C919, primeiro grande jato da Comac para passageiros, participa de testes em Xangai em 2017Direito de imagem Getty Images
Image caption C919, primeiro grande jato da Comac para passageiros, participa de testes em Xangai em 2017

Ao longo da última década, a China, que se tornará em breve o maior mercado de aviação do mundo, vem conseguindo reduzir a dependência de fabricantes ocidentais graças ao desenvolve sua própria indústria aeronáutica.

Os aviões fabricados pela Commercial Aircraft Corporation da China – ou Comac – receberam muitas críticas.

Especialistas avaliam que dificilmente os jatos fabricados na China conseguirão rivalizar com os da Boeing e da Airbus no curto prazo.

Mas estima-se que, com o tempo, uma Comac apoiada pelo Estado – parte da ampla estratégia da China para fabricação de alta tecnologia – poderia desafiar o domínio do setor.

“Não podemos subestimar a capacidade chinesa de entrar nos mercados e também de criar um nicho no qual a Airbus e a Boeing não estejam interessadas, como a África ou a Ásia Central”, afirmou Shukor Yusof, da Endau Analytics.

Quais aeronaves a Comac fabrica?

Até agora, a companhia chinesa construiu dois jatos – o ARJ21 e o C919 – e está trabalhando com a Rússia em um terceiro modelo.

Somente o ARJ21, com capacidade para 90 passageiros, está em serviço. Mas após diversos atrasos, barulhos na aeronave e outros problemas, ela foi considerada inferior a modelos de concorrentes, como a brasileira Embraer e a canadense Bombardier.

Entre os críticos está Richard Aboulafia, analista de aviação do Teal Group.

Ele diz que, embora a aeronave tenha sido apresentada como uma prova de que a China seria a próxima grande fabricante global de jatos, ela se tornou um “produto com excesso de peso e incrivelmente obsoleto que não tem relevância fora do minúsculo setor de companhias aéreas da China”.

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Image caption Aeronave da Comac, ARJ21, que pertence à Chenghu Airlines

A Comac tem maiores expectativas para o C919. Com capacidade para 168 pessoas, o primeiro grande jato de passageiros da China foi projetado para competir com o 737 Max da Boeing e o A320neo da Airbus.

Seu terceiro voo de teste foi concluído em dezembro, e as primeiras entregas estão previstas para 2021.

Procurada pela BBC, a Comac não respondeu aos pedidos de entrevista.

Mas dados da consultoria Frost & Sullivan mostram que a empresa fechou quase mil acertos (inclui pedidos, opções de compra e memorandos de entendimento) para o C919, principalmente de companhias aéreas chinesas e empresas de leasing domésticas. A carteira de encomendas inclui as três principais transportadoras do país: Air China, China Southern e China Eastern.

Ainda assim, parte dos especialistas continua cética acerca do prazo de entrega de 2021 em razão dos problemas que cercaram seu primeiro avião.

Aboulafia, do Teal Group, diz que há um “sério risco” de que, quando o C919 entrar em serviço, a Airbus e a Boeing tenham modelos muito melhores em oferta.

Em parceria com a Rússia, a Comac também está desenvolvendo o CR929, uma aeronave de fuselagem larga com alcance de 12.000 km e capacidade para 280 passageiros.

Onde os jatos da Comac podem voar?

Até agora, apenas o órgão regulatório de aviação da China certificou as aeronaves da Comac para voar. Os aviões da empresa podem operar em partes da Ásia, da África e da América do Sul que reconhecem a certificação chinesa.

No entanto, a expansão para além desses mercados depende de uma luz verde da FAA das agências reguladoras dos Estados Unidos (FAA) e da Europa (Easa), algo que está longe de acontecer.

“Há uma grande interrogação se de fato haverá essa certificação do Ocidente”, afirma Ellis Tayloro, editor de finanças da Flight Global na Ásia.

Segundo ele, a Comac esperava que o ARJ21 recebesse a certificação da FAA, “mas isso foi arquivado indefinidamente”.

A empresa consegue sobreviver sem EUA e Europa?

Mesmo que essas portas permaneçam fechadas, a Comac tem acesso a um mercado enorme e crescente. Em meados da década de 2020, espera-se que o mercado de aviação da China ultrapasse o dos EUA como o maior do mundo em tráfego.

Eles são compradores relevantes de aeronaves ocidentais, e a crise de segurança envolvendo aviões da Boeing pode incrementar a demanda pela fabricação local.

O país opera a maior frota de aeronaves Boeing 737 Max e foi o primeiro a vetar novos voos do avião após o acidente da Ethiopian Airlines que matou 157 pessoas em março. O mesmo modelo se envolveu em um acidente da Lion Air que matou 189 pessoas menos de cinco meses antes.

O consultor aeroespacial da Frost & Sullivan, Ramesh Tanjavuru, diz que, desde que a Comac assegure a certificação, os problemas da Boeing poderiam favorecer o crescimento do C919 na China e no exterior.

“Eles poderiam preencher a lacuna e ser um participante significativo no mercado da China.”

Quais são os alvos da Comac?

A fabricante chinesa também está de olho em mercados emergentes na África e na Ásia. Seus aviões são mais acessíveis, com o preço de venda do C919 de cerca de US$ 50 milhões (cerca de R$ 196 milhões), aproximadamente a metade do preço de um Airbus A320neo.

Os planos de expansão para essas regiões também estão ligados a objetivos mais amplos da política externa de Pequim.

A China está investindo até US$ 1 trilhão em projetos de infraestrutura ao redor do mundo, e o impulso na fabricação de aviões é parte dessa iniciativa.

Países da África, por exemplo, receberam empréstimos para construir aeroportos projetados para atender às exigências do ARJ21.

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Fonte: BBC