IVAN FINOTTI
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Este sábado (15) marca um dia histórico para a Alemanha. É quando as três últimas usinas nucleares serão definitivamente fechadas, à meia-noite. O ato encerra a era da energia nuclear comercial na Alemanha, uma fonte de energia para gerar eletricidade, que teve seus princípios na década seguinte ao final da Segunda Guerra Mundial, com o início das construções da usina de Kahl, em 1958.

A Guerra da Ucrânia, que fechou a torneira do gás russo para a Alemanha, atrasou o encerramento dessas últimas três plantas em alguns meses. Mas a crise energética não foi suficiente para fazer o governo mudar de ideia.

Em outubro do ano passado, o primeiro-ministro Olaf Scholtz anunciou que as manteria em operação apenas até o meio de abril de 2023. Essas três remanescentes, que ficam no noroeste, sudoeste e sudeste do país, contribuem com 6% da eletricidade alemã.

Atualmente, a eletricidade vinda de fontes renováveis na Alemanha chega a 44% da produção total, enquanto o carvão, a principal fonte no país, foi reduzido de cerca de 60% em 1990 para 30% agora. Já a energia nuclear, com 19 usinas em 1990, respondia por pouco mais de um terço da eletricidade alemã.

No lugar destas, estão entrando -não apenas na Alemanha, mas em toda a Europa- as novas fontes eólicas, solares e de biocombustíveis. Gás e hidrelétricas seguem com seu quinhão mais ou menos igual.

Sobre o fechamento, o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Steffi Lemke, do Partido Verde, afirmou que “os riscos da energia nuclear são incontroláveis; é por isso que a eliminação da energia nuclear torna nossa país mais seguro e evita mais lixo nuclear.”

“Essa possibilidade [de eletricidade gerada a partir de energia nuclear] acabou. Dezessete usinas foram fechadas desde 2010 e não há opção de iniciarmos novas construções. A lei de energia prescreve 100% de eletricidade renovável até 2035”, disse à Folha Christian von Hirschhausen, professor da Universidade de Tecnologia de Berlim e membro do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, o DIW Berlin.

A decisão, porém, não acontece sem polêmica. A opinião pública alemã mudou no último ano: 67% agora querem que a vida útil das usinas seja estendida, segundo pesquisa do instituto alemão Forsa. O fato é que um ponto positivo da energia nuclear é que ela não gera carbono como o uso de carvão, por exemplo.

“Fechar as usinas nucleares mais modernas e seguras do mundo na Alemanha é um erro dramático que terá consequências econômicas e ecológicas dolorosas”, disse Wolfgang Kubicki, vice-líder do FDP, partido que faz parte da coalizão do governo.

O auge da energia nuclear na Alemanha aconteceu nos anos 1970, após a crise mundial do petróleo, quando houve um grande incentivo a esse tipo de energia no país. Em 1975, o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha, que resultou na tecnologia utilizada nas construção das usinas em Angra do Reis, no Rio de Janeiro.

As coisas começaram a mudar em 1986, com o assustador acidente nuclear de Tchernóbil, na União Soviética. A última usina foi inaugurada na Alemanha em 1989, mas mesmo assim, o freio de mão não foi puxado.

Foi o acidente de Fukushima, no Japão, em 2011, que mudou o quadro definitivamente. A Alemanha enfrentou então massivos protestos antinucleares e, dois meses depois, a primeira-ministra Angela Merkel anunciou que todas estariam fechadas até o fim de 2022, promessa que acaba sendo cumprida com esses quatro meses de atraso.

“A energia nuclear é inerentemente insegura e não é totalmente controlável. É por isso que é tão caro e nenhuma empresa privada jamais colocou em risco seu próprio dinheiro de investimento. Então, a menos que você queira obter outros objetivos, educação nuclear, armas nucleares etc., não há razão econômica para buscar a energia nuclear”, afirma Von Hirschhausen.

Von Hirschhausen e outros seis especialistas do DIW Berlin trataram do assunto em relatório publicado há algumas semanas. “A crise energética resultante da invasão russa da Ucrânia alimentou pedidos para a construção de novos reatores nucleares na Alemanha. Um debate semelhante está ocorrendo em muitos outros países no contexto da crise climática”, diz o texto.

“A Alemanha e outros países esperavam desenvolver energia nuclear comercial em uma fonte de energia econômica e tecnologicamente inovadora desde a década de 1950, mas isso nunca foi realizado. Na verdade, a ideia original de desenvolver uma economia de plutônio, ou seja, produzir uma quantidade quase ilimitada de material físsil barato por meio de um ciclo de combustível, falhou.”

Além disso, a geração de eletricidade a partir de usinas nucleares é mais cara. “A energia nuclear não era e não é competitiva em comparação com tecnologias alternativas de geração de energia (anteriormente carvão, agora fontes de energia renováveis)”, diz o documento.