A CNN teve acesso a sindicâncias aos quais o ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques respondeu enquanto foi agente da ativa da corporação.

Durante os 27 anos que serviu à PRF, Silvinei respondeu a oito processos de sindicâncias internas dos quais sete foram acessados pela CNN via Lei de Acesso à Informação (LAI).

As sindicâncias internas às quais o ex-diretor foi submetido estavam sob sigilo durante o governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL).

Segundo o banco de informações da Controladoria Geral da União (CGU), a justificativa para o não fornecimento das informações era o artigo 34 da LAI, que fala sobre a responsabilização por conta da divulgação não autorizada ou utilização indevida de informações sigilosas ou informações pessoais.

Procurado, Silvinei Vasques informou à CNN que prestou todas as informações que lhe foram pedidas nos processos.

Ele disse que vai aguardar o fim das investigações em aberto com tranquilidade porque afirma não ter feito nada de errado e também reiterou que todas as outras apurações foram arquivadas ou houve sua absolvição.

A reportagem entrou em contato com a assessoria da PRF para um posicionamento, e aguarda retorno.

Dentre os sete processos de sindicância interna aos quais a CNN teve acesso, três são por irregularidades funcionais. Silvinei foi absolvido ou os fatos prescreveram em todos os casos.

Em um desses processos, Silvinei teve o comportamento apurado por uma possível “transgressão disciplinar” por ter ofendido verbalmente um outro policial rodoviário federal, em 2009.

Na ocasião, Silvinei fez uma solicitação de cópia de um processo ao Núcleo de Documentação. O então colega responsável por atender à solicitação de Silvinei informou que o pedido deveria ser feito por escrito. Após retornar com o requerimento, foi dito que a solicitação seria analisada em um prazo de dez dias, conforme a legislação aplicável.

Após a informação, Silvinei teria então elevado o tom de voz e alterado o comportamento, falando frases como “você não é policial, policial é aquele que está muito tempo na pista”, e “você deveria ter ficado no Pará, no meio dos índios”, segundo a documentação.

O colega, então, argumentou que pelo menos “os índios são mais civilizados”, e apontou para um cartaz que continha a transcrição do artigo 331 do Código de Processo Penal, consta do documento.

Posse dos novos diretores da PF e da PRF
Registro da posse dos ex-diretores-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino (à esquerda), e da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques; ao centro, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres / Foto: Divulgação/Daniel Estevão/MJSP

O artigo 331 do CPP define o crime de desacato, e diz que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” pode levar à pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Ao deixar o local, Silvinei teria dito “tem mais é que tomar no c*”, diz o papel.

Silvinei foi absolvido e o caso foi arquivado pela Corregedoria Geral da PRF. Segundo a documentação, o colegiado responsável pela análise do caso compreendeu que ficou constatado que “os fatos apontados não constituíram matéria para indiciamento, visto que, da análise apurada das provas e contraprovas não configurou a existência e inobservância de procedimentos e normas por parte do servidor acusado.

Sendo assim, entendeu que ficou refutado qualquer argumento com relação à falta de urbanidade e/ou ofensa física no que se refere ao processo em pauta”.

Suposta propina por “guincheiros”

Silvinei foi alvo de uma denúncia de suposto pagamento de propina por parte de “guincheiros” em Santa Catarina. Segundo o processo, o dono de um guincho afirmou que pagava uma propina de 40% do valor dos serviços a alguns policiais rodoviários federais para atuar nas rodovias de responsabilidade dos servidores.

Durante a investigação, a Polícia Federal encontrou depósitos efetuados nas contas bancárias dos investigados, entre 1997 e 2000, considerados incompatíveis com os proventos pagos pelo governo federal aos policiais rodoviários, entre eles Silvinei. Entretanto, os investigadores não conseguiram comprovar que esses depósitos eram provenientes de vantagens indevidas.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra os servidores, mas o caso prescreveu. Isso porque os supostos pagamentos de propina ocorreram antes de agosto de 1997, e a denúncia só foi recebida pela justiça em 2011, mais de 12 anos após a ocorrência dos fatos.
Outras sindicâncias

Uma das sindicâncias internas liberadas por meio da LAI mostra que Silvinei teria xingado e agredido um homem, de acordo com o que foi apresentado por um denunciante.

