações rebeldes na Síria, como o Exército Sírio Livre (FSA) e grupos islamistas que compunham a Frente Islâmica.

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O Isis fortaleceu-se ao começar a administrar cidades e obter recursos por meio de impostos

As divergências começaram em Raqqa, a primeira cidade a ser tomada por rebeldes. Enquanto outros grupos concentravam-se em combates, o chamado Estado Islâmico decidiu dedicar-se à administração da cidade – o que incluía a imposição de uma versão extrema da sharia. Torturas e execuções de cidadãos foram adotadas, numa primeira experiência do que seria aplicado em outras localidades tomadas pelo grupo.

Em dezembro de 2013, a Anistia Internacional denunciava que “a tortura, açoitamento e execuções sumárias proliferam em prisões secretas” do Isis nas cidades de Raqqa e Aleppo. Segundo a entidade, muitos dos torturados nas prisões haviam sido detidos sob acusação de roubo ou atos considerados pelo grupo crimes contra o Islã, como fumar cigarros ou fazer sexo fora do casamento. Outros eram acusados de desrespeitar a autoridade do Isis ou pertencer a organizações rebeldes rivais. De acordo com as denúncias, havia crianças entre os presos. O regime do Isis em Raqqa duraria três anos e ficaria marcado pela crueldade explícita, com espetáculos diários de execuções e mutilações em praça pública.

Outros grupos rebeldes na Síria reagiram, atacando e expulsando os integrantes do Estado Islâmico da base que ocupavam na cidade de Aleppo. Em 4 de janeiro, a BBC News noticiou os confrontos. “Grupos rebeldes dizem que o Isis tentou sequestrar a luta deles em favor de seus próprios interesses”, afirmava o texto. No mesmo dia, porém, chegava a notícia de uma nova conquista dos jihadistas de Baghdadi. O governo do Iraque perdera o controle de Falluja, importante cidade no Iraque, na província de Anbar, a apenas uma hora de Bagdá.

Diante de sua ousada movimentação nos dois países, para onde levava suas práticas de execuções e tortura, o distanciamento do Isis de outras entidades islamistas aumentou. Em fevereiro de 2014, o comando-geral da Al-Qaeda divulgou um comunicado condenando o grupo. A mensagem dizia que a Al-Qaeda “não tem ligação com o grupo chamado Isis, já que não foi informada nem consultada sobre seu estabelecimento. Não está feliz com isso e ordenou sua suspensão. (…) A Al-Qaeda não é responsável pelas ações do Isis.”

No entanto, mesmo sem o suporte da lendária rede fundada por Osama bin Laden, o Isis parecia incontrolável. Em junho de 2014, após mais de um ano realizando atentados a bomba contra civis e tropas do Iraque, o grupo tomou uma das mais importantes cidades iraquianas, Mosul.

Com a vitória, uma transmissão de rádio do grupo anunciou a criação de um “Estado Islâmico”, ou califado, no território tomado do Iraque e da Síria. Abu Bakr al-Baghdadi, dizia a mensagem, era o califa – termo que implica um líder a ser seguido por todos os muçulmanos, no mundo todo.

Em Raqqa, cidade que se tornaria na prática a capital do chamado Estado Islâmico, combatentes do Isis desfilaram em carros pelo centro da cidade para celebrar a criação do califado. Em seguida, em uma mensagem de áudio, Baghdadi conclamou os muçulmanos do mundo todo a emigrarem para seu novo “Estado”, dizendo que era o dever de qualquer membro de sua religião contribuir para o futuro da entidade. O líder pediu particularmente para que juízes, médicos, engenheiros e pessoas com conhecimento administrativo e militar atendessem a seu chamado.

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Abu Bakr al-Baghdad, fundador do autodenominado Estado Islâmico, anunciou ser um novo califa

Dias depois, em Mosul, Baghdadi fez uma rara aparição pública, discursando dentro da Grande Mesquista de al-Nuri, construída no século 12. Imagens gravadas em vídeo permitiram ao mundo ver em mais detalhes o misterioso líder jihadista. Em sua fala, ele disse que a posição de califa era um “peso” e pediu apoio. “Eu sou seu líder, embora eu não seja o melhor de vocês. Então, se vocês virem que eu estou certo, me apoiem. E, se virem que eu estou errado, me aconselhem”, afirmou o islamista, apresentado no vídeo como “Califa Ibrahim”, título que ele passara a utilizar, baseado em seu nome de nascimento – Ibrahim Awad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarrai.

