PETRÓPOLIS, RJ (FOLHAPRESS) – A China interrompeu parcialmente a emissão de vistos para cidadãos da Coreia do Sul nesta terça-feira (10) –dias depois de reabrir suas fronteiras após três anos de isolamento. A ação é vista como uma resposta ao anúncio de Seul de que passaria a exigir testes negativos de Covid-19 de viajantes de Pequim em meio ao surto de coronavírus vivido pela ditadura desde que ela relaxou sua política de Covid zero, no final do ano passado.

Embora a China tenha imposto a recém-chegados exigências de testagem similares àquelas agora requisitadas pela Coreia do Sul, o porta-voz da chancelaria chinesa, Wang Wenbin, afirmou que a medida sul-coreana é discriminatória e que seu país agiria de maneira recíproca. O primeiro destes atos foi implementado já nesta terça, quando a embaixada chinesa em Seul suspendeu a emissão de vistos sul-coreanos para viagens de curta duração à China.

Algo semelhante ocorreu no Japão depois que este estabeleceu restrições à entrada de chineses. De acordo com a agência de notícias Kyodo, a China teria alertado uma série de agências de viagem locais que pararia de emitir novos vistos para japoneses. Questionada pela Reuters, a embaixada chinesa em Tóquio não confirmou nem desmentiu a informação.

Coreia do Sul e Japão não foram as únicas nações a impor restrições à passageiros vindos da China desde que ela comunicou a retomada de viagens internacionais. A lista inclui mais de dez outros países, entre eles Estados Unidos, Reino Unido e Itália, que expressaram preocupação com a chance de que a alta transmissão de Covid observada no gigante asiático agora dê origem a novas variantes, capazes de escapar às vacinas atuais. Sanitaristas afirmam que a medida adotada por esses países –exigir testes negativos antes de embarcar ou na chegada ao aeroporto– não é o suficiente para conter novas infecções.

O cenário é agravado pelo fato de que o regime deixou de publicar números oficiais sobre infecções e mortes em decorrência do coronavírus. O apagão foi criticado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que afirmou que os números atuais sub-representam o impacto real da doença –a empresa de dados britânica Airfinity Daily estima que hoje o país registre, diariamente, cerca de 3 milhões de casos e 18,900 mortes.

As autoridades chinesas negam que a decisão de deixar de publicar dados tenha motivação política. “Desde o surto, a China tem tem tido uma atitude aberta e transparente”, afirmou Wang. A mídia estatal também tem afirmado que o pico da Covid já passou, com infecções diminuindo na capital e em várias províncias pelo país.

O princípio de reciprocidade já tinha sido evocado pela China quando os primeiros países anunciaram restrições a viajantes oriundos do país. Na ocasião, um porta-voz da diplomacia afirmou que a nação estava disposta a melhorar a comunicação com o mundo, mas se opunha firmemente a tentativas de “manipular as medidas de prevenção e controle da epidemia para fins políticos” e que tomaria “as ações correspondentes”.

Cabe notar, no entanto, que determinações como aquelas impostas pela China à Coreia do Sul e ao Japão não foram foram aplicadas a nenhum país ocidental. Pesquisadora da Universidade Fudan, em Xangai, Karin Vazquez, lembra que o vínculo do regime com Seul é muito distinta daquela mantida, por exemplo, com os Estados Unidos –tanto em termos econômicos quanto políticos. Agir de forma semelhante em relação aos americanos não seria percebido como reciprocidade, mas como uma afronta.

Além disso, criar mais dificuldades para a entrada de estrangeiros não só representaria uma espécie de retomada da política da Covid zero –flexibilizada de forma um tanto abrupta, depois de uma onda de protestos com poucos precedentes–, como contrariaria o que Vazquez descreve como uma tentativa do regime de propor uma agenda positiva ao se reconectar com o mundo.

“Toda a onda positiva da abertura da economia e das fronteiras iria por água abaixo, assim como o quanto o partido e Xi Jinping podem capitalizar em cima dela”, diz a pesquisadora.

Ela alerta que, mesmo assim, é possível que seja só uma questão de tempo até que a China use o princípio de reciprocidade para barrar visitantes de países impuseram restrições a cidadãos vindos de seu país. Mas isso representaria um enorme custo político –e os desgastes nessa área, que incluem mas não se limitam à pandemia, já tiveram grandes impactos na economia chinesa nos últimos anos.

O estremecimento das relações diplomáticas da China com Coreia do Sul e Japão não parece ter diminuído o otimismo dos mercados asiáticos quanto à reabertura das fronteiras. Antes da pandemia, chineses costumavam gastar cerca de US$ 250 bilhões por ano no exterior.