Fachadas de lojas no bairro de Marais, em ParisDireito de imagem Alamy
Image caption Os Cavaleiros Templários secaram os pantanais deixados para trás ao lado do rio Sena para criar o Marais

Era um lindo dia de primavera em Paris e eu estava no terraço do Café Charlot, no bairro mais chique da capital francesa, o Marais. Bebendo um aperol spritz, assistia ao desfile de celebridades parisienses passar por mim.

Nesta época do ano, Paris adora celebrar o fim dos tristes meses de inverno, e em nenhum lugar a famosa alegria de viver parisiense pode ser sentida com mais força do que neste centro de frivolidade chamado Rive Droite.

Naquele dia, no entanto, não estava interessado no que estava na superfície das ruas do Marais – mas no que estava abaixo desses pés com calçados de grife. Porque, de maneira incongruente, sob as ruas de paralelepípedos do distrito estão os restos da fortaleza mais poderosa dos misteriosos Cavaleiros Templários.

De Indiana Jones ao O Código Da Vinci, as lendárias figuras dos Cavaleiros Templários são presentes na imaginação moderna. Por trás das lendas, no entanto, há um conto épico, abrangendo séculos e continentes – e que termina em Paris, onde os vestígios dos anos finais dos Cavaleiros Templários ainda podem ser vistos por aqueles que sabem onde procurar. E eu estava no Marais naquele belo dia de primavera para encontrá-los.

Como os Cavaleiros Templários surgiram

A história dos Cavaleiros Templários começou em 1099, quando exércitos católicos da Europa tomaram Jerusalém do controle muçulmano durante a primeira Cruzada.

Os peregrinos europeus invadiram a Terra Santa como resultado, mas muitos foram roubados e mortos enquanto passavam por áreas controladas por muçulmanos durante sua jornada.

Para combater esses ataques, o cavaleiro francês Hugues de Payens criou uma ordem militar composta por oito outros soldados chamados os Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão – mais tarde conhecidos simplesmente como os Cavaleiros Templários – por volta do ano de 1118.

A ordem de elite dos cavaleiros sediada no sagrado Monte do Templo de Jerusalém prometia proteger todos os peregrinos cristãos da cidade. Os cavaleiros começaram a acumular uma grande fortuna, com peregrinos gratos enchendo-os de riquezas em troca de sua proteção.

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Image caption O Marais já foi o lar da sede europeia dos Cavaleiros Templários, uma fortaleza gigantesca conhecida como os recintos do templo

O poder dos Cavaleiros Templários cresceu exponencialmente em 1139 e se espalhou muito além de Jerusalém, quando o papa Inocêncio 2º emitiu uma bula papal que dava à ordem proteções extraordinárias, incluindo a isenção do pagamento de impostos ou dízimos em qualquer lugar do mundo e a retenção de todos os presentes que eles recebessem de peregrinos gratos viajando pela Terra Santa.

No mesmo ano, o rei Luís 7º doou uma propriedade aos templários na extremidade nordeste das muralhas da cidade parisiense, onde um grupo de cavaleiros se estabeleceu.

Embora não excludentes com membros da Europa, os Cavaleiros Templários eram uma organização francesa com um fundador francês. Além disso, quase todo grão-mestre ou líder supremo na história dos Templários era francês, tornando a França a sede de seu poder na Europa.

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Image caption Sob as ruas do distrito de Marais, em Paris, encontram-se uma fortaleza perdida dos Cavaleiros Templários

“Paris preservou sua memória em sua toponímia: a Praça du Temple, o Boulevard du Temple, a Rua du Temple, a Rue Vieille-du-Temple, a Rua das Fontaines-du-Temple, a Igreja du Temple…”, disse Thierry do Espirito, guia do tour dos Cavaleiros Templários em Paris e autor de The Knights Templar for Dummies (Os Cavaleiros Templários para Iniciantes, em tradução livre).

