• Paula Adamo Idoeta e Laís Alegretti
  • Da BBC News Brasil em São Paulo e em Londres

Teme-se que festas de Natal e Ano Novo provoquem o aumento nas viagens e nas aglomerações pelo mundo

A proximidade das festas de fim de ano, que tradicionalmente envolvem muitas viagens, festas longas e reuniões de grupos grandes de pessoas, têm colocado líderes globais e autoridades de saúde em alerta para picos futuros de covid-19 — potencialmente ainda maiores e mais mortíferos dos que estão em curso atualmente.

Em diversos países, governos têm emitido advertências contra aglomerações e deslocamentos nos períodos festivos.

No Brasil, embora não haja recomendações oficiais específicas para as datas festivas, infectologistas se preparam para a possibilidade de, poucas semanas após as festas, o país se ver diante de novos aumentos de casos e mortes.

“Se fossemos reproduzir os encontros natalinos da forma que tradicionalmente ocorrem, neste momento epidemiológico (de alta dos casos), o que espero é um repique brutal no número de casos, devido à contaminação que vai ocorrer neste momento”, diz à BBC News Brasil Jaques Sztajnbok, supervisor da UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, sugerindo que as pessoas evitem festas de fim de ano em 2020.

“Por maior que seja o cuidado que se tome, há sempre o risco de contágio.”

A sensação de que estamos mais próximos de ter uma vacinação em massa também pode levar as pessoas a relaxarem seus cuidados em relação ao coronavírus, na avaliação dos médicos ouvidos pela BBC News Brasil. Mas eles alertam que a perspectiva de ter uma vacina no futuro não muda o cenário atual, de que a covid-19 continua se espalhando e fazendo muitas vítimas.

“Estamos perto da vacina, mas infelizmente temos pessoas perdendo o jogo na prorrogação — são mortes desnecessárias”, afirma Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia. “Precisamos aguentar (em isolamento) esse último terço de caminhada até a vacina.”

“Se fossemos reproduzir os encontros natalinos da forma que tradicionalmente ocorrem, neste momento epidemiológico (de alta dos casos), o que espero é um repique brutal no número de casos (de covid-19)”, diz Sztajnbok

Sztajnbok também alerta para esse risco. “A perspectiva de ter uma vacina leva as pessoas a dizerem ‘ah, que bom’ e relaxarem. Mas até chegar lá, a pandemia está aí. A gente pode morrer na praia.”

Nesse cenário, na Europa e na América do Norte, também há pedidos para que as pessoas restrinjam suas festas de fim de ano.

América do Norte

Nos EUA, os Centros de Controles de Doenças (CDCs, na sigla em inglês) haviam pedido, em 19 de novembro, que os americanos evitassem viagens no tradicional feriado de Ação de Graças, que seria celebrado uma semana depois. Naquele dia, os EUA haviam registrado um número recorde de 183 mil novos casos de covid-19 em um só dia.

“À medida que os casos continuam a aumentar rapidamente pelos EUA, a forma mais segura de celebrar a Ação de Graças é em casa, com as pessoas com quem você já mora”, dizia o guia dos CDCs, com recomendações de segurança para quem mesmo assim decidisse viajar.

“Reuniões com familiares e amigos que não moram com você aumentam a chance de transmissão da covid-19 e da gripe.”

O país continua vivendo seu momento mais grave da pandemia: na última quarta-feira (3/12), registrou um recorde de 2.760 mortes diárias por covid-19.

E o vizinho de cima, Canadá, foi apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um exemplo dos riscos trazidos pelas celebrações de fim de ano.

Lá, o feriado de Ação de Graças é celebrado em 12 de outubro. E o Canadá, que já vinha em uma trajetória de alta da covid-19, viu o número de casos diários bater recordes em diversas cidades e províncias nas semanas seguintes à festividade.

Aeroporto nos EUA com pessoas viajando para o feriado de Ação de Graças; feriado já havia provocado alta no contágio no vizinho Canadá

Avaliação e minimização de risco

Porta-vozes da OMS afirmam que evitar reuniões familiares seria a “aposta mais segura” para este Natal, mas que caberá a cada país pesar os prós e contras de se aliviar ou não as restrições de circulação de pessoas durante as festividades de fim de ano.

“Cada governo terá de decidir sua política, baseado na avaliação entre risco epidemiológico versus o risco social e econômico de continuar a manter as pessoas em uma situação de restrição durante o período de festas, o que de fato gera muita frustração, mais fadiga e resistência”, admitiu Mike Ryan, diretor de Emergências da OMS, em entrevista coletiva no final de novembro.

“A questão é: você (país) tem a doença suficientemente sob controle e pode dar às pessoas um pouco mais de liberdade durante o Natal, gerando senso de confiança e alegria na comunidade — algo que as pessoas estão precisando —, sem deixar o vírus avançar novamente? É uma troca (trade-off) entre essas duas coisas.”

“Há (iniciativas) de baixo risco ou alto risco — mas sempre há um risco”, agregou Maria Van Kerkhove, líder técnica da covid-19 na OMS. Ela defendeu que as famílias prefiram reuniões virtuais neste ano.

“É incrivelmente difícil porque, principalmente durante as festas, nós queremos muito estar com a família. Mas, em algumas situações, a decisão difícil de não ter um encontro familiar é a aposta mais segura”.

Pessoas e famílias terão de tomar essa decisão, prosseguiu Kerkhove, avaliando a chance de estar, inadvertidamente, causando situações de alto contágio.

A agência também adverte contra o relaxamento por causa da iminência da chegada da vacina.

