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Lula conversa com o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. Os dois têm expressão séria e Dias carrega um papel onde se lê "ações e programas". Ao fundo vê-se a bandeira do Brasil

Crédito, Ricardo Stuckert / Presidência da República

Assim como Wellington Dias (Desenvolvimento Social), há mais três senadores eleitos no ministério de Lula. Dias será substituído por uma ex-vereadora do PSD do Piauí

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) garantirá uma segunda chance a alguns nomes tradicionais da esquerda derrotados nas urnas em 2022. Eles tomaram posse no Legislativo nesta quarta-feira (01/02), substituindo colegas que se tornaram ministros de Estado.

São políticos como o ex-ministro Orlando Silva (PC do B-SP) e os deputados Ivan Valente (PSOL-SP) e Vicentinho (PT-SP) – este último irá agora para o seu sexto mandato consecutivo na Câmara.

Com experiência no Congresso e proximidade ideológica do Palácio do Planalto, é provável que ocupem funções de destaque nos próximos quatro anos, ao contrário de alguns outros suplentes de ministros de Lula.

Natural de Salvador (BA) e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Orlando Silva foi ministro dos Esportes de 2006 a 2011, sob Lula e Dilma Rousseff (PT). Fez carreira política em São Paulo, Estado pelo qual se elegeu deputado federal em 2014 e em 2018. Em 2022, obteve pouco mais de 108 mil votos, mas não foi eleito: ficou como o 1º suplente da federação partidária formada pelo PT, pelo PC do B e pelo PV em São Paulo. Agora, estará de volta ocupando a vaga deixada por Luiz Marinho (PT-SP), atual ministro do Trabalho e Emprego.

“Eu sou um parlamentar que busca costurar soluções. Então, quando começou a pandemia (de covid-19, em março de 2020), quem relatou o decreto legislativo (reconhecendo o estado de calamidade pública)? Eu. Também relatei a medida provisória de proteção do emprego (a MP 936 de 2020, que permitia a suspensão temporária dos contratos de trabalho). E agora, nessa crise das notícias falsas, assumi a relatoria do PL das Fake News. Sou um operário do Parlamento. Por agora, estou muito focado nos temas de direito digital, de combate à desinformação (…) e em iniciativas de promoção da igualdade racial”, diz Orlando Silva à BBC News Brasil. O projeto de lei das Fake News, mencionado por ele, já foi aprovado no Senado e aguarda votação na Câmara. Silva espera que o projeto seja votado ainda no primeiro semestre de 2023.

Abaixo de Orlando Silva na lista de suplentes da federação está Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, um congressista veterano do PT de São Paulo que exerce mandato ininterruptamente na Câmara desde 2003. Em 2022, ele teve 82,9 mil votos e não foi eleito. Agora, voltará à Casa para seu sexto mandato substituindo outro petista de São Paulo, o deputado reeleito Paulo Teixeira, que é o atual ministro do Desenvolvimento Agrário. Ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), Vicentinho foi líder da bancada do PT em 2014 e 2015.

Vicentinho conta que teve mais votos em 2022 que em 2018 – e mesmo assim não entrou. “Mas saí de cabeça erguida”, diz ele. “Antes de mais nada eu agradeço ao Lula que convidou três ministros (do PT) em São Paulo. Eu fiquei como terceiro suplente e vou assumir”, diz ele. “Eu fico pensando também até quando vou ser deputado. O mandato inteiro? Porque eu considero que Lula deverá fazer reformas (ministeriais) no mandato dele. Uma das coisas que pode provocar mudanças é os deputados do centro quererem ministérios. Mas com certeza eles não vão querer o Ministério do Desenvolvimento Agrário, para tratar de reforma agrária. Nem o do Trabalho ou a Secretaria de Relações Institucionais”, avalia ele.

Em outra lista do campo da esquerda, o deputado Ivan Valente ocupará uma das vagas abertas na lista da federação formada pelo PSOL e pela Rede Sustentabilidade, com a nomeação das ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas). No Legislativo federal desde 1995, Ivan Valente teve 44,4 mil votos em 2022 e ficou como o 2ª suplente da federação PSOL-Rede, que conquistou seis vagas na Câmara em São Paulo. Com exceção de um breve período no começo do primeiro mandato de Lula (2003 a 2005), esta será a primeira vez que Valente não estará na oposição.

