Big Ben

Crédito, PA Media

Ruas de Londres ficaram desertas durante o lockdown que foi de janeiro a março deste ano

No dia 19 de janeiro, o Reino Unido registrou o pico diário de mortes em toda a pandemia. Morreram 1,359 pessoas.

Apesar de ser inferior ao número atual no Brasil — na terça-feira (23/03) foram registradas 3.251 mortes no país — em termos proporcionais, considerando o tamanho das populações, a covid matava em janeiro 30% a mais no Reino Unido do que o que acontece agora no Brasil.

O Reino Unido vivia na época uma tempestade perfeita que contribuía para a disseminação da doença em um ritmo muito mais acelerado do que durante a primeira onda, com diversos fatores influindo: campanha de vacinação ainda no começo, nova variante do vírus mais infecciosa e letal, e auge do inverno.

Mas apenas dois meses depois, na última segunda-feira (22/03), o país registrou somente 36 mortes por covid em um dia. Após um longo inverno de restrições e lockdowns, os britânicos agora traçam planos para voltar à uma vida um pouco parecida com a que tinham antes da pandemia.

Escolas foram reabertas no começo do mês, e até o dia 15 de abril o Reino Unido pretende ter dado uma dose de vacina para toda a sua população com mais de 50 anos de idade. A meta é vacinar todos os adultos até 31 de julho.

Como o Reino Unido conseguiu sair do fundo do poço da pandemia em apenas dois meses?

O caminho para saída passou por duas medidas que foram as principais apostas do governo do premiê Boris Johnson: lockdown bastante restrito e grande investimento em vacinação.

Terceiro lockdown

O esforço para diminuir o impacto do coronavírus começou um mês antes do dia 19 de janeiro, quando o número de mortes atingiu seu pico.

Crédito, EPA

Maioria das lojas na famosa Oxford Street de Londres praticamente não abriu ainda em 2021

Nos dias anteriores aos feriados de Natal e Ano Novo, as autoridades já observavam o agravamento acelerado da pandemia. Em apenas duas semanas, o número de casos de covid-19 havia duplicado, de 12 mil para 25 mil por dia.

A população já havia enfrentado dois lockdowns e não havia mais ânimo para um terceiro.

O mais recente deles, decretado em novembro, havia contribuído para derrubar os números temporariamente e fora usado como uma espécie de “barganha” do governo com os britânicos — se a população enfrentasse mais esse sacrifício no mês de novembro, poderia ter um Natal e Ano Novo mais relaxado, inclusive com a possibilidade de viajar e confraternizar com seus parentes.

Mas o plano fracassou.

Assim que as restrições foram levantadas no começo de dezembro, os números dispararam. O governo não manteve sua promessa de relaxar as medidas e restringiu viagens e a interação de pessoas durante as festas de fim de ano.

Foi nessa época, que foi divulgada a existência de uma nova variante do vírus, surgida no sudeste da Inglaterra, que era até 70% mais contagiosa. Ao mesmo tempo, o governo dava início à sua campanha de vacinação — a primeira no mundo ocidental, mas com passos ainda tímidos.

Passadas as festas, o primeiro-ministro Boris Johnson fez um pronunciamento à nação, consolidando o terceiro lockdown.

“Com o país inteiro já sob medidas extremas, está claro que precisamos fazer mais, juntos, para manter essa variante sob controle enquanto nossas vacinas são distribuídas. Nós precisamos fazer um lockdown nacional que seja duro o suficiente para conter essa variante”, disse Boris.

O comércio não-essencial e as escolas foram fechados, exames educacionais foram suspensos e o governo impôs restrições para viagens — tanto dentro do país como em fronteiras.

O governo estendeu o auxílio salarial para mais de 10 milhões de trabalhadores até setembro, com subsídios que podem chegar a 2,500 libras (quase R$ 20 mil) por beneficiado.

A oposição ao governo de Boris Johnson apoiou as medidas.

“Qualquer que seja a nossa crítica ao governo, todos nós precisamos nos unir e fazer isso funcionar”, disse o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, em janeiro.

Vacinação

Por duas semanas, o número e mortes continuou subindo. Imagens de hospitais operando em capacidade máxima dominavam os telejornais.

