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Image caption O líder do Vox, Santiago Abascal, classifica seu partido como de ‘extrema necessidade’

“É muito importante que haja na Espanha um partido baseado na soberania e na identidade do povo espanhol, e que esteja disposto a defender suas fronteiras.”

A declaração, feita há pouco mais de um ano, é de Steve Bannon, ex-estrategista-chefe do presidente dos EUA, Donald Trump.

Bannon estava a caminho de uma reunião com Rafael Bardají, atual estrategista do partido de direita radical Vox, que acaba de chegar pela primeira vez ao Parlamento espanhol.

Criada em 2013 e com uma estrutura mínima, a legenda conquistou 24 cadeiras nas eleições deste domingo, marcadas pela vitória do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), do atual primeiro-ministro, Pedro Sánchez.

Até então, a Espanha não tinha nenhum partido da direita radical com representação parlamentar em nível nacional.

Apesar da conquista, o Vox não será decisivo para a formação do governo, já que os partidos de direita ficaram longe de atingir a maioria absoluta de 176 assentos.

A primeira ascensão do Vox na cena política espanhola aconteceu em dezembro de 2018, quando obteve 11% dos votos nas eleições regionais da Andaluzia e se tornou uma peça chave para a nomeação do governo local.

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Image caption Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump, demonstrou simpatia pelo Vox em entrevista

Em entrevista recente ao jornal El País, Bannon, que também declarou apoiou ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, previu que o Vox poderia alcançar um resultado “surpreendente” nas eleições e demonstrou simpatia pelos líderes da legenda.

“Não são profissionais, mas são orgulhos disso. Estão próximos de Bolsonaro e Salvini (vice-primeiro-ministro da Itália)”, afirmou Bannon, que agora está lançando um projeto para expandir seu populismo nacionalista e conservador na Europa.

Mas o que o Vox tem em comum com os fenômenos Trump e Bolsonaro?

“São partidos que se baseiam principalmente em emoções, em reivindicações de caráter cultural, muito mais do que em políticas concretas. Acho que se parecem muito nisso”, diz à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, José Ignacio Torreblanca, diretor do centro de estudos do Conselho Europeu de Relações Exteriores em Madri.

“O Vox é o partido do orgulho de ser espanhol, face ao desafio na Catalunha.”

A importância da Catalunha

Sem a crise que foi desencadeada na Catalunha, em outubro de 2017, com o referendo da independência, declarado ilegal, e a proclamação da sua independência semanas depois, seria difícil entender a ascensão do Vox.

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Image caption A oposição à independência da Catalunha e o nacionalismo espanhol estão na base da ideologia do Vox

O nacionalismo espanhol é a principal bandeira do partido e do seu líder, Santiago Abascal, de 43 anos, que foi um político do Partido Popular conservador do País Basco, antes da dissolução do grupo separatista ETA, que tinha o objetivo de tornar a região basca um Estado independente.

A principal força motriz do Vox, explica Torreblanca, são as “pessoas que há muito tempo pensam que tiveram de ocultar ou esconder sua identidade nacional, porque seria uma provocação, ou porque seriam chamadas de facha (uma referência coloquial em espanhol a quem defende o fascismo)”.

Nas palavras do próprio Abascal: “Uma esperança em torno de uma Espanha unida, uma Espanha em liberdade”.

O líder do partido propõe eliminar parlamentos e governos regionais para devolver o poder ao Estado, rompendo com o consenso territorial estabelecido pela Constituição de 1978 e desafiando claramente as nacionalidades históricas: Galícia, País Basco e Catalunha.

Esse fator emocional seria comparável ao uso que Bolsonaro faz do estigma do comunismo no Brasil, ou às críticas de Trump à China e à globalização, segundo Torreblanca.

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Image caption Bolsonaro e Trump demostraram simpatia mútua após reunião em março deste ano

E, na mesma linha, uma das críticas feitas ao partido é a falta de propostas concretas, à qual Abascal costuma responder dizendo que o Vox não é um partido de “rótulos”.

“O Vox veio fazer um clamor em favor da sobrevivência da nação”, afirmou em entrevista à rede Intereconomia.

Vox é um partido populista?

Apesar da sua retórica – em que abundam referências ao “senso comum” e críticas aos partidos de esquerda por quererem “transformar a realidade”, em vez de aceitá-la como ela é -, o cientista político Pepe Fernández Albertos acredita que não.

“É um partido de extrema-direita clássico, uma dissidência à direita do Partido Popular”, avalia o especialista, autor do livro Antissistema: Desigualdade Econômica e Precariedade Política.