“A decisão do PSOL é de ser base de apoio do governo, mas mantendo uma certa independência. E sem ocupar muitos espaços. O caso da Sônia (Guajajara) é uma exceção e está mais ligado à relação dela com os movimentos sociais (indígenas), mas o PSOL tem ocupado poucos cargos no governo. E isso nos dá uma independência maior. Nossa tarefa é ‘desbolsonarizar’ o Brasil e trazer o governo Lula o mais à esquerda possível, dentro da correlação de forças atuais. O PSOL sempre foi de oposição (…). Desta vez não lançamos candidato (presidencial), porque o único candidato capaz de derrotar o Bolsonaro era o Lula mesmo”, diz ele.

Retrato do deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) numa comissão da Câmara dos Deputados. Ele é um homem negro. Veste camisa social branca e gravata vinho com um terno azul marinho.

Crédito, Bruno Spada / Câmara dos Deputados

De volta ao Congresso, Orlando Silva (PC do B-SP) espera que o projeto de lei das Fake News vá a votação no Plenário da Câmara ainda no primeiro semestre de 2023.

Valente diz que tentará participar das comissões de Meio Ambiente e Educação. O ativista Guilherme Boulos (PSOL-SP), do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), será o líder da bancada do partido no primeiro ano desta legislatura.

Em seu terceiro mandato, Lula escolheu para compor a Esplanada dos Ministérios 12 políticos eleitos para o Congresso em 2022: nove deputados federais e quatro senadores. Há ainda quatro senadores que já estavam no mandato entre os ministros. A proporção de membros do Legislativo entre no ministério do petista é de pouco mais de 40% – bem mais que na primeira formação da Esplanada de Jair Bolsonaro (PL), quando só quatro dos 22 titulares tinham cargo no Poder Legislativo.

Sindicalistas, prefeitos e herdeiros do jogo do bicho

Nem todos os ministros de Lula serão substituídos por congressistas veteranos de esquerda como Vicentinho, Ivan Valente e Orlando Silva. Entre os suplentes dos ministros há ex-prefeitos, vereadores, sindicalistas e diretores de ONGs. Há também um empresário dono de usinas de cana de açúcar em Alagoas e até um político da baixada fluminense que é parente de um tradicional barão do jogo do bicho carioca.

Beatriz Rey é doutora em ciência política e pesquisadora visitante do SNF Agora Institute da Johns Hopkins University, nos EUA. Como parte de suas pesquisas, Beatriz comparou o desempenho de suplentes que têm experiência no Legislativo com o dos novatos – e o resultado é que os veteranos costumam desempenhar melhor o mandato. “Em todos os modelos estatísticos que eu rodei, os suplentes sempre têm uma eficácia menor (que os titulares). É que na maior parte dos casos o suplente não está preparado (para exercer o mandato) ou cai de pára-quedas. Então acho positivo que dessa vez tenham sido puxados alguns suplentes que não são alheios ao sistema político”, diz ela, que é especialista em temas do Legislativo.

Segundo Rey, há duas explicações para o fato de Lula ter mais ministros congressistas que Bolsonaro: o petista está tentando montar uma coalizão de governo, ao contrário do que fez o capitão da reserva no começo do mandato; e o fato de que partidos de esquerda possuem quadros com carreira política, o que não era o caso do bolsonarismo. “Tem um esforço de tentar compor uma coalizão, com gente do União Brasil e de outros partidos. E tem a ver também com o fato de que o PT consegue formar quadros, o que não acontece com outros partidos brasileiros”, diz ela.

No Senado, dois ministros de Lula serão substituídos por mulheres de políticos. Flávio Dino (Justiça) terá sua cadeira ocupada pela prefeita de Pinheiro (MA), Ana Paula Lobato (PSB), mulher do presidente da Assembleia Legislativa do Estado, o deputado estadual Othelino Neto (PC do B). Já o petista Wellington Dias (Desenvolvimento Social) deixará o mandato nas mãos da socióloga Jussara Lima (PSD), que é casada com o deputado federal Júlio César (PSD-PI).

O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL), seguiu uma tradição da política brasileira ao escolher seu principal financiador de campanha como suplente. Seu mandato ficará com o empresário alagoano Fernando Farias (MDB). Genro do industrial Carlos Lyra, morto em 2017, Farias é diretor do Grupo Lyra, uma empresa que controla usinas de cana de açúcar em Alagoas. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele declarou patrimônio de R$ 7,7 milhões. Ele fez a maior doação individual para a campanha de Renan Filho: R$ 350 mil.

