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Estados Unidos, países europeus e a maioria dos países da América Latina reconheceram Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela

A crise política na Venezuela se agrava a passos largos desde que Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino do país, em 23 de janeiro. Pouco tempo atrás, Guaidó era uma figura pouco conhecida dentro e fora da Venezuela.

Mas nos últimos dois meses ele se converteu no mais proeminente líder da oposição ao chavismo, graças à turbulência política que sacode o país. Nesta quinta-feira, ele foi recebido pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto.

Após o encontro, Bolsonaro afirmou que deseja “eleições limpas e confiáveis” na Venezuela, além de se colocar à disposição para ajudar o país em sua recuperação econômica. “Pode contar conosco, apesar dos problemas que enfrentamos aqui. Nos interessa uma Venezuela livre”, afirmou.

“Muito obrigado por confiar no povo brasileiro. Estamos juntos que o sonho maior seja estabelecido. Conte conosco. Deus é brasileiro e venezuelano”, acrescentou Bolsonaro.

Em entrevista coletiva a jornalistas brasileiros, Guaidó afirmou que está buscando uma “coligação mundial” para declarar uma transição “que gere condições para eleições livres”.

“O apoio diplomático e a força do Brasil em declarar o fim da usurpação é determinante (para o sucesso). Contamos com o apoio de todos os países que possam colaborar com o fim da usurpação, inclusive Rússia e China. Hoje, temos uma ditadura com mais de mil presos políticos (na Venezuela), afirmoo Juan Guaidó.

Guaidó, de 35 anos, assumiu no início de janeiro a presidência da Assembleia Nacional, o último órgão estatal sob controle da oposição ao governo de Nicolás Maduro. Depois disso, ele emergiu como o rosto mais visível do movimento nacional e internacional que busca tirar Maduro da Presidência por considerá-lo um governante ilegítimo.

O opositor se autoproclamou presidente e foi reconhecido como tal por diversos países – entre eles, Brasil, EUA, os da União Europeia e os do Grupo de Lima, que reúne a maioria dos países latino-americanos. A OEA (Organização dos Estados Americanos) também declarou apoio ao oposicionista. “[Guaidó] tem nosso apoio para impulsionar o retorno do país à democracia”, disse o secretário-geral do órgão, Luís Almagro.

Mas, afinal, quem é Guaidó e qual o real poder que ele tem como presidente autoproclamado da Venezuela?

Ascensão do deputado

No começo de 2018, Guaidó era um deputado da Assembleia Nacional, controlada pela oposição ainda que esvaziada de suas funções após várias decisões do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e a criação, incentivada por Maduro, de uma Assembleia Nacional Constituinte “com poderes plenipotenciários”.

De acordo com o sistema acertado entre as forças opositoras, a Assembleia original deveria ser presidida em um esquema rotativo entre os partidos – desta vez, a liderança cabia ao Vontade Popular, o partido de Leopoldo López, dirigente opositor preso em 2014 após uma onda de protestos contra o governo.


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O governo de Maduro, apoiado por 14 nações, considera que os movimentos de Guaidó são uma tentativa de golpe de Estado, dirigida pelos Estados Unidos.

Guaidó, que havia sido um dos mais destacados ativistas juvenis em um partido do qual é membro desde sua fundação, foi encarregado de assumir a Presidência do Legislativo.

No Vontade Popular, galgou postos após a condenação de López e a saída do país de outros políticos opositores de peso.

Com pouco mais de uma semana no cargo, seu nome proliferou em comentários nas redes sociais venezuelanas e se converteu no líder de uma oposição que passava por um dos seus piores momentos.

‘Usurpador’

No dia 10 de janeiro, a situação começou a se agravar.

Nesse dia, Maduro tomou posse para um segundo mandato presidencial.

Mas a oposição, que não quis participar das eleições em maio do ano passado, não reconheceu o chavista como presidente legítimo.

Tampouco os EUA, a União Europeia ou o Grupo de Lima, que reúne a maioria dos países latino-americanos – entre os quais o Brasil – e o Canadá.


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O Grupo de Lima foi criado em 2017, na capital do Peru, reunindo ministros das relações exteriores de 14 países

No dia seguinte à posse de Maduro, Guaidó se dirigia a um protesto convocado em Caracas apelando à fórmula do chamado “cabildo abierto”, um mecanismo de participação popular reconhecido na Constituição.