Em uma análise publicada pela BBC News em junho de 2014, o pesquisador Charile Copper, da Fundação Quilliam, disse que o anúncio de Baghdadi marcava o início de “uma nova era de jihadismo internacional”. Segundo Copper, apesar de ser provavelmente rejeitado pela comunidade muçulmana mundo afora, o califado declarado pelo líder do Isis colocava o grupo no comando da militância islamista internacional – à frente da Al-Qaeda. “Isso significa que a possibilidade de um ataque do Isis contra um alvo ocidental – como uma tentativa de empurrar a Al-Qaeda para a irrelevância – não é improvável.” Foi exatamente o que aconteceu.

Massacres pelo mundo

Ao estabelecer-se em parte do território da Síria e do Iraque, o agora Estado Islâmico (EI) beneficiava-se de sua nova posição. Segundo relatos, apenas a tomada de Mosul teria rendido ao grupo US$ 500 milhões, apreendidos na prédio do banco central iraquiano na cidade.

Impostos cobrados da população dominada e venda de antiguidades roubadas de museus, além do comércio clandestino de petróleo, engordavam os cofres da organização. Com recursos à disposição e uma eficaz máquina de propaganda na internet, o EI espalhou seu terror mundo afora. No norte da África e no Oriente Médio, militantes organizados aproveitavam-se de vácuos políticos e da desordem social, em grande parte decorrente da Primavera Árabe.

Jihadistas afiliados ao Estado Islâmico operavam na Líbia, tentavam impedir o avanço democrático na Tunísia e criavam focos de extremismo no Sahel – faixa logo abaixo do Saara, na África. Na Nigéria, o grupo islamista Boko Haram, responsável por massacres e sequestros de milhares de civis, incluindo crianças, jurou lealdade ao EI em 2015.

Já em outras partes do mundo, incluindo Europa e Estados Unidos, atentados foram muitas vezes cometidos por indivíduos agindo de forma isolada. Segundo levantamento feito pela rede CNN em 2018, desde 2014 o Isis/EI havia realizado ou inspirado 143 atentados, em 29 países, deixando 2.043 mortos. A organização assumira o lugar da Al-Qaeda como a maior patrocinadora de ataques terroristas pelo mundo.

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Local do ataque contra turistas britânicos numa praia na Tunísia

No primeiro atentado influenciado pelo grupo de Abu Bakr al-Baghdadi em solo europeu, em maio de 2014, o francês Mehdi Nemmouche, de 29 anos e origem argelina, matou a tiros quatro pessoas no Museu Judaico da Bélgica, em Bruxelas. Preso pouco depois do ataque, o jihadista foi condenado à prisão perpétua. Durante seu julgamento, quatro jornalistas franceses que haviam sido mantidos reféns do grupo, em Aleppo, disseram que Nemmounch era um dos sequestradores. Ele havia passado um ano na Síria lutando com o Isis. Em março de 2015, outro museu, num diferente continente: três militantes mataram 22 pessoas no Museu Nacional Bardo, em Túnis (Tunísia) – a maioria era turista europeu. O chamado Estado Islâmico assumiu a autoria do atentado.

Em junho do mesmo ano, o relativamente seguro Kuwait viu de perto a brutalidade do EI: uma mesquita xiita foi palco de um atentado suicida a bomba, na capital do país. Vinte e sete pessoas foram mortas, e centenas ficaram feridas.

No mesmo dia, a Tunísia voltava a sofrer um massacre assumido pelo chamado Estado Islâmico. Um jovem tunisiano matou a tiros 38 pessoas, a maioria delas turistas britânicos, em um resort em Sousse, na costa do país. O atirador foi morto, mas anos depois sete islamistas foram condenados à prisão perpétua por sua participação tanto no ataque de Sousse como no do museu Bardo.