Ao mesmo tempo, começaram a surgir os primeiros boletins diários sobre a quantidade de pessoas vacinadas. No dia 19 de janeiro — quando o Reino Unido atingiu seu pico de mortes, e na mesma semana em que a Anvisa liberava o uso da vacinas contra covid no Brasil — 4,6 milhões de britânicos já haviam recebido a primeira dose.

Nesta semana, o Reino Unido já superou a marca de 28 milhões de pessoas com a primeira dose da vacina e 2 milhões com a segunda.

Mas o caminho rumo à vacinação não começou no dia 8 de dezembro, quando a idosa Margaret Keenan, de 91 anos, se tornou a primeira britânica a receber uma dose no país.

Crédito, PA Media

Em 8 de dezembro de 2020, a idosa Margaret Keenan se tornou a primeira vacinada no Reino Unido

Em 30 de janeiro de 2020, antes mesmo de haver confirmação de casos de coronavírus no Reino Unido, os cientistas da universidade de Oxford se mobilizaram para pedir recursos para pesquisa em vacinas.

Há um ano, em março de 2020, o governo anunciou investimentos de US$ 750 milhões em pesquisa para se encontrar uma vacina. No mês seguinte, foi assinada a parceria entre a Oxford e a AstraZeneca, para desenvolvimento da vacina que acabou aprovada no fim do ano. A principal vantagem do imunizante em relação aos demais é o fato de ele ser de fácil armazenamento e possuir um baixo custo de produção.

Em agosto, quatro meses antes da aprovação por órgãos regulatórios, o governo britânico já havia fechado negócios para compra de 340 milhões de doses — o que seria suficiente para administrar cinco doses por pessoas.

Esse trabalho de antecipar contratos colocou o Reino Unido na frente de outros países da Europa na corrida por vacinas. Os resultados estão aparecendo agora: o país vacinou duas vezes mais pessoas do que a Alemanha e três vezes mais do que a França.

Esse esforço parece estar tendo recompensas agora, com o Reino Unido levando vantagem em relação ao resto da Europa na reabertura da economia.

“Se você comparar os lockdowns que foram implementados — o de março do ano passado com o de janeiro deste ano — vai perceber que na primeira vez a queda no número de casos foi bem mais lenta”, disse à BBC News Brasil a pesquisadora Julii Brainard, da Norwich Medical School, na University of East Anglia.

“Agora os números caíram bem mais rapidamente, apesar de as condições serem diferentes. E qual foi a grande diferença entre os dois lockdowns? É que agora temos a vacinação acontecendo, o que acelerou a queda.”

O lockdown definitivamente teve impacto na redução dos números, mas as vacinas ajudaram a acelerar o processo.

Ela alerta que mesmo com muitas pessoas recebendo a primeira dose da vacina, estudos recentes indicam que a população pode estar relaxando nos seus hábitos.

“As pessoas não estão indo a grandes eventos e aglomerações, mas elas estão começando a retomar o contato com pessoas mais próximas e circulando mais. Isso precisa ser feito com cuidado.”

Não acabou

Mesmo com o número de mortes tendo caído substancialmente, o Reino Unido ainda está longe de ter se livrado do lockdown.

A maioria dos estabelecimentos considerados não-essenciais continua fechada e só reabrirá a partir de 12 de abril, se houver condições para isso.

Um calendário para reabertura gradual da economia prevê que até meados de junho boa parte das atividades já tenham sido retomadas. No entanto, o governo frisou que esse calendário só será cumprido caso não haja imprevistos no caminho — como atrasos na vacinação ou repique no número de casos, hospitalizações ou mortes.

“Em todos os cenários, se levantarmos o lockdown muito repentinamente, toda a modelagem sugere que teríamos um aumento substancial enquanto muitas pessoas ainda não estão protegidas”, alerta o principal assessor de saúde do governo, Chris Whitty.

“Muitas pessoas podem pensar que tudo isso acabou. É muito fácil esquecer a rapidez com que as coisas podem piorar.”

O Parlamento britânico debate agora sobre a possibilidade de estender as leis de emergência contra o coronavírus até o final de setembro.

O governo não descarta que o país pode ter uma nova onda de coronavírus no final do ano, quando o outono começar. E pesquisadores acreditam que existe a possibilidade de uma nova mutação do vírus surgir que seja imune às vacinas.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Fonte: BBC