• Yvette Tan
  • Da BBC News em Cingapura

Pessoas oram no Templo Lungshan, em Taiwan

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Eles foram exaltados como histórias de sucesso contra o coronavírus, e registravam quase nenhum caso de covid-19 no começo de 2021

Mas neste mês, Cingapura e Taiwan passaram a enfrentar um aumento repentino e agressivo no número de infecções. O primeiro teve 248 novos casos na semana passada, e o segundo, 1.200.

Para os padrões internacionais (o Brasil tem quase 80 mil por dia), esses números podem parecer irrisórios. Mas para esses países eles eram impensáveis meses atrás. O que deu errado, afinal?

Um caso de complacência: Taiwan

Taiwan foi um dos primeiros lugares a proibir turistas estrangeiros assim que a China relatou o surgimento do vírus no fim de 2019, e essas duras restrições de fronteira permanecem em vigor até hoje.

No entanto, localmente, tanto a população quanto o governo começaram a se tornar condescendentes, complacentes.

Hospitais pararam de testar massivamente as pessoas para covid, mesmo aquelas com febre, um dos sintomas mais comuns do coronavírus

De acordo com o portal Our World in Data, da Universidade de Oxford, Taiwan realizava apenas 0,57 testes de vírus a cada 1.000 pessoas em meados de fevereiro. Em comparação, Cingapura realizava 6,21 e o Reino Unido, 8,68.

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Distrito da luz vermelha de Taiwan, repleto de casas de chá e casas de massagem

“Havia uma suposição geral, mesmo com pessoas apresentando sintomas, de que a probabilidade de ter o covid-19 era essencialmente zero”, disse o professor associado Lin Hsien-ho da Universidade Nacional de Taiwan à BBC, acrescentando que derivava da crença de que o vírus não poderia atravessar as fortes barreiras levantadas por Taiwan.

“Os médicos não estavam levando isso a sério, os hospitais não estavam alertas, não faziam muitos rastreamentos de contatos. Definitivamente, havia uma certa sensação de complacência.”

Isso se mostrou especialmente quando Taiwan relaxou suas exigências de quarentena para pilotos de companhias aéreas não vacinados de 14 para 5 dias. E depois para só 3 dias.

Pouco depois, surgiu uma série de casos conectada a um grupo de pilotos da China Airlines que estavam hospedados em um hotel perto do aeroporto de Taoyuan. Depois, descobri-use que muitos dos infectados ligados a essa série de casos tinham contraído a variante achada no Reino Unido, conhecida como B.1.1.7.

O vírus então se espalhou pela comunidade, chegando às “casas de chá” de Taiwan, que são locais de entretenimento para adultos.

“Você tinha pessoas cantando, bebendo, entrando em contato frequente em um ambiente interno não muito ventilado. Não era apenas uma casa de chá, mas muitas na mesma rua. Foi um evento super espalhador enorme”, disse Lin, da Universidade Nacional de Taiwan.

O professor Chen Chien-jen, epidemiologista e ex-vice-presidente de Taiwan, diz que o fato de muitos daqueles que tiveram diagnóstico positivo não quererem declarar que visitaram esses locais de entretenimento para adultos tornou ainda mais difícil o rastreamento das pessoas com quem eles encontraram.

“Isso apenas nos lembra que mesmo quando uma proporção muito pequena da população quebra as regras, isso levará a escapes”, disse o Dr. Chen.

Ele também acrescenta que Taiwan falhou em aprender com a indústria de entretenimento adulto do Japão, que também foi um foco de infecções em um dado momento.

“Não aprendemos a lição com o Japão e refletimos que Taiwan pode ter esses mesmos problemas”, disse ele.

Segundo o professor Alex Cook, da Universidade Nacional de Cingapura (NUS), a situação de Taiwan é “um reflexo do risco constante de uma estratégia que enfatiza demais o controle de fronteiras e não o suficiente em medidas de prevenção à disseminação dentro do país”.

Rachaduras no muro: Cingapura

Em Cingapura, no entanto, a história foi diferente.

As medidas no país sempre foram rigorosas, apesar dos poucos casos registrados ao longo da pandemia. Encontros públicos podem reunir até oito pessoas, os clubes noturnos não foram reabriram e ainda há um limite para reuniões coletivas, como casamentos.

Mas ainda havia lacunas em sua estratégia de vacinas e, no final de maio, o Aeroporto Changi de Cingapura, que também possui um popular shopping center, havia se transformado no maior centro de covid do país em 2021.