A França começara o ano de 2015 em choque, quando em 7 de janeiro dois irmãos islamistas franceses mataram 12 pessoas na sede do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris. Esse atentado, entretanto, foi obra da Al-Qaeda na Península Arábica, parte da rede Al-Qaeda. Onze meses depois, seria a vez de o EI espalhar terror pela capital francesa. No dia 13 de novembro, uma série de ataques coordenados, iniciados com três explosões suicidas diante do Stade de France, onde a seleção francesa de futebol enfrentava a Alemanha, matou 130 pessoas. Cafés, restaurantes e a casa de espetáculos Bataclan foram palcos do banho de sangue, perpetrado por três equipes de jihadistas.

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Ataques em vários pontos da capital francesa, em 2015, mataram 130 pessoas

Em um dos cafés atacados, o Le Carillon, os atiradores miraram na direção das mesas na calçada. “Pessoas se jogaram no chão. Nós colocamos uma mesa sobre as nossas cabeças para nos proteger”, disse uma testemunha citada pela BBC News.

Na Bataclan, lotada com 1.500 pessoas que assistiam a um show da banda de rock Eagles of Death Metal, 90 foram assassinadas por atiradores que invadiram o local. Ao todo, nove jihadistas morreram, e dois suspeitos foram presos meses depois. O então presidente francês, François Hollande, que estava no estádio acompanhando o amistoso entre França e Alemanha, chamou os atentados de “uma declaração de guerra” do chamado Estado Islâmico.

Os massacres promovidos pelo EI não pouparam os Estados Unidos. Em dezembro de 2015, um casal muçulmano invadiu uma festa de Natal de um escritório na cidade de San Bernardino, na Califórnia. A paquistanesa Tashfeen Malik e seu marido, o americano Syed Rizwan Farook, mataram a tiros 14 pessoas no evento, que reunia colegas de Farook. Segundo autoridades, no dia do atentado Malik havia prometido lealdade ao chamado Estado Islâmico, que posteriormente se referiu ao casal como seus “apoiadores”. O casal foi morto em confronto com a polícia.

Em junho do ano seguinte, 49 pessoas foram mortas, no que era o pior assassinato em massa da história americana recente. Omar Mateen, um americano de 29 anos, invadiu a casa noturna gay Pulse, em Orlando, na Flórida, com um rifle AR-15 e uma granada. Em uma ligação para a polícia, antes de iniciar o ataque, ele disse ter jurado lealdade a Abu Bakr al-Baghdadi. Horas depois, a polícia invadiu o local, e no confronto Mateen foi morto a tiros.

Cada matança era seguida de novos atentados. Bruxelas (Bélgica), Istambul (Turquia), Dhaka (Bangladesh), Nice (França), Berlim (Alemanha), Estocolmo (Suécia), Barcelona (Espanha), Cabul (Afeganistão), Trípoli (Líbia), Mastung (Paquistão) e muitas outras cidades foram alvos do terror espalhado pelo EI.

O Reino Unido foi particularmente visado em 2017, com o grupo assumindo a autoria de dois atentados, em Manchester e em Londres. Em março, um homem-bomba se explodiu no saguão de entrada da Manchester Arena, casa de shows onde se apresentava a cantora Ariana Grande. Além do suicida, 22 pessoas foram mortas. No mês seguinte, três homens jogaram uma van contra pedestres na ponte London Bridge. Ao descer do veículo, começaram a esfaquear pessoas que estavam nas ruas, matando oito. Foram em seguida mortos pela polícia.

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Em 2017, o Isis assumiu a autoria do atentado a bomba em Manchester, em que 22 foram mortos

O ano de 2017 terminou com um massacre gigantesco. Em 24 de novembro, cerca de 30 militantes atacaram uma mesquita em Al-Rawda, na Península do Sinai, no Egito, com bombas e metralhadoras. Mataram um total de 311 pessoas – muçulmanos sufistas, uma corrente diferente do Islã, mística e não tolerada pelo EI. Bandeiras do grupo foram vistas nas mãos dos atiradores.

