Pessoa com luva de boxe indicando confronto entre China e Hong KongDireito de imagem Getty Images

Hong Kong está em contagem regressiva para 2047. Se nada mudar, esse é o ano em que o território passará a ser controlado completamente pela China.

A China cedeu Hong Kong ao Reino Unido em 1842 após a Primeira Guerra do Ópio. Por cerca de um século e meio, o território foi uma colônia britânica.

E só foi devolvido aos chineses em 1997, quando Hong Kong passou a ser uma região administrativa especial da China.

À época, ficou acertado que Hong Kong teria um grau elevado de autonomia, o que inclui um sistema político e uma estrutura econômica próprios. A exceção trataria das áreas de defesa e relações exteriores, ambas sob o controle da China.

O acordo de devolução sob um modelo chamado de “um país, dois sistemas” duraria 50 anos.

No entanto, ninguém sabe exatamente o que vai acontecer em 2047 com o território de 7,4 milhões de habitantes.

Há diferentes cenários possíveis. Além de passar a ser controlada integralmente pela China, discute-se também a possibilidade de estender o prazo, de assegurar independência total a Hong Kong ou até mesmo de firmar novos termos com a China para uma solução intermediária.

Em 2014, contudo, um conselho do governo chinês publicou um documento oficial, chamado Livro Branco sobre Hong Kong. Nele, assinalavam que o objetivo é a “reunificação do continente” e lembravam que o território tem autonomia sobre assuntos locais desde que tenha permissão do poder central.

Analistas internacionais advertem que esse poder que Pequim tenta exercer sobre Hong Kong está cada vez mais acentuado. Tem impulsionando também um processo de homogeneização do território, na tentativa de diminuir as diferenças que existem entre a China continental e o território semiautônomo.

Essa postura de Pequim tem gerado resistência em Hong Kong.

Milhões de pessoas saíram às ruas nas últimas semanas, inicialmente motivadas por uma lei que autorizaria extradições de cidadãos locais ao território chinês propriamente dito. Os protestos serviram também para externar a insatisfação mais difusa de cidadãos de Hong Kong com Pequim.

Na segunda-feira (1º), dia do aniversário da transferência da soberania sobre Hong Kong do Reino Unido à China, manifestantes invadiram e ocuparam a sede do legislativo e depredaram seletivamente alguns símbolos da soberania de Pequim, depois de semanas de imensas manifestações.

Mas você sabe quais são as principais diferenças entre a China e o território semiautônomo?

A BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC News, listou cinco dessas diferenças.

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Image caption Diferente da China, dependente de matéria_prima e produtos manufaturados, a economia de Hong Kong tem como base o setor de serviços e finanças

1. Sistema político

A República Popular da China é um Estado socialista comandada por um único partido, o Partido Comunista chinês, ainda que existam outros partidos no país.

Segundo o estatuto do Partido Comunista do país, 90 milhões de filiados selecionam 2.300 delegados que, por sua vez, votam nos 200 membros do comitê central.

Esse comitê é quem elege o Politburo com seus 25 integrantes, o comitê permanente que tem de cinco a nove membros e o secretário-geral que, na prática, é o principal líder do partido.

Desde 2012, esse posto é ocupado por Xi Jinping, que também assumiu o cargo de presidente da China em 2013.

Hong Kong, por sua vez, também tem como presidente Xi Jinping. Mas o território tem o próprio governo.

O chefe do Executivo local é eleito por votação secreta por um comitê de 1.200 pessoas escolhidas pelo próprio governo central.

O mandato é de cinco anos e renovável por duas vezes consecutivas, no máximo. Desde 2017, a chefe do governo local de Hong Kong é Carrie Lam, que condenou a violência e o vandalismo dos protestos mais recentes.

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Image caption Carrie Lam é, desde 2017, chefe do Executivo em Hong Kong

Hong Kong também tem uma Assembleia Legislativa com 70 integrantes, entre eles políticos, empresários, sindicalistas, professores, líderes religiosos e até celebridades, eleitos por residentes com mais de 18 anos. Metade das vagas é ocupada por representantes de regiões geográficas e a outra metade por representantes de empresas ou associações.

Ainda que Hong Kong não seja uma democracia plena, a Assembleia é eleita por um segmento mais diverso da sociedade se comparado à China continental.

Nos últimos anos, contudo, tem aumentado a demanda por mais democracia em Hong Kong, com uma série de manifestações que se repetem nas ruas há mais de uma década contra políticas e leis impostas pela China.

2. Sistema judicial

O sistema legal de Hong Kong é bastante distinto do modelo continental chinês. Ele se assemelha ao sistema britânico, em que a transparência e independência dos processos judiciais são prerrogativas previstas em lei – no caso de Hong Kong estão na chamada Lei Básica, uma espécie de carta constitucional do território semiautônomo.