Polícia Rodoviária PRF
Viatura e oficial da Polícia Rodoviária Federal (PRF) / Agência Brasil

Enquanto chefe da 1ª Delegacia/São José, em Santa Catarina, Silvinei teria impedido o denunciante de “realizar vistoria técnica no âmbito daquela delegacia, a qual lhe era requisito para participação em certame licitatório”, afirma uma versão que consta do documento.

“Para tanto, o referido servidor teria lhe dirigido impropérios, feito acusações contra sua pessoa e sua empresa, além de ter lhe dado empurrões, batido em suas costas e o arrastado pelos braços para fora do prédio da delegacia”, consta.

O denunciante fez boletim de ocorrência no dia da suposta agressão, uma sexta-feira, mas fez o exame médico na segunda seguinte.

Um vigilante, que era funcionário do denunciante, teria reafirmado o comportamento de Silvinei, enquanto outras três pessoas ligadas à PRF negaram a denúncia e apresentaram outra versão do ocorrido, na qual Silvinei seria inocente.

Ao final, após outras ponderações, a corregedoria afirmou que nenhuma das partes conseguiu comprovar inteiramente sua versão dos fatos e que o denunciante “teria motivos para nutrir certa animosidade” em face de Silvinei. O caso acabou arquivado em 2009.

No carnaval de 2006, Silvinei se envolveu em dois acidentes de trânsito no exercício da função. No primeiro, em 18 de fevereiro, ele se envolveu em um incidente com uma viatura da PRF e arcou com o conserto sem comunicar a avaria aos órgãos responsáveis.

Por conta da não comunicação, um processo administrativo disciplinar foi instaurado, mas ele foi absolvido. A corregedoria entendeu que a ação do servidor se deu para acelerar o processo de conserto da viatura, e não causou danos ao erário.

Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da PRF / Alan Santos/PR

O segundo acidente aconteceu sete dias depois, quando um cidadão bateu na viatura da PRF sob a responsabilidade de Silvinei.

O processo administrativo foi instaurado pois a PRF recebeu uma denúncia de uma viatura da corporação sendo consertada no fundo de uma oficina, no município de Palhoça, em Santa Catarina. Como o cidadão responsável pelo acidente arcou com os custos do conserto, o mesmo escolheu a oficina onde o reparo seria feito.

“Entende-se, contudo, que as circunstâncias explicitadas nestes autos justificam as atitudes adotadas pelo servidor acusado, sendo que, em face disso, parece certo afirmar que o servidor agiu com boa-fé, visando a eficiência e a continuidade do serviço público, porquanto a sugestão da comissão processante merece ser acolhida”, concluiu a corregedoria.

Silvinei ainda foi absolvido de um outro acidente com viatura da PRF que teria sido causado por um motorista civil.

Em outubro de 2022, a CNN teve acesso a um processo interno da PRF que cita a possível penalidade de demissão de Silvinei Vasques por suposta agressão a um frentista de um posto de gasolina após discussão acerca da limpeza do para-brisa de um veículo. A sugestão de expulsão não foi levada adiante porque o caso prescreveu.

Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da PRF / Carolina Antunes/PR

O episódio ocorreu no município de Cristalina, em Goiás, e está entre os processos administrativos internos liberados por meio da LAI. Em 17 de outubro de 2000, o frentista Gabriel de Carvalho Rezende registrou boletim de ocorrência relatando ter sido agredido com socos e chutes por Silvinei.

Ainda em 2022, Vasques virou réu por improbidade administrativa após um pedido do Ministério Público Federal. Segundo a instituição, o pedido foi feito por “uso indevido do cargo, com desvio de finalidade, bem como de símbolos e imagem da instituição policial” em prol do então presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro.

Em 29 de outubro de 2022, véspera da realização do segundo turno das eleições, em mensagem na conta pessoal no Instagram, Silvinei pediu voto para Bolsonaro, fato que gerou repercussão nas redes sociais e foi noticiado pela imprensa, por exemplo.

Em dezembro do ano passado, a PRF concedeu aposentadoria voluntária para Silvinei Vasques, aos 47 anos.

Fonte: CNN Brasil