Sequestros e genocídio

Além da sangrenta campanha de atentados, algumas histórias humanas particularmente dramáticas levaram o mundo a exigir o fim do suposto califado de Abu Bakr al-Baghdadi. Os sequestros de estrangeiros, posteriormente decapitados – em execuções muitas vezes gravadas em vídeo – eram exemplares da crueldade do EI. Em janeiro de 2015, a execução de um piloto jordaniano, preso depois que seu avião foi derrubado, causou particular indignação internacional. Mantido em uma jaula, Muath al-Kasasbeh foi queimado vivo, numa cerimônia chocante também filmada e exibida na internet.

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O povo yazidi, especialmente suas mulheres, foi alvo de atrocidades do EI no norte do Iraque

Particularmente tocante foi o sofrimento vivido pelo povo yazidi – uma etnia curda com cultura e religião próprias, considerada herege pelo EI.

No noroeste do Iraque, próximo à fronteira com a Síria, o grupo promoveu massacres e a escravidão sexual de mulheres e meninas yazidis. Em agosto de 2014, tomou Sinjar e outras pequenas cidades a seu redor, matando parte da população no que ficou conhecido como “massacre de Sinjar”.

Os estupros e a escravidão sexual vieram em seguida. Um vídeo feito por integrantes do Estado Islâmico, publicado na época no YouTube, mostrou combatentes do grupo comercializando mulheres yazidis, numa espécie de “mercado”. Um deles diz, em direção à câmera: “Hoje é dia do mercado de mulheres escravas. É dia da distribuição. Com a permissão de Alá, todos ficam com uma parte”. Outro pergunta, também em direção à câmera: “Ei, você, onde está minha garota yazidi?”. Segundo relatos, o comércio de yazidis do sexo feminino incluiu até meninas de 9 anos de idade. Estima-se que cerca de 10 mil pessoas tenham sido mortas ou sequestradas no ataque do EI à região de Sinjar – incluindo cerca de 3.500 mulheres e meninas escravizadas.

Um relatório da Comissão de Inquérito da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o conflito na Síria, divulgado em junho de 2016, concluiu que o chamado Estado Islâmico estava cometendo genocídio contra o povo yazidi. Segundo o presidente da comissão, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, “o Isis sujeitou toda mulher, criança ou homem yazidi que capturou às mais horríveis atrocidades”. O relatório descrevia as formas com que o EI buscava destruir a identidade dos yazidi e eliminá-los de suas terras.

“O Isis buscou eliminar os yazidis por meio de matanças, escravidão sexual, escravização, tortura e tratamento desumano e degradante e transferência forçada causando graves danos físicos e mentais.” Entidades humanitárias conseguiram resgatar muitas mulheres e meninas do EI, e derrotas militares impostas pelos curdos libertaram grande parte do contingente sequestrado.

Em 2019, uma reportagem da rádio pública americana NPR mostrou que muitas yazidis enfrentavam um dilema para retornar a sua região. Por terem dado à luz bebês gerados no cativeiro do Estado Islâmico, muitas famílias não aceitavam que elas voltassem com os filhos. “Centenas de mulheres estão sendo forçadas a escolher entre voltar para casa ou ficar com seus filhos pequenos nascidos como resultado de estupro por combatentes do Isis.”

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Mulheres combatentes das forças curdas participaram diretamente da luta contra o EI

Com sua crueldade e ações destrutivas, o EI fez inimigos por todos os lados. Acabar com o califado de Baghdadi tornou-se prioridade da comunidade internacional. Estados Unidos, Reino Unido e França passaram a conduzir ataques aéreos contra o grupo em 2014. O mesmo fez a Rússia, que em 2015 entrou ativamente na guerra síria em apoio ao regime de Bashar al-Assad.

O governo do Iraque, o regime sírio de Bashar al-Assad, o Irã, o libanês Hezbollah, a Jordânia, outros grupos jihadistas e as Forças Democráticas Sírias – aliança secular rebelde formada em 2015 – se dedicaram, de uma forma ou de outra, à destruição do Estado Islâmico. Ganhou destaque a luta travada pelas Unidades de Proteção das Mulheres, ou YPJ, a facção feminina da YPG – organização militar do Curdistão sírio, no norte do país. Como parte das YPJ, uma unidade era composta de mulheres yazidis.

Fim do califado

Em seu auge, entre 2015 e 2016, o chamado Estado Islâmico controlava cerca de um terço do território sírio, especialmente o nordeste, e grandes faixas de terra e importantes cidades no Iraque. Com seu domínio sobre Falluja, estabeleceu-se a apenas uma hora de Bagdá.

