• Marc Cieslak
  • Repórter da tecnologia da BBC

Há 7 horas

Adolescente jogando videogame no quarto

Crédito, Getty Images

Adolescentes que se recusam a sair do quarto e jogam dia e noite podem deixar seus pais preocupados

Para Stephen e Louise, a rotina com seu filho Alex, de 16 anos, pode ser difícil.

O desejo compulsivo de Alex de jogar jogos de tiro como Counter-Strike até tarde da noite causou anos de angústia para a família. Ele também foi recentemente diagnosticado com autismo.

Ele faz tratamento em uma clínica do serviço de saúde pública do Reino Unido (NHS) especializada no tratamento de dependentes de vídeo games, desde o início de 2021. O Centro Nacional de Transtornos dos Jogos Eletrônicos é a única instituição de tratamento desse tipo no Reino Unido.

Os próprios pais encaminharam Alex para a clínica, mas ele não se empenhou no tratamento. Louise é da opinião que, embora o tratamento possa não estar funcionando para seu filho, o restante da família, inesperadamente, tem se beneficiado: “o que mais nos ajuda é falar com outros pais de filhos que têm a mesma necessidade de jogar videogames. O nosso grupo de apoio se reúne no Zoom a cada duas semanas.”

Seu marido Stephen concorda: “mais do que qualquer outra coisa, acho que o melhor é perceber que você não está sozinho. Existem inúmeras outras pessoas em todo o país e em todo o mundo passando pela mesma situação.”

“Para nós, como casal e como família, tem sido um desafio, pois é muito difícil ter interação fora da casa. E, sempre que há alguém nos visitando, ele fica no quarto jogando o tempo todo, gritando e xingando. Dormir, para nós, tem sido um enorme problema e muitas vezes dormimos em quartos separados. Preciso ligar um ventilador para abafar o barulho do jogo”, acrescenta ele.

Condição controversa

A BBC News teve acesso exclusivo à clínica, inaugurada cerca de dois anos atrás.

A compulsão dos pacientes (em sua maioria, adolescentes) aos videogames é tão grande que, muitas vezes, gera explosões violentas e confrontos com seus pais ou cuidadores.

Muitas das pessoas em tratamento na clínica já ameaçaram suicidar-se ao terem negado seu acesso a consoles de games ou computadores. Suas interações sociais são quase sempre restritas a atividades online ou games.

O transtorno dos jogos eletrônicos é uma condição que enfrenta controvérsias. Ela é definida pela Organização Mundial da Saúde por três características:

– perda de controle durante o jogo

– priorização dos jogos sobre outros interesses

– intensificação dos jogos, mesmo com consequências negativas

Mas alguns psicólogos – e a própria indústria de videogames – questionam as evidências empregadas para definir o transtorno.

Até bem pouco tempo atrás, o auxílio para pessoas com problemas com videogames somente era disponível no Reino Unido na rede de assistência médica privada. Mas esta clínica, no oeste de Londres, é parte do Centro Nacional de Dependências Comportamentais do país.

O centro tem experiência no tratamento de problemas com jogos de apostas, mas o videogame é um território novo para sua equipe, segundo a psicóloga clínica Rebecca Lockwood, que atua como consultora.

Dr Rebecca Lockwood

Rebecca Lockwood afirma que sessões de terapia em vídeo permitem que a clínica atinja pessoas em todo o Reino Unido

“Sabemos que o transtorno dos jogos eletrônicos é uma condição bastante rara. Seus sintomas podem ser muito graves, o que nos surpreendeu”, afirma ela. “Muitas vezes, as pessoas têm muita dificuldade para cuidar de suas emoções. Elas podem enfrentar raiva, ansiedade e tristeza. E também sofrem sintomas físicos, como perda do sono. Isso ocorre porque as pessoas jogam à noite para conectar-se com jogadores de outros países.”

Pessoa puxa o braço de criança que olha continuamente para tela

Crédito, Getty Images

A clínica cuida de pacientes a partir dos 13 anos de idade, embora também tenha sido procurada por pais de crianças mais jovens

Becky Harris é gerente e terapeuta familiar na clínica. Ela afirma que eles já trataram mais de 300 pessoas – 200 delas, em 2021. Segundo Harris, 89% das pessoas tratadas no centro de transtornos dos jogos eletrônicos são homens, mas a variação de idades é surpreendente.

