O futebol sempre foi marcado pelos dribles e plasticidade que encanta as torcidas pelo mundo tanto quanto os gols.
Os grandes jogadores frequentemente utilizam estes recursos para facilitar a chegada ao gol adversário, quando estão muito marcados ou simplesmente para provocar o outro time.
O drible faz parte do imaginário futebolístico mundial, além de ser intrínseco ao esporte. Agora, você sabia que há um estilo de futebol em que o drible integra uma identidade e pertencimento?
Estamos falando sobre o “Kasi Football”, um modo de jogar futebol criado na África do Sul por trabalhadores rurais negros, durante o Apartheid.
O “modo Kasi” de jogar é marcado pelo estilo livre e o excesso de lances criativos. O drible é tão, e as vezes, mais importantes que o próprio gol.
Porque tocar a bola quando você pode fazer embaixadinhas no meio de campo? Para que lançar para um jogador livre de marcação quando você pode passar por todos os adversários na base de pedaladas?
Esse princípio de favorecer lances bonitos com demonstrações de habilidade faz parte do estilo intrínseco à cultura esportiva da África do Sul.
A relação com a sociedade sul-africana
O estilo inconfundível do Kasi Football surgiu durante o regime do Apartheid na África do Sul, nos pequenos bairros onde moravam os trabalhadores negros.
A palavra “Kasi”, inclusive, é uma abreviação de “Lokasi”, uma palavra em africâner que significa “localização” ou “município”.
De acordo com Tarminder Kaur, antropóloga especializada em esportes alternativos, os “Lokasi” foram construídos como áreas residenciais para a classe trabalhadora negra.
Segundo a especialista, o principal objetivo destes locais “era segregar os negros dos brancos e, ao mesmo tempo, fornecer moradia barata para as pessoas que trabalhavam nas empresas dos brancos”.
Os “Lokasi” serviram principalmente aos interesses da minoria governante branca sob as políticas de controle populacional do Apartheid.
Tarminder Kaur, antropóloga
A resistência do povo
O Kasi Football surgiu dentro de um cenário de repressão racial, política e econômica.
Segundo a pesquisadora associada da Universidade de Joanesburgo, o futebol foi apresentado aos trabalhadores negros – principalmente mineradores – como uma medida para controlar o que eles faziam durante o tempo de lazer e reduzir o risco de rebelião pelas péssimas condições de trabalho.
Mesmo assim, em pouco tempo os sul-africanos “tomaram” o esporte para si e transformaram o futebol em um estilo que mistura a plasticidade, criatividade e a alegria.
O modo diferente de jogar futebol se popularizou ainda mais durante a década de 1950, quando a Confederação Africana de Futebol (CAF) baniu a seleção sul-africana por conta do regime segregacionista – que também proibia os negros de jogarem pela África do Sul.
Coube aos “Lokasi”, ou seja, as pessoas dos bairros, lutarem contra a repressão do Apartheid e manter viva a cultura futebolística sul-africana.
De acordo com Tarminder, “o Kasi se tornou se tornou uma representação do povo. Uma forma de se expressar enquanto verdadeiros sul-africanos”.
O futebol Kasi é simplesmente o esporte dos bairros, que se adapta às suas condições e se apresenta verdadeiramente como um jogo do povo.
Tarminder Kaur, antropóloga
A importância do Kasi Football
O modelo de jogo marcado pelo brilho e a pura habilidade com a bola nos pés simboliza o futebol e a sociedade da África do Sul.
No país, há um entendimento que o futebol e, principalmente o Kasi, pertencem ao povo negro.
O estilo criado pelos trabalhadores durante o período do Apartheid moldou o futebol profissional. Diversos jogadores da seleção da África do Sul tiveram sua origem praticando o Kasi nos seus bairros, como Teboho Mokoena e Siphiwe Tshabalala.
Mas apesar do sucesso do estilo, Tarminder alerta que mesmo “a liga profissional sul-africana sendo rica e organizada, os bairros [onde os jogadores surgiram] continuam marcados pela pobreza”.
Muitos jogadores profissionais tiveram suas origens e ainda são ligados aos bairros, mas a riqueza do futebol não chega nos “Lokasi” de maneira significativa.
Tarminder Kaur, antropóloga
O êxito do “esporte das massas”
O verdadeiro “futebol arte” é utilizado por milhares de jovens de bairros periféricos que sonham em se tornar jogadores profissionais de futebol.
Um dos principais torneios do estilo futebolístico é a Red Bull Kasi Cup. Na competição, times de bairro concorrem ao título e visam um lugar entre os jogadores profissionais.
De acordo com os organizadores, o torneio também “desempenha um papel importante no desenvolvimento do esporte na África do Sul, especialmente em áreas com jogadores talentosos, mas com poucas oportunidades [de mostrar seu talento]”.
Não há lugar na África do Sul que as pessoas não joguem futebol. É o esporte das massas.
Tarminder Kaur, antropóloga
O futebol sul-africano mostrou para o mundo durante a Copa do Mundo de 2010, quando o país foi sede, o estilo dos “Bafana Bafana”.
As danças coreografadas durante o Mundial encantaram o planeta e demonstra o “espírito Kasi”. O esporte forjado como resistência e moldado para se tornar símbolo de pertencimento.
Sucesso nas redes
Quem pensa que o estilo “Kasi” não faz sucesso fora dos gramados, está errado. A plasticidade sul-africana faz sucesso nas redes sociais.
Apenas no TikTok, vídeos com demonstrações de habilidade alcançam milhões de visualizações. Na tag “KasiFootball”, os views ultrapassam a marca de 250 milhões.
Confira alguns lances:
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Fonte: CNN Brasil