Mulher com máscara de Carnaval em VenezaDireito de imagem Getty Images
Image caption Coronavírus levou autoridades de Veneza a encerrar as celebrações do Carnaval

Na manhã desta quinta-feira (27/02), o governador da região da Lombardia, a mais rica da Itália, decidiu entrar em quarentena autoimposta por duas semanas depois que um auxiliar dele foi diagnosticado com o novo coronavírus.

Essa região italiana se tornou o novo centro da crise ligada ao surto, que começou na China em dezembro. A doença já infectou mais de 82 mil pessoas em 50 países, e agora há mais novos casos sendo descobertos fora da China do que dentro.

Mas como a situação mudou a ponto de o governo chinês prever o controle da transmissão da doença até abril e a Itália ter cidades sob quarentena e uma explosão de centenas de casos que afetou outros seis países, incluindo o Brasil?

Explosão de casos

Atualmente, a Itália tem o maior número de casos de coronavírus na Europa, com mais de 400 infectados e 12 mortes — todos os mortos eram pessoas idosas, que apresentavam quadros clínicos já muito comprometidos por outras doenças.

A situação deteriorou rapidamente no país. Ninguém sabe direito como isso começou, mas há suspeitas.

Na crise atual, o principal desafio das autoridades é que o novo vírus pode passar de uma pessoa para outra antes de aparecem os sintomas (que podem simplesmente não aparecer nunca, a depender do paciente), algo diferente do que ocorreu com outra doença ligada a um coronavírus, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars).

Isso tem duas consequências práticas: torna muito difícil tanto encontrar o “paciente zero” (aquele que deu início ao surto) quanto monitorar todas as pessoas que tiveram contato com pacientes infectados.

Estima-se que uma pessoa infectada com o novo coronavírus transmita o vírus para até outras três, em média.

Ainda que possa gerar estigmas, identificar o “paciente zero” é importante para alguns cientistas porque ajuda na compreensão de como, quando e por que o contágio aconteceu.

‘Paciente um’

Na Itália, não é possível afirmar até agora se a explosão de casos recente teve início com uma pessoa que saiu da China ou de qualquer outro país.

Mas o governo abriu uma investigação em torno de um possível “paciente um”, um homem de 38 anos identificado como Mattia, que mora em Codogno, cidade de 16 mil habitantes considerada o epicentro do surto italiano.

O primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, acusou um hospital de falhas de procedimento para diagnosticar e isolar esse homem, que foi internado em estado grave.

Direito de imagem La Gazzetta Sportiva
Image caption Capa de jornal La Gazzetta Sportiva anuncia que jogos foram adiados por causa do vírus

Segundo a imprensa italiana, suspeita-se que esse homem esteja ligado à transmissão do vírus para a mulher grávida, um amigo dele e três idosos que frequentam o bar do pai desse amigo, além de oito profissionais de saúde e pacientes do hospital onde ele foi atendido.

Um dos problemas apontados pelo governo é que o hospital não tratou o caso como suspeito do novo coronavírus, já que não havia ligações claras entre o paciente e a China, e teriam se passado 3 dias até que ele fosse isolado.

As autoridades locais de Codogno negam qualquer falha de procedimento. Mas a pressão tem aumentado em torno da investigação que tenta descobrir a origem do surto.

Até agora, mais de 10 mil pessoas já foram submetidas a exames para detectar a doença.

‘Medidas extraordinárias’

No sábado (22/02), o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, anunciou a implementação de “medidas extraordinárias” para tentar conter o surto no norte do país.

Nas regiões da Lombardia e Veneto, 11 pequenas cidades estão isoladas sob um plano de quarentena. Durante as próximas duas semanas, 50 mil residentes não poderão sair das cidades sem uma permissão especial.

Escolas, universidades e cinemas foram fechados, e diversos eventos públicos, cancelados.

Outra consequência é um desabastecimento parcial de supermercados. Em Lissone, com 45 mil habitantes, a professora de inglês Colette Walsh afirmou à BBC que as prateleiras estão vazias em meio ao pânico da população, que passou a estocar alimentos, remédios e itens de necessidade básica.

O temor em torno da doença afetou também cidades que estão fora dessa zona de quarentena — a exemplo de Milão, capital da Lombardia, que tem 1,3 milhão de habitantes e concentra 10% da economia italiana.

Jogos de futebol foram cancelados. Desfiles de moda, esvaziados. Pontos turísticos estão fechados e diversas empresas passaram a adotar trabalho remoto. Em um dia, a Bolsa de Valores de Milão despencou 5%.

Em Veneza, que não está sob quarentena, mas está localizada em uma região (Veneto) com cidades fechadas, o Carnaval foi encerrado dois dias antes do previsto.

O avanço da doença na Itália também já começa a afetar outros países. Casos na Áustria, Croácia, Grécia, Suíça, Argélia, França, Espanha, Alemanha e Brasil foram ligados a pessoas que estiveram no norte italiano.

Para o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, episódios como o surto na Itália reforçam a visão de que o novo coronavírus tem “potencial pandêmico”, porém ele não acredita que haja, ao menos por ora, uma propagação descontrolada da doença ao redor do mundo.

E como a China conseguiu reverter o avanço do surto até agora?

Com mais de 78 mil casos da doença, a China passou a adotar medidas cada vez mais restritivas com o avanço do surto.

Gradualmente, aulas foram suspensas, empresas reduziram expedientes ou fecharam, sistemas de transporte público foram paralisados, a circulação de pessoas nas ruas foi praticamente proibida. Por fim, a medida mais restritiva foi o fechamento de cidades inteiras.

Mais de 50 milhões de pessoas foram submetidas a quarentenas. Em alguns casos, elas eram proibidas até mesmo de sair de casa.

“Essas ações podem ter impacto econômico e social em indivíduos e comunidades. No entanto, estudos mostram que a adoção em etapas dessas intervenções podem reduzir a transmissão em comunidades”, explica o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC).

Para especialistas, apesar de todos os transtornos que essas medidas causam, elas têm funcionado para conter o avanço da doença na China.

Há uma tendência de queda no número de novos casos no país há mais de duas semanas. E pela primeira vez, a China deixou de corresponder à maioria dos novos registros da doença no mundo.

Autoridades chinesas afirmam, inclusive, que a previsão de é conter as transmissões até abril.

Atualmente, os cinco países com mais casos são: China (78.497), Coreia do Sul (1.595), Itália (453), Japão (189) e Irã (139).

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Fonte: BBC