Testagem da covid-19 na Escócia; OMS defende que evitar reuniões familiares seria a “aposta mais segura” para este Natal, mas que caberá a cada país pesar os prós e contras disso

“Vacinas não significam zero covid-19”, afirmou Ryan, lembrando que muitos países sequer iniciarão suas vacinações no início do ano que vem. “A vacinação será uma ferramenta muito, muito poderosa. Mas sozinha não vai (eliminar a pandemia).”

No mundo, a covid-19 já infectou oficialmente 66 milhões de pessoas e matou mais de 1,5 milhão.

Como reduzir riscos no Natal

A mensagem dos médicos é clara: qualquer encontro, por mais cuidado que se tenha, representa um risco de transmitir e contrair coronavírus.

Para quem decidir, mesmo assim, fazer um encontro presencial e quiser minimizar os riscos, especialistas ouvidos pela reportagem indicam muito cuidado principalmente com a quantidade de pessoas (menor número de convidados possível, evitando os que não coabitam a mesma casa) e com a ventilação do ambiente.

A recomendação é aproveitar qualquer espaço ao ar livre: jardim, laje, varanda. Se não for possível, recomendam deixar todas as janelas da casa abertas.

Outros cuidados sugeridos pelos médicos são reduzir a duração das festas e usar máscaras todo o tempo possível, evitando gritar, cantar ou falar muito alto — para evitar espalhar mais gotículas potencialmente infectadas.

Eles também dizem para manter a maior distância possível daqueles que não vivem na mesma casa que você, mesmo usando máscara.

Na hora de comer, eles propõem um rodízio para sentar à mesa. Se houver duas pessoas que moram na mesma casa e outras duas que moram em outra, por exemplo, a sugestão é que comam em momentos separados. Enquanto uma dupla que vive junto estiver comendo, sem máscara, os demais ficam afastados e de máscara. Depois, trocam. Se houver duas mesas e dois núcleos familiares, a sugestão é que sentem cada núcleos em uma mesa, já que será necessário retirar a máscara para comer.

Homem passa por publicidade natalina na Itália; não se recomenda que pessoas de diferentes núcleos familiares passem as festas juntas

Antes do encontro, é recomendada atenção redobrada aos sintomas. Além disso, ficar 14 dias antes do encontro em quarentena é o ideal, segundo os médicos. Se não for possível todo esse tempo, uma semana já ajudaria a diminuir riscos, segundo eles. Outra sugestão, quando possível, é fazer o exame PCR 72 horas antes da festa, para garantir que não é uma pessoa infectada assintomática.

A recomendação também é não viajar. Se for, priorize ir de carro.

Europa: restrições às viagens e ao tamanho das festas

Na Europa, alguns países impuseram restrições para evitar uma nova alta de casos — embora alguns países planejem aliviar as medidas nos dias próximos ao Natal, segundo levantamento da agência Reuters.

A Espanha determinou que só serão permitidas dez pessoas reunidas por casa no Natal e no Ano Novo, e viagens entre as regiões espanholas serão proibidas entre 26 de dezembro e 6 de janeiro, exceto para pessoas que vão visitar parentes.

Haverá restrições a viagens também na Itália, onde a recomendação é de que as comemorações sejam restritas aos núcleos familiares. Missas de Natal tampouco serão abertas.

Na França, o governo planeja permitir viagens pelo país a partir de 15 de dezembro só se os novos casos diários caírem para cerca de 5 mil.

Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel entrou em acordo com líderes dos 16 Estados do país para endurecer as regras do lockdown no país até 20 de dezembro. Mas a ideia é aliviar as restrições no Natal, para permitir que as famílias e amigos possam celebrar juntos. O limite é de dez pessoas (sem contar crianças) por festa.

No Reino Unido, as quatro nações (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte) concordaram em permitir que pessoas de no máximo três lares diferentes se juntem nas festas caseiras, entre 23 e 27 de dezembro. Serão permitidas comemorações e missas em lugares abertos apenas.

Estação de trem na Alemanha, em foto de 29 de novembro; governos europeus estão adotando diferentes medidas restritivas para conter alta no contágio

‘Verdadeiro espírito natalino’

O período de Natal e Ano Novo causa preocupação nos especialistas por serem festas que costumam congregar um número grande de pessoas de diferentes casas, regiões ou mesmo países em um só lugar durante várias horas. Isso, em espaços fechados, mal ventilados e com aglomerações regadas a álcool (que tende a nos fazer relaxar nas medidas de precaução), é uma receita perigosa para o alastramento da covid-19.

“Temos que pensar em evitar encontros com muitas pessoas. É momento para encontrarmos famílias nucleares. Não é momento de fazer grandes encontros de família, com reuniões com mais de dez pessoas”, defende Juliana Lapa, infectologista e professora da Universidade de Brasília.

Nas festas, explica o infectologista Jaques Sztajnbok, é comum que “ao comer, todo mundo esteja sem máscara, conversando, falando alto, rindo e próximo — modos pelos quais a disseminação aumenta mais ainda. É um cenário perfeito para o contágio. Você acaba encontrando pessoas que não conviviam entre si, então a troca aumenta.”

“Se não houver segurança nesses encontros, que não sejam feitos. No fim das contas, o que interessa é a segurança e a saúde de todo mundo. Quando um familiar diz que o Natal é muito importante e quer muito encontrar a avó que não vê há muito tempo, eu falo: tudo bem, mas você quer que ela morra 15 dias depois, de uma doença evitável? Neste momento, quando a taxa de contágio está alta, eu acho que qualquer evento social — Natal incluído — não deve ser realizado da forma como fazíamos pré-pandemia. O risco é altíssimo. (…) O que eu desejo é que as pessoas sejam imbuídas do que deveria ser o verdadeiro espírito natalino: o bem-estar e a segurança de todos. Essa é maior manifestação de apreço e amor que um pode dar ao outro neste momento.”

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Fonte: BBC