Ele chamou Maduro de “usurpador” e convocou o Exército, o povo da Venezuela e a comunidade internacional a apoiar os esforços da Assembleia Nacional para retirá-lo do poder.

Convocou os venezuelanos a se somarem a uma grande marcha nacional em 23 de janeiro, uma data de grande valor simbólico no país por se tratar do dia em que, em 1958, caiu o governo do general Marcos Pérez Jiménez.

Qual a importância de ser presidente interino?

Quando Guaidó se autoproclamou presidente interino, o apoio de diversos países deixou claro o tamanho do desafio que a medida representava para a permanência do presidente venezuelano no poder.

O governo de Maduro, apoiado por 14 nações (entre elas Rússia e China), considera que os movimentos de Guaidó são uma tentativa de golpe de Estado, dirigida pelos Estados Unidos. O objetivo, diz o líder chavista, seria remover do poder um “legítimo ocupante”. Guaidó e os países que o apoiam, por outro lado, dizem que a Venezuela não tem um governante eleito em um processo justo e constitucional.

Mas quais são os efeitos práticos a autoproclamação de Guaidó, presidente da Assembleia Nacional venezuelana, e do crescente apoio internacional?


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O venezuelano Juan Guaidó, o presidente colombiano Iván Duque Márquez e o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, apertam mãos no encontro do Grupo de Lima

Alguns especialistas apontam que a medida tem um efeito simbólico, mais do que prático, e serve mais para pressionar Maduro. “(Guaidó) não tem controle efetivo (na Venezuela). Portanto, se trata de um reconhecimento mais simbólico que real”, afirmou à BBC News Mundo Carlos Malamud, pesquisador sobre América Latina no Real Instituto Elcano.

O especialista avalia que o amparo é uma forma de pressão de parte da comunidade internacional, visando a que Maduro se afaste da Presidência e que novas eleições sejam convocadas. “Guaidó é reconhecido (presidente) com a confiança de que possa convocar eleições. Mas os governos sabem das limitações existentes.”

Uma coisa é o aspecto simbólico, meramente retórico, de apoiar uma “figura que pode favorecer a transição”. Outra, muito diferente, é “cortar laços com quem tem o poder de fato”, afirma Malamud.

Consequências práticas

Mas o apoio a Guaidó já gerou consequências práticas importantes em alguns países, principalmente os Estados Unidos. Maduro mandou fechar todas as embaixadas e consulados e o retorno de todo o corpo diplomático venezuelano que atuava nos EUA.

Os Estados Unidos, por sua vez, entregaram a Guaidó a autoridade sobre as contas oficiais da Venezuela no Federal Reserve Bank, em Nova York, e em outros bancos assegurados americanos.

Anunciaram, ainda, sanções contra a estatal venezuelana do petróleo, a PDVSA. Segundo o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, essa medida poderia bloquear US$ 7 bilhões em ativos e evitar lucros de US$ 11 bilhões em exportações no próximo ano.

Para Temir Porras, que foi assessor de política externa de Hugo Chávez e colaborou com Maduro quando este foi chanceler, essa situação é “um escândalo do ponto de vista do direito internacional”.

“O Departamento do Tesouro assume o controle das contas da Venezuela no exterior e decide unilateralmente que os ativos do país são do governo de Juan Guaidó. Isso é um roubo”, diz Porras, que abandonou a vida pública em 2013 e agora é professor de Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos de Paris, na França.


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A Guarda Nacional Bolivariana bloqueou a passagem em Ureña (Estado de Táchira), na fronteira da Venezuela com a Colômbia. Houve protestos violentos.

Porras não nega o estado “catastrófico” da economia venezuelana e avalia que a situação do país é “insustentável”. Mesmo assim, afirma que o reconhecimento internacional dado a Guaidó é um “disparate absoluto”.

“Na Espanha, houve uma crise constitucional. O que teria ocorrido se a Bélgica tivesse reconhecido Puigdemont?”, pergunta Porras, fazendo referência ao ex-presidente do governo catalão, que decretou a independência da Catalunha e foi embora para a Bélgica para não ter de responder perante a Justiça da Espanha.