Uma fortaleza sob Paris

Sua propriedade original há muito tempo sucumbiu à grande marcha da história, mas você ainda pode visitar o local, localizado logo atrás do Hotel de Ville.

De volta ao passado, ao redor da mansão, havia quilômetros de pântano. Para tornar a terra arável, os Cavaleiros Templários começaram a secar o pântano – uma façanha que eles conseguiram alcançar por volta de 1240. Mas, embora as terras úmidas tenham desaparecido há muito tempo, a área ainda é chamada de “le Marais” ou “o Pântano”.

Paguei minha conta e segui para a impressionante Praça du Temple, cuja grama verdejante sombreada por árvores frondosas é o local perfeito para um passatempo parisiense ainda mais amado do que observar as pessoas: um piquenique no meio da tarde ao ar livre.

Mas eu vim por uma razão diferente: este parque idílico é construído bem em cima das ruínas da sede europeia dos Cavaleiros Templários.

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Image caption A história dos Cavaleiros Templários termina na Praça du Vert-Galant, onde seu último mestre, Jacques de Molay, foi queimado na fogueira

Cercada por oito muralhas de dez metros de altura, essa fortaleza gigantesca outrora possuía torres, uma ponte levadiça, uma igreja gótica, vastos estábulos e casas para os cavaleiros. Foi aqui que os Templários guardaram porções de seu tesouro e criaram um poderoso “Estado dentro de um Estado”, que era inteiramente soberano em relação aos reis da França.

Embora esse sistema de soberania tenha funcionado por algum tempo, tudo mudou em 1303, quando os Cavaleiros Templários foram forçados a transferir sua base de operações do Monte do Templo para a sede europeia – os recintos du Temple – depois que Jerusalém foi retomada pelos exércitos muçulmanos.

A ofensiva do rei Felipe

O rei da França na época, Filipe, o Belo, se ressentia profundamente do poderoso “Estado dentro do Estado” dos Cavaleiros Templários e resolveu derrubar a ordem por qualquer meio necessário.

O raciocínio do rei para destruir a ordem é especulado até hoje, embora muitos estudiosos acreditem que suas motivações fossem financeiras.

“Philip poderia usar a moeda de prata que adquiriu do tesouro dos Templários em Paris para melhorar a qualidade da moeda francesa, altamente degradada”, explicou Helen Nicholson, autora de Os Cavaleiros Templários: Uma Nova História e professora de História Medieval na Universidade de Cardiff, na Inglaterra.

A verdade é que, como rei, Filipe não precisava explicar seu raciocínio. Então, em 13 de outubro de 1307, ele deteve inúmeros cavaleiros templários, incluindo a autoridade suprema e único membro mais poderoso da ordem, grão-mestre Jacques de Molay, preso sob acusações que incluíam adoração ao demônio, blasfêmia, idolatria e homossexualidade.

A acusação final é estranhamente poética, já que hoje o Marais é um conhecido distrito LGBTQ+. Olhando para os foliões e banhistas na Praça du Temple, achei difícil imaginar uma época em que esse pequeno oásis ao lado da estridente Praça de la République foi murada e cercada por cavaleiros guerreiros estoicos – principalmente porque nenhuma das estruturas que compunham os compartimentos du Temple existem hoje, tendo sido destruídas por Napoleão 3º em 1853 para dar lugar à visão do Barão Haussmann de uma nova Paris.

Mas se você souber onde procurar, ainda poderá ver traços da presença fantasmagórica dos cavaleiros por todo o distrito. O número 158 na rua du Temple é onde ficava a grande entrada para os recintos, e há boatos de que no porão da rue de Picardie 32, agora o chique restaurante-bar Les Chouettes, ainda é possível ver os restos de uma torre de esquina.

Os verdadeiros entusiastas dos Templários podem fazer uma viagem ao Château des Vincennes, nos arredores de Paris, onde os portões pesados ​​da Grosse Tour (grande torre) dos recintos do Templo são guardados.