Em maio de 2015, ainda em expansão, a organização tomou a estratégica cidade de Palmira, no centro da Síria e onde ficam algumas das mais importantes ruínas da Antiguidade do país, datadas de cerca de 2 mil anos atrás. Defensor da destruição de toda e qualquer referência cultural ou religiosa considerada herege, o EI já havia destruído monumentos próximos a Mosul e artefatos assírios e sumérios mantidos no museu da cidade. Em Palmira, sua ideologia destrutiva foi novamente colocada em prática, com boa parte das ruínas implodidas pelo grupo. Em março de 2017, porém, forças do regime de Assad, com a ajuda de aviões russos, expulsaram o EI de Palmira pela segunda vez – agora, de forma definitiva.

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Palmira foi tomada duas vezes pelo EI, que destriu parte de seus artefatos históricos

No Iraque, aos poucos o governo iraquiano foi recuperando as cidades controladas pelo EI. Em outubro de 2016, iniciava um monumental esforço para recuperar o controle de Mosul. Com 30 mil soldados próprios, 4 mil combatentes da milícia curda (conhecida como peshmerga) e bombardeios aéreos dos Estados Unidos, o Iraque foi aos poucos tomando partes da cidade. Nove meses depois, em 10 de julho de 2017, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, declarou vitória na guerra contra o EI em Mosul.

Em outubro de 2017, foi a vez de Raqqa, na Síria, considerada a capital do Estado Islâmico. Após uma batalha de quatro meses, as Forças Democráticas Sírias, lideradas pelos curdos e apoiadas pelos Estados Unidos, expulsaram o EI da cidade. O chamado Estado Islâmico, que já perdera seu largo território, que lhe permitira financiar sua máquina de guerra e terror, ficava agora sem capital.

Em março de 2019, perdeu também sua última base, a cidade de Al-Baghuz Fawqani, ou simplesmente Baghuz. Localizada no extremo leste da Síria, ao lado da fronteira com o Iraque e na beira do rio Eufrates, a retomada de Baghuz marcou o fim do suposto califado de Abu Bakr al-Baghdadi.

Baghdadi, porém, continuava vivo e solto, em algum lugar na região. Mas não por muito tempo. Em 26 de outubro de 2019, uma operação das forças especiais americanas, utilizando oito helicópteros, atacou uma construção onde ele estava. O líder do EI chegou a tentar fugir, mas em seguida se matou detonando o colete de explosivos que vestia. Ao anunciar o sucesso da operação, o então presidente americano, Donald Trump, disse: “Ele morreu como um cachorro, ele morreu como um covarde”.

Poucos depois, o grupo jihadista confirmou a morte de Baghdadi e anunciou seu substituto, como noticiou a BBC News: “Uma divisão do EI anunciou no serviço de mensagens Telegram que Abu Ibrahim al-Hashemi al-Qurashi é o novo líder e ‘califa'”.

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Local do ataque americano em que morreu Abu Bakr al-Baghdadi

Sem territórios de onde extrair impostos e recursos naturais e enfraquecido com a perda de seu mítico líder, o chamado Estado Islâmico deixou de representar a ameaça regional que assustou o mundo em 2014. A partir de 2019, os ataques internacionais do EI também diminuíram em quantidade e frequência, em mais um sinal de seu enfraquecimento após perder suas bases na Síria e no Iraque.

No entanto, o grupo continuava ativo, realizando atentados no Oriente Médio, inspirando grupos armados no norte da África e influenciando células independentes ao redor do mundo. No primeiro aniversário da eliminação de Baghdadi, em 26 de outubro de 2020, o então secretário de Estado americano, Michael Pompeo, divulgou um comunicado, em que afirmava que os Estados Unidos continuavam vigilantes. “O Isis continua sendo uma ameaça significativa, e é vital que nós mantenhamos pressão contínua nos resquícios do Isis na Síria e no Iraque e fortaleçamos nossos esforços coletivos para derrotar as filiais e redes do Isis pelo mundo.” Ainda não era o fim do extremismo islamista.

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Fonte: BBC

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