A Suprema Corte dos Estados Unidos autorizou nesta sexta-feira (10) que tribunais inferiores contestem a lei do Texas que proíbe a maioria dos abortos no estado, que entrou em vigor em setembro e que tem sido vista como uma ameaça ao direito à interrupção voluntária da gravidez no país. Ainda que tenha aberto a janela para contestação, o tribunal máximo do país não suspendeu a legislação texana, que permanece em vigor.

A lei do Texas é a regulação do aborto mais restritiva dos Estados Unidos. Ele proíbe a interrupção da gravidez depois que batidas do coração do feto forem detectadas, o que acontece em torno da sexta semana de gestação, momento em que muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas. Não há exceção para gestações resultantes de estupro ou incesto.

Pela legislação, qualquer pessoa poderá processar clínicas e quem tiver auxiliado o aborto, como quem pagou pelo procedimento ou até o motorista de táxi que levou a mulher até o local, algo sem precedente no país. O denunciante nem precisa morar no Texas ou ter qualquer relação com a grávida e ainda pode receber ao menos US$ 10 mil (hoje, o equivalente a mais de R$ 55 mil) de indenização paga pelo réu.

Essa forma inusual de fiscalização até agora complicou ações federais, como da própria Suprema Corte, que se negou a intervir argumentando que a lei tem “novas questões processuais”. A inação foi vista como resultado direto da nomeação de juízes conservadores pelo ex-presidente republicano Donald Trump.

Mas, desde então, a batalha jurídica se intensificou, forçando a mais alta corte do país a discutir o caso.

Clínicas de aborto e o governo democrata de Joe Biden entraram na Justiça argumentando que a lei viola o direito constitucional da mulher de interromper uma gravidez, reconhecido nos Estados Unidos desde 1973 em um caso que ficou conhecido como Roe vs. Wade.

Nesta sexta, oito membros da corte concordaram que o princípio que protege a soberania dos 50 estados do país não impede processos em tribunais federais, segundo a decisão —que teve voto contrário apenas do juiz conservador Clarence Thomas.

O Presidente da Corte, John Roberts, e três magistrados progressistas acrescentaram, em um texto separado, desejar que os tribunais bloqueiem rapidamente esta lei “dados seus efeitos sinistros e persistentes”.

A permissão da contestação da lei foi elogiada por defensores do direito ao aborto. “Ganhamos, de forma limitada. Nossa ação judicial pode continuar contra departamentos de saúde, conselhos médicos, conselhos de enfermagem e conselhos de farmácia. Esperávamos conseguir uma liminar [que proibisse a lei] em todo o estado, mas não há caminho claro para isso. Fiquem tranquilos, não vamos parar de lutar”, escreveu no Twitter a Whole Woman’s Health, clínica que entrou na justiça contra o estado.

Já quem contesta o direito ao aborto saudou a decisão da Suprema Corte de não suspender a lei. “Celebramos que a Lei do Batimento Cardíaco do Texas permanecerá em vigor, salvando as vidas de crianças em gestação e protegendo as mães, enquanto o litígio continua em tribunais inferiores”, disse Marjorie Dannenfelser, presidente da organização antiaborto Susan B. Anthony List.

Há outro caso importante em curso na Suprema Corte, o julgamento de uma lei do estado do Mississipi, suspensa por tribunais inferiores, que proíbe o aborto a partir da 15ª semana de gravidez. Durante as alegações orais do caso no começo deste mês, os juízes conservadores da Suprema Corte manifestaram simpatia pela medida.