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Image caption As figuras lendárias dos Cavaleiros Templários estão presentes no imaginário moderno

Nos arredores da Praça du Temple há um mercado fechado chamado Carreau du Temple. Em 2007, enquanto a estrutura estava passando por reformas, os restos de um cemitério dos Templários foi desenterrado, junto com os esqueletos de cavaleiros que morreram na França.

Do outro lado da rua du Temple, de onde eu estava na Praça du Temple, notei uma igreja com dois grandes estandartes vermelhos enfeitados com cruzes brancas, lembrando o símbolo dos Cavaleiros Templários, que exibiam uma cruz vermelha com fundo branco.

Intrigado para descobrir se havia alguma conexão, eu entrei, onde soube do padre em serviço que a igreja é chamada de Église Sainte-Elisabeth de Hongrie e as bandeiras na verdade significam a Ordem de Malta (oficialmente a Soberana Ordem Hospitaleira Militar de São João de Jerusalém de Rodes e de Malta) – uma ordem de cavalaria que rivalizava com os templários.

Então, fiquei surpreso ao descobrir que, quando pedi ao padre informações sobre os recintos do Templo, ele prontamente me chamou para um escritório trancado onde é mantida uma maquete da estrutura.

Acontece que, embora as duas ordens detestassem uma à outra por um período, com os Hospitalários discordando das formas empreendedoras dos templários, muitos templários foram transferidos para os Cavaleiros Hospitalários após a dissolução de sua ordem, criando efetivamente uma fusão.

O papa Clemente 5º também deu o controle dos recintos do Templo aos Cavaleiros Hospitalários após a prisão e subsequente queda dos Templários.

O padre me levou a várias pinturas em toda a igreja que retratam a estrutura imponente dos anexos. Olhando para elas, me senti quase transportado para outra época e uma Paris totalmente estranha à minha experiência.

A morte do último grão-mestre

Saindo pelas portas ornamentadas da igreja, fui mais fundo no Marais. Caminhando pela rua Réamur passei pelo Musée des Arts et Métiers, um museu de engenharia e ciência, que já foi o Priorado de Saint-Martin-des-Champs, onde, segundo Do Espirito, alguns dos templários presos foram pegos.

Com isso em mente, fui para o local onde a história dos Cavaleiros Templários mais ou menos terminava – a pequena ponta verdejante da Île de la Cité no rio Sena, em frente ao distrito de Marais, chamada Praça do Vert-Galant.

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Image caption Lembranças dos Cavaleiros Templários podem ser encontradas em toda Paris, particularmente no Marais

Muito parecido com a Praça du Temple, a Praça du Vert-Galant é um lugar tranquilo onde os parisienses e turistas vão para fazer um piquenique. Embora parecesse algo saído de uma pintura de Renoir hoje, em 18 de março de 1314 parecia mais uma cena de um filme de terror. Porque foi nesse dia que, após sete anos de prisão, De Molay foi queimado vivo numa fogueira.

Uma pequena placa na entrada do parque diz: “Neste local, Jacques de Molay, o último Grande Mestre da Ordem dos Templários, foi queimado”. Dizem que, quando ele morreu, De Molay amaldiçoou o papa Clemente 5º e o rei Filipe, o Belo, e todos os seus descendentes. Ele proclamou que dentro de um ano tanto Filipe quanto Clemente morreriam, e que a linhagem do rei não mais reinaria na França.

Os dois homens, de fato, morreram naquele ano, e nos 14 anos seguintes, todos os herdeiros do rei Filipe morreram, destruindo efetivamente a linhagem que havia governado a França por três séculos.

Podemos nunca saber, é claro, se De Molay realmente amaldiçoou o rei e o papa Clemente 5. Seja qual for a verdade, está enterrado sob as ruas de paralelepípedos do Marais, junto com inúmeros outros segredos parisienses.

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Fonte: BBC