Princesa Diana e Martin Bashir

A entrevista de Martin Bashir no Panorama com a Princesa Diana foi transmitida em 1995

A BBC anunciou que pretende realizar uma investigação interna para determinar se um de seus jornalistas agiu de forma maliciosa ao obter uma das entrevistas mais famosas da história da televisão britânica.

Em 1995, o repórter Martin Bashir conseguiu o que muitos jornalistas tentavam há anos: uma entrevista exclusiva com a princesa Diana. Assistida por mais de 20 milhões de britânicos, a entrevista foi considerada o “furo do século”. Nela, a princesa Diana revelou o motivo pelo qual havia se separado do príncipe Charles — um grande escândalo extraconjugal envolvendo a família real britânica. “Éramos três neste casamento”, disse Diana em referência ao relacionamento de seu marido com Camilla Parker-Bowles, hoje casada com Charles.

Neste mês, o jornal Daily Mail publicou revelações feitas pelo irmão de Diana, Charles Spencer, que apresentou Bashir à princesa na época, possibilitando que a famosa entrevista fosse feita.

Spencer diz que Bashir conseguiu conquistar a confiança dele e de Diana ao demonstrar que havia uma conspiração da família real contra a princesa.

No entanto, segundo o jornal Daily Mail, as alegações feitas por Bashir seriam mentiras, criadas com a intenção de conquistar a confiança da princesa para que ela concedesse a entrevista exclusiva.

O irmão de Diana sustenta sua acusação com anotações que fez em um caderno daquele encontro nos três meses antes da entrevista. Segundo as anotações, Bashir teria listado uma série de alegações sobre a suposta rede secreta de vigilância. Bashir teria dito que a correspondência da princesa havia sido violada, que seu carro era seguido e que seu telefone tinha sido grampeado.

Segundo Spencer, Bashir teria dito ainda que um relógio do príncipe William tinha um dispositivo capaz de gravar conversas. De acordo com a reportagem, essa e outras informações “extraordinárias” foram consideradas “fantasiosas” por Spencer que passou a suspeitar de Bashir.

Bashir também teria apresentado extratos bancários de pessoas que trabalhavam para a família real. No entanto, esses extratos haviam sido forjados por um designer, a pedido do jornalista da BBC. Bashir disse ao irmão de Diana que esses extratos comprovavam que essas pessoas estavam recebendo dinheiro do serviço secreto britânico — supostamente em troca de informações privilegiadas sobre Diana.

A apresentação de Diana ao jornalista, no entanto, já havia sido feita e Bashir havia conseguido conquistar a atenção da princesa, segundo o irmão.

A BBC, que já havia conduzido uma investigação sobre o assunto e inocentado o jornalista nos anos 1990, prometeu agora realizar outra investigação. Uma peça-chave da investigação original, que tinha como objetivo determinar se Diana havia sido convencida a conceder a entrevista por meio de premissas falsas, foi um depoimento escrito à mão pela princesa em que ela afirmava não ter visto os extratos forjados e que eles não tiveram nenhum papel em sua decisão de participar da entrevista.

Quase 23 milhões de pessoas assistiram à entrevista em 1995

Em nota, a BBC disse que “infelizmente, estamos limitados pelo simples fato de não termos como discutir nada disso com Martin Bashir, que está gravemente doente. Quando ele se recuperar, iremos certamente conduzir uma investigação sobre esses temas”.

Martin Bashir é hoje correspondente da BBC para assuntos religiosos. Mas está em licença médica do trabalho, já que sofreu complicações decorrentes de cirurgias cardíacas e também da covid-19, que ele contraiu no começo do ano.

Segundo o irmão de Diana, os extratos bancários forjados apresentados por Bashir foram determinantes para que ele decidisse apresentar Diana ao jornalista.

O repórter especial da BBC para assuntos sobre a família real, Jonny Dymond, disse que viu as anotações que Charles Spencer fez sobre o caso. Elas parecem registrar Bashir contando “mentiras e mais mentiras sobre membros da família real e sua equipe, em uma tentativa, segundo Spencer, de ganhar sua confiança e a de sua irmã, Diana”.

Bashir também acusava o guarda-costas da princesa de conspirar contra ela, e amigos próximos de vazar histórias para a imprensa.

A entrevista de 1995 com Diana, no programa Panorama, da BBC, foi uma das que mais repercutiram na história da televisão britânica — e agravou a briga entre a princesa e a família real.

Na época, a princesa Diana estava separada do príncipe Charles, mas ainda não havia se divorciado.

Uma investigação conduzida internamente em 1996 pelo então diretor de notícias da BBC (e futuro diretor-geral da empresa), Tony Hall, revelada apenas agora ao público graças a leis de acesso à informação, mostrou que a empresa concluiu na época que Martin Bashir era um “homem honesto”.

A BBC disse que Bashir está atualmente se recuperando de uma cirurgia cardíaca e complicações da Covid-19

Essa mesma investigação resultou na demissão sumária do designer gráfico Matt Wiessler, que criou os extratos bancários falsos. Wiessler, no entanto, alega que fizera os extratos a pedido de Bashir sem saber para que seriam usados — e que só se deu conta da ligação entre a entrevista e o trabalho após a transmissão.

“É um pouco como culpar a caneta por escrever uma carta desagradável. Não pude acreditar quando vi o release da lei de acesso à informação. Fiquei absolutamente pasmo que em uma reunião do conselho de diretores [da BBC] que estavam lá para averiguar o que Martin tinha feito, eu fui feito de bode expiatório”, disse Wiessler em entrevista nesta semana para a BBC.

“Não sei como é possível contar uma história na qual um designer gráfico leva a culpa por usar documentos copiados como falsificação. Eu convivo com isso há 25 anos.”

O irmão de Diana, Charles Spencer, conta que os documentos foram fundamentais para garantir a entrevista com ela e que, sem isso, a princesa não teria participado do programa da BBC.

A BBC se desculpou pelos extratos bancários falsos, mas insiste que isso “não teve nenhum papel em sua decisão [de Diana] de participar da entrevista”.

BBC sob escrutínio

Desde as revelações deste mês do Daily Mail, e também de um documentário do canal de televisão Channel 4, a BBC passou a ser alvo de críticas.

Charles Spencer diz que a investigação conduzida em 1996 pelo então diretor de notícias da corporação, Tony Hall, foi feita apenas para acobertar os culpados.

O designer gráfico afirma que a investigação da BBC arruinou sua carreira.

“Quero que a emissora pública diga agora o que é a coisa certa a se dizer para todos os envolvidos, olhar para o dano que isso causou e, certamente, pedir desculpas publicamente. Meus filhos sabem que as pessoas me chamam de falsificador. Eu era um premiado designer gráfico”, disse Wiessler.

Quando perguntado sobre por que não denunciou Bashir ou a BBC antes, ele respondeu: “Porque eu não sou ninguém. Com quem eu falaria? Eu tive que fazer algo para me reinventar, começar uma nova vida. Eu me mudei para 250 milhas de Londres. E isso também afeta a minha autoconfiança”.

O atual diretor-geral da BBC, Tim Davie, que assumiu o cargo neste ano, disse na segunda-feira que a empresa está levando o caso “muito a sério” e que vai investigar tudo até descobrir a verdade.

“Estamos no processo de encomendar uma investigação robusta e independente.”

O ex-presidente do conselho da BBC, Michael Grade, — que não esteve envolvido no caso — disse que existe uma “nuvem negra sobre o jornalismo da BBC” e que é urgente esclarecer tudo que aconteceu.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Fonte: BBC