Alexander Dugin, cuja filha Darya Dugina morreu no sábado (20) após a explosão do carro em que estava, é o “sumo sacerdote” de uma virulenta campanha de nacionalismo russo que se torna cada vez mais influente no país.

Vindo de uma família de oficiais militares russos, sua jornada foi notável: de ideólogo marginal a líder de uma corrente proeminente de pensamento na Rússia que vê Moscou como o coração de um império “eurasiano” que desafia a decadência ocidental. Ele é o fundador espiritual do termo “o mundo russo”.

Ao longo do caminho, essa vertente incorporou uma profunda aversão à identidade da Ucrânia fora da Rússia.

Dugin, de 60 anos, ajudou a reviver a expressão “Novorossiya” ou Nova Rússia – que incluía territórios de partes da Ucrânia – antes da anexação russa da Crimeia em 2014. O presidente russo Vladimir Putin, inclusive, usou a palavra ao declarar a Crimeia parte da Rússia em março daquele ano.

O filósofo há muito tem uma aversão visceral aos ucranianos que resistem à assimilação na “mãe Rússia”. Depois que dezenas de manifestantes pró-Rússia foram mortos durante confrontos em Odesa, em maio de 2014, ele disse: “A Ucrânia deve ser desaparecida da Terra e reconstruída do zero ou as pessoas precisam recuperá-la. Acho que os ucranianos precisam de uma revolta total em todos níveis e em todas as regiões. Uma revolta armada contra a Junta [suposto grupo fascista ucraniano]. Não só no Sudeste”, declarou Dugin.

“Matar, matar e matar. Chega de falar. É minha opinião como professor”, acrescentou.

No ano seguinte, Dugin foi sancionado pelos Estados Unidos como “cúmplice de ações ou políticas que ameaçam a paz, segurança, estabilidade ou soberania ou integridade territorial da Ucrânia”.

O nascimento do eurasianismo

O trabalho que impulsionou Dugin à proeminência foi os “Fundamentos da Geopolítica”, de 1997, no qual ele expôs sua visão de um império eurasiano, estendendo-se de Dublin a Vladivostok. O livro defendia semear a instabilidade e a dissidência nos Estados Unidos – uma prévia da campanha de desinformação em torno das eleições de 2016 nos EUA.

Em uma passagem, ele escreveu: “É especialmente importante introduzir desordem geopolítica na atividade interna americana, incentivando todos os tipos de separatismo e conflitos étnicos, sociais e raciais, apoiando ativamente todos os movimentos dissidentes – grupos extremistas, racistas e sectários, desestabilizando, assim, os processos políticos internos nos EUA”.

A obra, escrita nos últimos dias da caótica presidência de Boris Yelstin, tornou-se um best-seller na Rússia.

Em 2004, John Dunlop, membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford, escreveu que nenhum outro livro teve “uma influência sobre as elites militares russas, policiais e estatistas de política externa comparável a ‘Fundações’”.

O exemplar estimulou Dugin a uma carreira acadêmica – e, por um tempo, ele foi presidente de relações internacionais no Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Moscou.

Dugin sempre foi um dos maiores defensores de Putin. Em 2007, ele disse : “Putin não tem mais adversários e, mesmo que eles existam, são doentes mentais e devem ser enviados para exames médicos. Putin está em toda parte, Putin é tudo, Putin é absoluto, Putin é insubstituível.”

Gradualmente, de maneira implacável, os pontos de vista de Dugin saíram da margem do debate político na Rússia para ocupar o centro.

Em 2011, quando era primeiro-ministro, Vladimir Putin começou a falar de uma União Eurasiática. Dugin refletiu que Putin precisava de “uma ideologia, uma razão pela qual ele precisa voltar” para um terceiro mandato como presidente.

Quando a Rússia começou a apoiar os separatistas em Donbass em 2014, o filósofo era um dos destaques da União da Juventude Eurasiática, que recrutou pessoas com experiência militar para lutar em nome da autoproclamada República Popular de Donetsk.

Ele também manteve uma enxurrada de propagandas através do site “Geopolítica”, que os EUA afirmam controlar. O Tesouro dos EUA disse este ano que é “um site que serve como plataforma para ultranacionalistas russos espalharem desinformação e propaganda visando públicos ocidentais e outros”.

O “Geopolítica”, por exemplo, argumentou este ano que os EUA e a OTAN tentaram provocar uma guerra com a Rússia, a fim de “aterrorizar ainda mais o povo americano de todas as formas maliciosas”.

Não faltam inimigos para Alexander Dugin

Como um dos arquitetos ideológicos do expansionismo russo, Dugin se referiu a duas “versões” de Putin e escreveu um livro chamado “Putin vs. Putin”.

Ele descreveu um Putin “lunar”, pragmático e cauteloso, e o Putin “solar”, dedicado à restauração de um império eurasiano e ao confronto com o Ocidente.

Em março, um mês depois do conflito ucraniano, em entrevista a um diário de Moscou, Dugin declarou que “não havia dúvida de que o Putin ‘solar’ venceu, e que isso estava prestes a acontecer, o que eu não disse apenas um ano atrás, mas há muitos anos agora.”

“A Rússia cruzou o Rubicão [expressão usada uma decisão sem volta], o que me deixa muito feliz”, disse.

Para Dugin, isso foi essencial porque, segundo ele, o Ocidente estava usando a Ucrânia para tentar derrubar a Rússia. “Eles acreditam que têm uma chance de derrotar a Rússia; não literalmente, porque isso é impossível, mas de esmagá-la e forçá-la a se render, excluindo-a de seu sistema global.”

Também era essencial, em sua opinião, mostrar “firme oposição à Junta e ao nazismo ucraniano que estão aniquilando civis pacíficos”, bem como a rejeição ao liberalismo e à hegemonia dos EUA – linguagem semelhante à usada por Putin para justificar a invasão.

Dugin certamente não tem falta de inimigos na Rússia. Em uma entrevista de 2019, ele disse: “Todos no poder na Rússia são escória. Exceto Putin”.

No início deste ano, afirmou que que sua adesão à noção de “eurasianismo” é tão forte agora quanto era quando escreveu “Fundação”.

“Seu centro é o povo russo. E está aberto àqueles povos que combinam seu destino com o destino do povo russo.”

Para ele, o conflito na Ucrânia é parte de uma batalha existencial entre a lassidão do Ocidente e uma sociedade construída sobre a tradição, a hierarquia e a fé cristã ortodoxa.

No mundo de Dugin, o destino da Rússia “não estará completo até que unamos todos os eslavos orientais e todos os irmãos eurasianos em um grande espaço. Tudo segue essa lógica do destino – e também a Ucrânia”.

Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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Fonte: CNN Brasil