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Image caption Xi Jinping é presidente da China e de Hong Kong

Na China continental, por sua vez, o Partido Comunista controla todos os aspectos do processo judicial e críticos afirmam que é um sistema bastante corrupto que não oferece garantias mínimas aos que são processados.

No entanto, a Lei Básica também está subordinada ao comitê permanente do Congresso Nacional da China, que tem o poder de emitir uma interpretação final e vinculante das leis. Assim, nesse aspecto, a independência do sistema não é integralmente garantida uma vez que Pequim tem a última palavra.

3. Direitos civis

Ainda que Pequim tenha a última palavra em relação à legislação de Hong Kong, os cidadãos do território semiautônomo têm uma série de liberdades civis exclusivas. Diferente do resto da China, desfrutam de liberdade de imprensa, de associação e de expressão.

No entanto, episódios nos últimos anos colocaram em xeque essas prerrogativas.

Em 2014, líderes estudantis foram detidos e acusados de traição por terem participado da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, que ganhou esse nome em referência aos guarda-chuvas usados como proteção do gás lacrimogêneo lançado pelas forças de segurança. Estudantes foram às ruas contra a decisão de Pequim de fazer uma reforma educacional na qual se exaltava nas escolas os valores comunistas.

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Image caption Em 2014, Hong Kong assistiu à Revolução dos Guarda-Chuvas

Professores críticos ao sistema comunista também foram detidos, e livrarias consideradas “subversivas” têm sido fechadas por publicarem ou venderem obras com críticas ao regime chinês.

Ainda assim, a mídia e o acesso à informação em Hong Kong são visivelmente mais diversos que no resto da China. Redes sociais como Facebook, Twitter, WhatsApp, por exemplo, são permitidos sem restrições.

Cidadãos de Hong Kong também têm passaporte diferente dos chineses, que permite viajar à maioria dos países do mundo, entre eles os EUA e aos Estados-membros da União Europeia sem necessidade de solicitar visto.

4. Economia

O modelo “um país, dois sistemas” permite que Hong Kong conviva, paradoxalmente, com o socialismo e o capitalismo ao mesmo tempo no mesmo lugar. Dessa forma, enquanto as empresas da China são regidas por um sistema comunista, controlados em sua maior parte pelo Estado, Hong Kong tem um sistema livre de mercado.

A República Popular da China não interfere nas leis fiscais da região administrativa e não cobra nenhum tipo de imposto.

A economia chinesa, assim como a de outros países em desenvolvimento, depende principalmente da produção de matéria-prima e produtos manufaturados. Já a economia de Hong Kong se baseia nos setores de serviços e finanças.

As moedas são distintas. Enquanto a China usa o renminbi, o território semiautônomo tem o dólar de Hong Kong.

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Image caption Em 2019, manifestantes voltaram às ruas de Hong Kong para protestar contra a interferência chinesa

A moeda de Hong Kong opera num câmbio vinculado ao dólar dos EUA e se submete às regras do mercado internacional, algo que não acontece com a moeda chinesa.

E a economia local é reconhecida por impostos mais baixos, livre comércio e pequena interferência das autoridades governamentais nas atividades empresariais.

5. Idioma

A China continental e Hong Kong não falam a mesma língua. O idioma oficial da China é o mandarim. No entanto, existem no país uma série de dialetos e outros idiomas, entre eles o cantonês, que se fala em Hong Kong.

O mandarim, contudo, é ensinado em todas as escolas, inclusive em Hong Kong. Mas no dia a dia, tanto nas ruas quanto no trabalho, o cantonês é mais falado no território semiautônomo que o mandarim. O inglês também é usado, em especial em placas de sinalização nas ruas e nos transportes coletivos.

A forma das palavras escritas nos dois lugares também difere. A China continental usa uma forma simplificada, que elimina muitos traços e caracteres sob o argumento de que isso melhora os índices de alfabetização. Em Hong Kong, é adotada a forma escrita tradicional, com uma maior variedade de caracteres e traços mais complexos.

Por isso, segundo o serviço chinês da BBC News, a diferença mais importante entre China e Hong Kong é a forma de pensar das pessoas.

Hong Kong é bastante influenciada pela cultura britânica e, por isso, as pessoas lá defendem de forma mais incisiva seus direitos e são mais abertas a expressarem opinião e a mostrarem individualidade.

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Image caption A maioria da população mais jovens em Hong Kong não se identifica como chinesa

Na China, ser diferente é considerado um problema e muita gente prefere passar despercebida.

Ainda que a maioria das pessoas em Hong Kong tenha origem chinesa e o território pertença à China, muita gente não se identifica com os chineses. Várias pesquisas da Universidade de Hong Kong mostram que uma parcela significativa da população se identifica como ‘hongkongers’ e que apenas 15% se identificam como chinês.

Essa diferença é ainda mais forte entre os jovens. Levantamento feito em 2017 mostrou que apenas 3% das pessoas com idade entre 18 e 29 anos se declaravam como chineses em Hong Kong.

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Fonte: BBC