• Estanislao Nistal Villán
  • The Conversation*

26 janeiro 2022

Ilustração de anticorpo atacando coronavírus

A virulência do SARS-Cov-2 depende não só do agente infeccioso, mas também das condições de imunidade do seu hospedeiro

Todos nós provavelmente já ouvimos no último mês que a variante ômicron é menos virulenta que as anteriores. Mas essa informação é segura? No que se baseou essa conclusão?

A virulência de um agente infeccioso é compreendida como uma medida da sua patogenicidade. Entendemos que algo é patógeno quando é capaz de produzir uma enfermidade ou efeito nocivo.

O poder de uma nova variante

Para que o agente infeccioso seja um patógeno, são necessários dois elementos: o agente infeccioso e seu hospedeiro.

A virulência intrínseca do SARS-CoV-2 depende do seu potencial de reproduzir-se nas células infectadas, vencer nossa reação imunológica e induzir uma espécie de reação anômala que desencadeia a covid-19.

Entre os elementos de virulência intrínsecos do vírus, encontramos dois tipos de proteínas: as estruturais, presentes na partícula viral, e as não estruturais, que somente são produzidas durante o processo de reprodução do vírus na célula infectada.

Esse processo causa interação e manipulação muito eficaz de proteínas e processos celulares por parte das proteínas virais – por exemplo, a proteína S, que interage com o receptor ACE2, ou a protease PLpro, que serve para quebrar e amadurecer diferentes proteínas do vírus, além de quebrar e desativar algumas proteínas celulares chave. E também as proteínas ORF3B e Nsp14, relacionadas com a inibição das defesas mediadas pela autofagia, suspensão da produção de proteínas celulares ou da reação mediada pelos interferons.

A lista de fatores de virulência é longa e incluiria os elementos do vírus associados à doença que alteram o funcionamento normal das células e do organismo infectado.

O outro lado da moeda – nossa imunidade

Nossas diferentes camadas de imunidade contra as infecções agem como um exército de defesa para tentar minimizar o impacto das armas virais.

Os nossos três principais exércitos são a imunidade inata, a imunidade humoral (mediada por anticorpos específicos) e a imunidade celular (mediada por células T).

No início da pandemia, nós contávamos apenas com a imunidade inata para proteger-nos contra qualquer vírus. Se essa imunidade não fosse suficiente, as outras duas poderiam entrar em ação, mas elas precisavam de um período de instrução para especializar-se no combate contra o SARS-CoV-2 – e, naquele momento, elas não estavam prontas e não eram capazes de evitar a covid-19.

A vacinação e a infecção servem de curso de formação para essas defesas. Com isso, as defesas são selecionadas e potencializam a geração de anticorpos e células T específicas contra o vírus. E, à medida que essa preparação é aprimorada, esse arsenal imunológico permite que nossos três exércitos tenham a formação necessária para enfrentar o inimigo com garantias de poder controlá-lo e evitar que nos faça mal.

Vacinacao de homem na Indonesia (24 de janeiro de 2022)

Crédito, EPA

A vacinação e a infecção servem de curso de formação para defesas contra covid

Dependendo se estamos ou não imunizados, os danos causados pelo vírus podem variar e, portanto, sua virulência no nosso organismo também será alterada. Como dissemos, ela não depende apenas do vírus, mas também do hospedeiro.

Em outras palavras, o vírus pode continuar a ter armas muito potentes, mas nossa preparação imunológica pode fazer com que ele nos cause danos menores.

Menos virulenta, mas nem tanto

Nas últimas semanas, temos ouvido repetidamente que a variante ômicron é mais “fraca” que as anteriores. Mas isso não significa que ela tenha perdido toda a sua virulência, nem mesmo sua maior parte.

Segundo um estudo recente (em versão preliminar, não revisado pelos pares) realizado em modelos animais, a virulência foi ligeiramente reduzida. Já outra pesquisa (também em versão preliminar) confirmou que boa parte da sua virulência e da gravidade causada por ela reduziu em apenas 27% o risco de hospitalização e morte com relação à variante delta.

De fato, podemos observar maior percentual de pessoas não vacinadas ou sem imunidade específica contra o vírus em UTIs, ou mesmo de mortes, em comparação com pessoas vacinadas com as mesmas características. Ou seja, é naquelas pessoas que a virulência intrínseca da ômicron se manifesta.

Em cada uma das variantes do SARS-CoV-2 que vêm surgindo, o vírus vem introduzindo mutações que as permitem substituir a variante anterior, graças à sua eficácia de infecção e propagação.

A variante alfa adquiriu melhor capacidade de transmissão que o vírus original de Wuhan, na China. Já a delta se impôs graças ao aumento da sua capacidade de infecção e de escapar parcialmente dos nossos anticorpos neutralizantes.

Agora, a ômicron conseguiu manter e até melhorar sua capacidade de transmissão e escapar da capacidade neutralizante dos anticorpos específicos contra as variantes anteriores. Ela o fez graças à introdução da maior parte das suas alterações na proteína de superfície.

Mas nenhuma dessas variantes parece apresentar melhoria das propriedades intrínsecas do vírus para escapar da imunidade inata. Elas conseguiram apenas ganhar uma pequena capacidade de superar a defesa celular.

Definitivamente, os elementos de virulência intrínsecos do vírus que foram alterados por mutações nas diferentes variantes não foram suficientes para que o vírus perdesse parte importante da sua virulência, considerando o demonstrado pela ômicron nas pessoas não imunizadas.

Grande parte da virulência das diferentes variantes é condicionada à nossa preparação frente ao vírus. Por isso, é esperado que a tão desejada perda de virulência seja determinada, em grande parte, por nós mesmos e pela nossa capacidade de desenvolver imunidade, por meio de infecções e da vacinação. Esta é a chave fundamental para superarmos a pandemia.

* Estanislao Nistal Villán é virologista e professor de microbiologia da Faculdade de Farmácia da Universidade CEU San Pablo, em Madri, na Espanha.

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Fonte: BBC