“Começamos o tratamento aos 13 anos de idade. Tivemos alguns casos com 12 anos que nos foram indicados e também soubemos de pais de crianças com até 8 anos, mas não pudemos examiná-las. A idade das pessoas indicadas para tratamento vai até a casa dos 60 anos”, afirma ela.

Esta é a única clínica do NHS que trata dessa condição no Reino Unido. Seus pacientes estão espalhados pela Inglaterra e pelo País de Gales e muitas vezes são tratados por conversas de vídeo. Lockwood acredita que existem algumas vantagens nas sessões de terapia por vídeo: “elas permitem que nos relacionemos com pessoas que poderiam ser muito relutantes a vir até a clínica, pois sua motivação para dedicação e tratamento pode ser muito baixa”.

Para milhões de pessoas, os vídeo games são um passatempo importante, fonte de entretenimento e conexão. Mas quando a quantidade de tempo dedicada aos games cruza a fronteira e passa a ser um comportamento problemático?

Apenas um hobby?

A Ofcom (agência fiscalizadora dos meios de comunicação do Reino Unido) reuniu evidências que indicam que 62% dos adultos britânicos jogaram vídeo game durante a pandemia. E um estudo recente do Instituto da Internet da Universidade de Oxford, no Reino Unido, concluiu que jogar vídeo games realmente é bom para o bem-estar dos jogadores. O diretor de pesquisas do instituto, Andrew Przybylski, acredita que os games, por si só, poderão não ser o problema.

“Até onde sei, não há evidências científicas quantitativas de que haja algo de especial nos vídeo games que cause algum tipo de dano psicológico. Na verdade, pode-se argumentar que existe uma enorme variedade de comportamentos ou atividades que você pode fazer em excesso, como comer ou exercitar-se, com evidências muito mais fortes”, afirma ele.

“Se você tem alguém sofrendo e os games são parte desse sofrimento, preciso dizer que, como qualquer paixão, eles são parte do que o paciente está apresentando como a sua vida, sua perspectiva e suas experiências. E, por isso, acho que provavelmente a melhor forma de pensar sobre os games nesse momento… é pensar neles como qualquer outro hobby e usar isso como forma para que o terapeuta consiga envolver o paciente”, acrescenta Przybylski.

No Centro Nacional de Transtornos dos Jogos Eletrônicos, Becky Harris ressalta rapidamente que a clínica não é contra os vídeo games. “Aceitamos totalmente que, para muitas pessoas, os jogos são algo realmente positivo nas suas vidas. Estamos falando, na verdade, sobre o pequeno percentual de pessoas com imensos problemas com os vídeo games, que afetam verdadeiramente sua qualidade de vida e capacidade de interação e funcionalidade”, explica ela.

Sylvanas Windrunner

Crédito, Blizzard

O jogo World of Warcraft tem muitos fãs que jogam obsessivamente

Um ex-paciente da clínica (Mike) percebeu ter desenvolvido dependência dos vídeo games com cerca de 25 anos de idade. Ele jogava World of Warcraft até 14 horas por dia.

O jogo prejudicou muito seu relacionamento com a família e interferiu com seus estudos. Ele completou oito semanas de terapia, que deram a ele uma nova perspectiva sobre os vídeo games e sua vida.

“Parei de jogar tanto vídeo game. Com isso, meu relacionamento com a minha esposa melhorou. Meu relacionamento com meus pais melhorou. Tomei medidas para resolver todos os problemas, mas [a terapia] foi o último impulso que eu precisava para tomar o caminho certo”, ele conta.

Mike não parou totalmente de jogar vídeo games, mas afirma que agora os jogos representam uma parte menos importante da sua vida: “não é que eu ache que os vídeo games são ruins. Apenas jogo com moderação.”

São histórias como as de Mike que dão esperança a Stephen e Louise de que, um dia, o seu próprio filho resolva alguns dos seus problemas. Segundo Louise, “sou otimista porque, no Facebook, sigo muitas pessoas que são muito parecidas com nosso filho, mas agora são adultos. E eu os sigo porque eles são muito inspiradores. Mas também porque realmente me ajudam a sentir que ele vai encontrar o seu caminho.”

Os nomes dos pacientes mencionados na reportagem foram alterados.

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Fonte: BBC