Além das medidas tomadas pelos Estados Unidos, a Colômbia anunciou que proibirá a entrada no país de mais de 200 pessoas por serem “colaboradores da ditadura de Nicolás Maduro”.

Enquanto isso, Guaidó nomeou “representantes da Venezuela” nos Estados Unidos, Canadá e em vários países latino-americanos, entre eles Brasil, Argentina e Chile. A decisão foi recebida com certa confusão, já que não estão claras quais seriam as atribuições desses representantes, nem o que vai acontecer com os embaixadores venezuelanos oficiais, nomeados pelo governo de Maduro.

Diplomatas de Maduro x representantes de Guaidó

Na Espanha, diversos meios de comunicação aventaram que o representante de Guaidó na região, ainda não nomeado, não tentará ocupar o cargo de embaixador, mas atuará como um enviado político. Dessa forma, poderia dividir espaço com o atual embaixador da Venezuela.

Assim, a Espanha evitaria o risco de que Maduro expulsasse o embaixador espanhol na Venezuela – medida que deixaria em uma situação difícil os milhares de espanhóis que vivem no país sul-americano.

Por outro lado, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, declarou em uma entrevista recente que o foco de Caracas não está na Europa, nem mesmo na América Latina, mas nos Estados Unidos. “De lá está sendo dirigido o golpe de Estado, de lá estão subordinando os países da América Latina, da Europa.”

“Acredito que haja uma ambiguidade nos governos da Europa, que dizem que reconhecem um, mas que seguem mantendo relações com outro”, acrescentou. “Nós sempre demos muita atenção para as comunidades europeias (que vivem) na Venezuela, e seguiremos fazendo isso”.

Já nos Estados Unidos, a embaixada venezuelana permanece fechada. O representante de Guaidó não tem acesso ao edifício.

Exército ainda dá apoio a Maduro

Para Sandra Borda, analista política colombiana e professora da Universidade dos Andes, o reconhecimento internacional dado a Guaidó é, sobretudo, “uma jogada política para pressionar por uma transição” na Venezuela. “Se isso não se traduzir em uma pressão social para que o regime caia, não vai significar nada”, acrescenta.

O analista político Jorge Galindo, baseado na Colômbia, tem um ponto de vista parecido. “Como em qualquer Estado, o monopólio da violência está nas mãos do Exército. O reconhecimento (internacional) só é útil se a oposição for capaz de utilizá-lo para convencer os pragmáticos dentro do regime.”

Com a chegada de Chávez ao poder pelo voto, em 1998, as Forças Armadas passaram a exercer influência em todas as instâncias do Estado venezuelano. Mas o preço do apoio dos quartéis a Chávez foi alto. Além do loteamento de cargos estatais, o chavismo franqueou aos comandantes aliados generosos espaços em diferentes setores da economia venezuelana.

Mesmo com a oferta e o crescente apoio externo a seu movimento, Guaidó assistiu a alguns episódios esporádicos de dissidência nos quartéis, mas ainda insuficientes para retirar definitivamente o suporte das Forças Armadas que mantém Maduro no poder – apesar de o país estar quase falido.


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‘O monopólio da violência está nas mãos do Exército. O reconhecimento (internacional) só é útil se a oposição for capaz de utilizá-lo para convencer os pragmáticos dentro do regime’, diz especialista

Quem apoia Guaidó argumenta, por exemplo, que as eleições presidenciais de maio de 2018 na Venezuela foram fraudulentas, pois não teriam sido plurais nem teriam respeitado os princípios democráticos. A Assembleia Nacional, controlada pela oposição, considera que Maduro está usurpando o poder, por ter sido eleito em votações que não foram reconhecidas pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por muitos outros países.

Já para Temir Porras, a questão de fundo é que na Venezuela “não existe acordo político de coexistência democrática”. “Em 2014, o partido de Guaidó já não reconhecia Maduro como presidente legítimo”, diz Porras, para quem o reconhecimento internacional a Guaidó não vai acabar com a polarização política.

“Se a força política de Guaidó toma o poder, quem será a oposição? Quem vai se sentar na Assembleia Nacional”, pergunta. “A única saída, a única solução razoável para o problema político na Venezuela é um acordo político interno”.

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Fonte: BBC