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Aeroporto de Cingapura se tornou um ponto de espalhamento de covid-19

Tempos depois, as autoridades de Cingapura descobriram que vários funcionários infectados do aeroporto estavam trabalhando em uma zona que recebia viajantes de países de alto risco, incluindo os do sul da Ásia.

Alguns desses funcionários passaram a fazer suas refeições nas praças de alimentação do aeroporto, que são abertas ao público, espalhando ainda mais o vírus.

Como resultado, o país decidiu fechar seus terminais de passageiros para o público.

Mais tarde, descobriu-se que muitos dos infectados tinham uma variante altamente contagiosa que foi descoberta na Índia, conhecida como B.1.617.

Cingapura também anunciou que iria separar voos e passageiros de países e regiões de alto risco daqueles que chegam de lugares de menor risco. A equipe de funcionários também será segregada por zonas.

Muitos no país se perguntam por que tais medidas não foram tomadas antes, observando que essas brechas foram apontadas há semanas.

Mas especialistas dizem que era “inevitável” que uma nova variante chegasse ao país.

“Eu entendo porque as pessoas estão se sentindo frustradas porque a maioria dos cingapurenses tem sido extremamente complacente”, disse o professor Teo Yik Ying, reitor da Escola de Saúde Pública (NUS).

“Mas não somos como a China, que consegue manter suas fronteiras completamente fechadas. Nossa reputação como país, nossa economia, está ligada à nossa posição de centro comercial. Além disso, se olharmos para os EUA no ano passado, seus piores casos de vírus não vieram da China, mas de viajantes da Europa. Então, para quantos países Cingapura pode fechar suas fronteiras?”

Mas Cook, da Universidade Nacional de Cingapura, diz que o país ainda está em uma “posição muito boa” para conter seu surto.

“Hesito em dizer que ‘as coisas deram errado’, já que Cingapura ainda está, apesar da intensificação das medidas, em uma posição muito boa”, disse ele.

“Se compararmos com o Reino Unido, os casos diários típicos são cerca de 10% do nível do Reino Unido se considerarmos proporcionalmente o tamanho da população. Em outras palavras, Cingapura está endurecendo as medidas para prevenir chegar a um ponto em que o vírus possa se descontrolar.”

Vacinação lenta

Há um problema que atingem por igual Cingapura e Taiwan: vacina.

Muitos em Taiwan não queriam tomar a vacina quando as coisas estavam indo bem, com temores em torno de eventuais efeitos colaterais da vacina AstraZeneca-Oxford, a principal disponível no país, o que ampliou ainda mais a hesitação vacinal.

O atual aumento de casos, entretanto, mudou isso, e as pessoas em Taiwan agora estão ose aglomerando para receber a vacina. Mas o problema é: não há doses para todos.

Até agora, Taiwan recebeu apenas 300 mil vacinas, ante sua população de 24 milhões.

“Tentamos nosso melhor comprando vacinas de empresas internacionais, mas não conseguimos muito. A única maneira de sustentar nosso fornecimento é fabricando nós mesmos, isso é muito importante para Taiwan”, disse Chen, ex-vice-presidente de Taiwan.

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Muito em Taiwan evitaram receber vacina AstraZeneca-Oxford por temer efeitos colaterais, mas depois fizeram fila quando casos aumentaram no país

Taiwan está trabalhando atualmente na produção de duas vacinas locais, que podem estar disponíveis no final de julho.

A história é um pouco diferente em Cingapura, mas sofre da mesma escassez.

Cerca de 30% da população recebeu pelo menos uma dose da vacina, de acordo com a Universidade de Oxford, e isso representa a maior taxa de vacinação do Sudeste Asiático. Mas o país está de mãos atadas com a oferta limitada de vacinas. De todo modo, o governo espere vacinar toda a sua população até o final do ano.

“Em última análise, somos limitados pelo fornecimento. Em países como o Reino Unido, EUA, China, eles têm a capacidade de produzir suas próprias vacinas”, disse Teo, da Escola de Saúde Pública de Cingapura.

“Prevemos que a necessidade de vacinas será de longo prazo, por isso estamos caminhando para ter nossas próprias capacidades de fabricação. Então não seremos mais dependentes.”

Teo acrescenta que o pico em ambos os lugares é uma lição para os países que agora podem estar vendo uma queda nos casos.

“Quando vemos países na Europa ou nos Estados Unidos começando a flexibilizar as medidas de restrição à circulação de pessoas, acho que eles deveriam ser muito cautelosos e olhar ao redor do mundo para ver o que está acontecendo”, disse ele.

“O que aconteceu em Taiwan e Cingapura é um sinal de que não devemos baixar a guarda.”

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Fonte: BBC