Abascal classifica seu partido, por sua vez, como de “extrema necessidade”.

“Não somos antifascistas, nem fascistas, somos antipodemos (referindo-se à coligação de esquerda Unidos Podemos) e anticomunistas”, afirmou em entrevista a uma rede de televisão.

O partido não questiona a ordem constitucional e se declara defensor do Estado de Direito.

O Vox não tentou, até agora, ser o porta-voz dos pobres ou da classe média empobrecida, como Marine Le Pen fez com a Frente Nacional na França, tornando o partido muito mais favorável às políticas sociais e à existência de um Estado forte.

Isso também diferencia o Vox de Trump, que chegou ao poder graças à polarização que existia nos EUA e porque conseguiu expandir o apoio republicano tradicional para segmentos da classe baixa branca, com pouco nível de instrução ou rural, explica Albertos.

Mas as propostas do Vox na esfera econômica são de viés neoliberal, como a redução e a eliminação de impostos ou a introdução de um sistema misto de Previdência com a presença do setor privado.

“Respeitando as devidas diferenças, acho que neste aspecto é muito mais parecido com Bolsonaro do que com Trump”, avalia Albertos, uma vez que o presidente dos EUA é a favor de políticas mais protecionistas.

O que o Vox compartilha da ideologia de Trump é sua atração por muros: o partido quer construir uma barreira de concreto em torno dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, no norte da África, para evitar a imigração, e quer que o Marrocos colabore com a construção.

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Image caption O Vox propõe a construção de um muro para evitar a migração ilegal nos enclaves de Ceuta e Melilla

Também propõe expulsar os imigrantes ilegais e impedir que aqueles que chegam à Espanha sem documentos possam regularizar sua situação.

A família ‘natural’

“Os partidos europeus de extrema-direita cumprem três requisitos”, afirmou à BBC News Mundo Pablo Simón, professor visitante da Universidade Carlos III de Madri.

“São autoritários, xenófobos e nacionalistas, e seguem estratégias ou retóricas populistas.”

Mas cada um tem suas peculiaridades, e uma característica específica do Vox – além de sua postura territorial – é “sua visão extremamente católica reacionária”.

“São muito duros em questões culturais sobre os direitos das mulheres, minorias sexuais etc.”, diz Simón.

O Vox quer acabar com a lei de violência de gênero, por considerar que discrimina os homens, e acredita que existe apenas a família “natural” – formada por um homem e uma mulher.

“Tenho quatro filhos e duas filhas, quero uma lei que proteja elas de qualquer agressor e eles de denúncias falsas de qualquer (mulher) sem escrúpulos”, declarou Abascal em uma entrevista.

De acordo com o Ministério Público da Espanha, as denúncias falsas de violência de gênero corresponderam a 0,013% do total de 166.260 casos em 2017 (dados mais recentes disponíveis).

Além disso, o Vox é contra o aborto – que, de acordo com a lei atual na Espanha, é permitido nas primeiras 14 semanas de gestação, sem necessidade de justificativa. Mas o partido acredita que o sistema público de saúde não deveria financiar as intervenções.

Assim como Trump e Bolsonaro, Abascal se apresenta como um outsider, embora tenha ocupado seu primeiro cargo público em 1999.

Ele também adota um discurso inflamado contra a imprensa, que acusa constantemente de atribuir estigmas ao partido que dirige: “Nos atos do Vox há imigrantes, mulheres, homossexuais, catalães e bascos. O que falam do Vox é uma caricatura.”

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Image caption Políticos e ativistas catalães estão sendo julgados por fatos relacionados à declaração de independência da Catalunha

Por tudo isso, seu modo preferido de comunicação é pelas redes sociais, que ele soube explorar a seu favor, e onde encontrou “um espaço próprio, alheio à mídia tradicional e ao escrutínio público”, explica à BBC News Mundo Cristina Monge, analista política e professora da Universidade de Zaragoza, na Espanha.

“É notório que a rede social que eles mais usam, além do Instagram, é o Whatsapp, como o Bolsonaro.”

“No Whatsapp, você recebe (as mensagens) do seu primo ou colega de trabalho, o que confere mais credibilidade às mensagens”, garante Monge.

Devido à ascensão meteórica, no entanto, talvez ainda seja cedo demais para fazer um raio-x completo deste novo partido.

Além disso, como outras legendas europeias de direita radical – como o partido Alternativa para a Alemanha ou o partido dos Verdadeiros Finlandeses – é de se esperar que o Vox se transforme ao longo dos próximos meses e anos.

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Fonte: BBC