SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi depois de polir sua cara de pau que o Globo de Ouro voltou a ter uma cerimônia nesta terça-feira, após uma série de escândalos que, nos últimos dois anos, se avolumaram a ponto de pôr a existência do prêmio em risco.

Ao escolher o drama “Os Fabelmans” e a comédia “Os Banshees de Inisherin” como os melhores filmes e “A Casa do Dragão”, “Abbott Elementary” e “The White Lotus” como série de drama, série de comédia e minissérie, nesta ordem, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood mostrou contradição.

Premiar a velha Hollywood representada por Steven Spielberg, diretor do primeiro longa, e pela comédia verborrágica britânica, por mais elogiado que o par tenha sido, é como um aceno ao passado. Já as grandes vitórias em televisão têm frescor, e elencos bastante diversos.

Quanto à festa em si, é válido destacar que o Globo de Ouro não fingiu normalidade, mas tampouco tratou com a seriedade devida seu turbilhão de polêmicas.

Comandando a festa, o comediante Jerrod Carmichael, que é negro e gay, não poupou acidez à instituição, é verdade. Nos primeiros dez minutos, falou das dificuldades de ser negro na indústria e tirou sarro da presidente do grupo.

Diz ele que negou um almoço com a chefona, que o queria informar das mudanças que estavam sendo implementadas. “Eu ter assumido esse trabalho mostra que eles não mudaram de verdade. Eles têm seis membros negros, parabéns para eles”, afirmou.

“Sou seu apresentador e estou aqui porque sou negro. O Globo de Ouro não foi transmitido no ano passado, porque a associação, eu não vou dizer que era racista, mas não tinha um único membro negro até George Floyd morrer. Façam o que quiserem com essa informação”, havia dito antes, num discurso que aumentou o desconforto no auditório do hotel Beverly Hilton, em Los Angeles.

Esta 80ª edição do Globo de Ouro acontece depois de sua antecessora não ter sido exibida na televisão. A emissora NBC concordou em retomar a transmissão neste ano, depois de a Associação de Imprensa Estrangeira ter adotado regras para driblar a falta de diversidade em seu quadro, a falta de transparência e a suposta compra de votos.

Não que o público tenha visto mudanças concretas. Faltou ainda um mea-culpa mais contundente durante a cerimônia, para além de dar carta branca para um humorista fazer, bem, humor, e da fala insossa e rápida da presidente Helen Hoehne, que destacou que o grupo vai “continuar apoiando as mais diversas vozes”, como fez no último ano.

Mas parece ter sido o suficiente para os artistas que lotaram a cerimônia, com drinques como combustível para aquela que é notoriamente a mais etílica noite de Hollywood –”alguns estão bêbados, o que poderia ser melhor?”, brincou Guillermo Del Toro ao vencer pela animação “Pinóquio”.

Além dele, Spielberg, premiado ainda como melhor diretor por “Fabelmans”, e James Cameron estavam lá. Jamie Lee Curtis, Margot Robbie, Julia Roberts e Angela Bassett, também. Curiosamente, os próprios indicados ficaram a cargo de apresentar a maioria das categorias no palco –um caminho para evitar negativas de outras estrelas, talvez.

Também ficaram ausentes Tom Cruise e Brendan Fraser, de “Top Gun: Maverick” e “A Baleia”. Eles já haviam dito que não iriam, ao contrário de Cate Blanchett, que venceu por “Tár”, e Amanda Seyfried, da série “The Dropout”, que justificaram a ausência com compromissos de trabalho.

Mas no tapete vermelho muitos já comemoravam o “prazer” e a “honra” que era estar indicado para um Globo de Ouro. Mais tarde, conforme os vencedores subiam ao palco, o clima celebratório permaneceu, sem que os discursos de vitória refletissem o embaraço da situação. Um tanto estranho para uma classe que se diz tão engajada.

Para além da superficialidade e da breguice revestida em glamour desse tipo de festa, no entanto, importante mesmo é a lista de vencedores. E esta, ao menos, mostrou que a associação está mais aberta à diversidade do que é costume.

Em cinema, três dos atores premiados são de grupos considerados sub-representados. Michelle Yeoh e Ke Huy Quan, de origem asiática, venceram por “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, enquanto Angela Bassett se tornou a primeira atuação da Marvel laureada, com “Pantera Negra: Wakanda para Sempre”.

Na ala televisiva também foram três os atores que levantaram a bandeira da diversidade, todos negros. Zendaya venceu por “Euphoria” e Quinta Brunson e Tyler James Williams, por “Abbott Elementary”.

Del Toro ainda representou os latinos com sua vitória por “Pinóquio”, ao lado da Argentina, que desbancou os europeus em filme estrangeiro, com “Argentina, 1985”. Queridinho indiano da temporada, “RRR” puxou o tapete de Rihanna, Lady Gaga e Taylor Swift para levar canção original.

Mas é preciso cautela ao congratular o Globo de Ouro. As vitórias são reflexo de uma safra de filmes e séries diversa, sinal de mudança na indústria como um todo. O papel da premiação foi não rejeitar os novos tempos. Resta saber se a tendência se mantém ou se é marketing, numa indústria tão movida por aparências.