Lula toma posse no Plenário da Câmara dos Deputados. Lula lê um papel da mesa da Câmara enquanto uma multidão de pessoas em roupas sociais o observa do plenário

Crédito, Edilson Rodrigues / Agência Senado

Lula toma posse no Plenário da Câmara dos Deputados. Lula lê um papel da mesa da Câmara enquanto uma multidão de pessoas em roupas sociais o observa do plenário

A cadeira da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), será ocupada pelo advogado Ricardo Abrão. Ele é sobrinho de Anísio Abraão David, um dos principais nomes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Presidente da escola de samba Beija-Flor até 2021, Abrão é filho do ex-prefeito de Nilópolis, Farid Abrão (1944-2020). Procurados pela reportagem, Ricardo Abrão e Daniela Carneiro não retornaram os contatos. A Presidência da República também foi procurada, mas preferiu não comentar.

Como funciona a substituição no Legislativo

No sistema eleitoral brasileiro, deputados federais e senadores são eleitos por sistemas diferentes: enquanto a eleição para o Senado é majoritária – o mais votado no Estado fica com a vaga – na Câmara o sistema de votação é chamado de proporcional. Ou seja: as cadeiras são distribuídas entre os partidos, seguindo a proporção de votos de cada legenda perante o total. E isso também impacta a forma como deputados e senadores são substituídos, em caso de necessidade: no Senado, cada um é eleito com substitutos (os suplentes) pré-definidos. Na Câmara, não: o deputado não escolhe quem o substituirá.

“No sistema proporcional, o que se elege é uma chapa inteira de deputados federais, estaduais e vereadores. Todas as pessoas que foram candidatos a deputado federal pelo partido naquele Estado são, em tese, suplentes (desde que o partido tenha conquistado pelo menos uma vaga). Primeiro suplente, segundo, terceiro… por ordem de votação. O mais votado assume a cadeira, e em seguida você tem o primeiro suplente, o segundo, etc. Quando um deputado pede licença, morre ou assume outro cargo (…), a mesa da Câmara chama o primeiro suplente para assumir”, diz o advogado eleitoral Fernando Neisser. Ele é presidente da comissão de direito eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

Além dos congressistas eleitos que se tornaram ministros de Lula, outros não assumirão os mandatos porque aceitaram comandar secretarias em governos estaduais – alguns deles abrirão espaço para suplentes, ex-deputados que estavam no mandato e não conseguiram se reeleger em 2022.

Retrato do deputado federal Vicentinho (PT-SP) na tribuna do Plenário da Câmara dos Deputados. Ele é um homem negro. Veste camisa social branca e púrpura com um terno cinza esverdeado.

Crédito, Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Vicentinho (PT-SP) terá mais um mandato na Câmara: ‘Eu agradeço ao Lula por ter nomeado três ministros de São Paulo, o que permitiu que eu voltasse’

É o caso de Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que é enfermeira de formação e assumiu o posto de secretária de saúde do seu Estado, no governo de Jorginho Mello (PL). Ao aceitar a tarefa, ela deixará o cargo com Geovania de Sá (PSDB-SC), que não se reelegeu em 2022. No PT, o mesmo se dará com Josias Gomes (BA): hoje no quarto mandato, ele voltará à Câmara porque Jorge Solla (PT-BA) assumiu a Casa Civil do governo baiano de Jerônimo Rodrigues (PT).

Veja abaixo a lista dos Congressistas eleitos em 2022 e que assumiram ministérios e seus respectivos substitutos:

Senado

Camilo Santana PT-CE – Educação

Augusta Brito (PT-CE)

Flávio Dino PSB-MA – Justiça

Ana Paula Lobato (PSB-MA)

Renan Filho MDB-AL – Transportes

Fernando Farias (MDB-AL)

Wellington Dias PT-PI – Desenvolvimento Social

Jussara Lima (PSD-PI)

Câmara

Alexandre Padilha (PT-SP) – Relações Institucionais

Orlando Silva (PcdoB-SP)

Paulo Teixeira (PT-SP) – Desenvolvimento Agrário

Alfredinho (PT-SP)

Luiz Marinho (PT-SP) – Trabalho e Emprego

Vicentinho (PT-SP)

Paulo Pimenta (PT-RS) – Secretaria de Comunicação Social

Reginete Bispo (PT-RS)

Juscelino Filho (União-MA) – Comunicações

Dr. Benjamin (União-MA)

Daniela Carneiro (União-RJ) – Turismo

Ricardo Abrão (União-RJ)

Marina Silva (Rede-SP) – Meio Ambiente

Ivan Valente (PSOL-SP)

Sonia Guajajara (PSOL-SP) – Povos Indígenas

Luciene Cavalcante (PSOL-SP)

Fonte: BBC