LISBOA, PORTUGAL, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Funcionários de consulados e embaixadas de Portugal em todo o mundo pretendem entrar em greve a partir do dia 1º de setembro, de acordo com informações do sindicato da categoria anunciadas nesta terça-feira (23).

A paralisação tem duração prevista até pelo menos o dia 7, quando deve coincidir com a visita programada do presidente luso, Marcelo Rebelo de Sousa, ao Brasil para as comemorações do bicentenário da Independência.

O STCDE (Sindicato dos Trabalhadores Consulares, das Missões Diplomáticas e dos Serviços Centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros), representante da categoria, exige a implementação de uma série de medidas, sobretudo referentes a atualizações salariais, que já teriam sido previamente negociadas e acordadas com o governo.

A causa central das reivindicações está no Brasil. Desde 2013 os salários dos funcionários dos consulados e da embaixada são pagos em reais, considerando a cotação do euro a R$ 2,60 -hoje, a conversão é de EUR 1 para R$ 5,13, mas ela já foi de mais de R$ 6,50, no final de 2021. Na prática, portanto, os vencimentos estão sendo depositados quase pela metade, aponta a categoria.

Antes disso, os funcionários recebiam em reais com base na cotação do euro relativa ao dia do pagamento. A mudança da metodologia teria vindo após funcionários da embaixada entrarem na Justiça brasileira contestando os vencimentos em euro -na época, o real estava valorizado. Um avião da TAP, companhia aérea controlada pelo governo português, chegou a ter a penhora determinada no escopo dessa ação.

“Eu chamo essa mudança de vingança”, diz o secretário-geral adjunto do sindicato, Alexandre Lopes Vieira. Além do reajuste, a categoria pede a publicação de novas tabelas salariais, com valores de remuneração atualizados e condizentes com o cenário inflacionário atual global, além da inclusão de todos os trabalhadores no sistema de segurança social.

Segundo o líder sindical, a paralisação está prevista para todos os países, não apenas para os serviços no Brasil. “É uma greve para ter impacto”, afirma. Ele ressalta que o Partido Socialista governa com maioria absoluta e sem entraves no Legislativo, o que facilitaria a aprovação das reivindicações da categoria -à época da mudança, Portugal era governado pelo PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita.

“A norma já está feita. É só eles enviarem para o Parlamento. Se não fizerem nada, haverá greve.” As negociações entre sindicato e governo não incluem a retroatividade do pagamento salarial desde 2013.

Procurado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal não citou diretamente a ameaça de greve. Em nota, afirmou que “de momento, decorrem procedimentos internos para implementação de algumas soluções para problemas identificados” e que o diálogo com os sindicatos “assume a maior importância para conseguir soluções que sirvam os interesses de todos”.

Na avaliação do STCDE, as tabelas de remuneração desatualizadas atrapalham a subsistência digna de muitos dos trabalhadores da rede consular portuguesa.

Valdeir Carvalho, funcionário do consulado do Rio de Janeiro, diz que nos últimos anos precisou transferir seus três filhos de escolas particulares para públicas e cancelar o plano de saúde. “Eu tinha uma casa e pagava cerca de R$ 2.000 em prestações por ela, mas fui obrigado a vendê-la e a morar de aluguel”, afirma. Segundo ele, outros colegas passam pela mesma situação.

O congelamento salarial ainda atinge as admissões -os vencimentos baixos não atraem interessados. Segundo o edital de contratação do consulado no Rio, de novembro, um analista técnico, sem exigência de ensino superior, recebe R$ 2.711 mensais. “Os mais novos chegam, logo percebem que ganham muito pouco e vão-se embora. Há um total esgotamento dos funcionários mais velhos”, diz Lopes Vieira.

Reclamações de atrasos para emissão de passaporte e de outros documentos são constantes em vários países. Nas repartições no Brasil, pode-se levar meses para conseguir um agendamento, e nos perfis delas nas redes sociais, as queixas se acumulam.

Enquanto a situação não é resolvida, funcionários do consulado de São Paulo já entraram na Justiça contra o governo de Portugal. No Brasil, os casos estão parados no Tribunal Superior do Trabalho desde 2020. Paralelamente, ao menos oito servidores moveram ações na Justiça de Lisboa -três já receberam pareceres favoráveis.

Raimundo Luis de Oliveira, presidente do Sindnações, representante de trabalhadores de embaixadas e consulados no Brasil, diz não haver casos paralelos em representações de outros países. “Desde a crise de 2008, fazemos acordos coletivos, mas não sobre salários congelados há anos, como acontece com os funcionários de Portugal”, afirma.