• Katie Bishop
  • BBC Worklife

18 fevereiro 2022

Mae e filha

Crédito, Getty Images

A pandemia amplificou a falta de tempo comumente enfrentada pelas pessoas que têm filhos pequenos – principalmente pelas mães

Tempo para você, tempo para passar com seus filhos, tempo para as tarefas domésticas. Pergunte a qualquer pai ou mãe qual é sua maior reclamação e muitos responderão com alguma versão do mesmo problema: simplesmente não há tempo para tudo.

Definida como a sensação crônica de ter coisas demais a fazer e não ter tempo suficiente para tudo, a “pobreza de tempo” vem crescendo entre as pessoas. Pesquisas indicam que a maior parte das pessoas sente-se constantemente “pobre de tempo” – e essa pobreza de tempo pode ter impactos severos e de amplo alcance, incluindo a redução do bem-estar, da saúde física e da produtividade.

Esse problema é particularmente comum entre os pais. As pessoas que vivem com crianças com menos de 15 anos de idade têm até 14 horas a menos de tempo livre por semana que os que vivem sozinhos, segundo as estatísticas britânicas oficiais de 2018.

Pesquisas indicam que cuidadores primários de muitos tipos – particularmente mães de baixa renda sem acesso às estruturas de apoio disponíveis para as que ganham mais – são mais propensas a enfrentar a pressão do tempo e os cronicamente pobres de tempo muitas vezes encontram-se presos em um ciclo de pobreza social e econômica.

A pandemia aumentou muitos dos problemas de pobreza de tempo, mas os especialistas acreditam que pode haver algumas formas de resolver essa questão.

Os maiores impactos

Vivemos em uma era que idolatra a produtividade. A cultura do “sempre ligado” significa que nosso trabalho invade frequentemente nosso tempo pessoal; a criação de filhos parece mais intensa; e nossos amigos, hobbies e interesses estão apenas a um toque de distância no celular, 24 horas por dia e sete dias por semana.

“Você dificilmente encontrará um ser humano que diga que não é pobre de tempo”, afirma Grace Lordan, diretora da Iniciativa para a Inclusão da London School of Economics.

“As pessoas sentem com mais frequência a necessidade de ficar à disposição para o trabalho, família e amigos, já que estamos conectados à tecnologia todo o tempo. Para as crianças, existem muito mais atividades estruturadas em comparação com o passado, de forma que, para os pais, o sábado não consiste mais em simplesmente abrir a porta e deixar os filhos saírem para brincar. Essas mudanças mudaram fundamentalmente a forma como percebemos o tempo e nos sentimos com relação a ele”, afirma Lordan.

Mulher lavando roupa com filho

Crédito, Getty Images

O trabalho doméstico sem remuneração aumenta o estresse sobre o tempo das mães e outros cuidadores primários

Embora certos grupos populacionais tenham se beneficiado com formas mais eficientes de trabalho nas últimas décadas, outros sofreram devido ao aumento do tempo dedicado ao trabalho sem remuneração e cognitivo – encargos assumidos com mais frequência pelas mulheres. Não é necessariamente a pobreza de tempo que está aumentando, mas a desigualdade do tempo.

“A pobreza de tempo afeta principalmente os cuidadores, mas também prejudica desproporcionalmente os pobres”, segundo Aleksandar Tomic, diretor assistente de estratégia, inovação e tecnologia do Departamento de Economia da Faculdade de Boston, nos Estados Unidos.

“Para famílias que não podem pagar por cuidadores para os seus filhos, os mais velhos ou parentes doentes, a atenção às crianças e outros compromissos podem exigir uma quantidade de tempo excepcional. As tarefas de cuidado quase sempre são desempenhadas pelas mulheres, mesmo quando elas vivem com um parceiro”, afirma Tomic.

Para as mulheres (e, particularmente, para as mulheres que têm filhos), a falta de tempo é um problema sério. Pesquisas indicam que, nos países desenvolvidos, as mulheres gastam duas vezes mais horas por dia em trabalhos sem remuneração, como cozinhar, limpar e cuidar dos filhos, enquanto, nos países em desenvolvimento, essa diferença aumenta para 3,4 vezes.

Em alguns casos, isso se deve a desigualdades explícitas e expectativas de gênero definidas sobre quais trabalhos as mulheres devem fazer. Mas, em outros, as desigualdades são mais sutis.

Para muitas mulheres, mais tempo é consumido pela chamada “carga mental” – o trabalho emocional e cognitivo desempenhado pelas mulheres, como o planejamento das refeições ou a organização de festas, que permanece não representado nas medidas econômicas de produtividade e crescimento. A pobreza de tempo causada pela carga mental do trabalho doméstico muitas vezes retira as mulheres – e, particularmente, as mulheres cuidadoras – do mercado de trabalho ou as encaminha para trabalhos com salários mais baixos.

“A pobreza de tempo cognitivo pode apresentar-se até em lares com renda mais alta, já que alguém ainda precisa coordenar todo o apoio doméstico”, afirma Tomic. “Podemos atualmente ver as demonstrações ostensivas das frustrações decorrentes da pobreza de tempo, principalmente na forma da Grande Renúncia [a tendência que levou um grande número de trabalhadores norte-americanos a deixar seus empregos durante a pandemia de covid-19].”

O círculo vicioso da pobreza de tempo

Nicole Villegas, terapeuta ocupacional de Portland, em Oregon, nos Estados Unidos, frequentemente recebe trabalhadores esgotados queixando-se que simplesmente não têm tempo suficiente durante o dia. Ela afirma que a maioria das pessoas tem a sensação de que os dias passam rápido demais e conta que tem observado que a pobreza de tempo gera má qualidade de sono, burnout e depressão.

Para algumas pessoas, os impactos para a saúde podem ser ainda mais significativos. O esgotamento causado pelas responsabilidades domésticas pode fazer com que as mulheres demorem para buscar assistência médica quando necessário.

Um estudo demonstrou que mais de um quarto das mulheres norte-americanas atrasou ou não procurou assistência médica nos últimos 12 meses por falta de tempo. Existem também evidências de que a pobreza de tempo promove hábitos de alimentação não saudável e redução dos exercícios – e todas as pessoas pobres de tempo apresentam níveis de bem-estar muito mais baixos.

“A pobreza de tempo cria barreiras para as pessoas que querem explorar seus interesses fora das obrigações, como o trabalho ou os cuidados com a família”, afirma Villegas. “Quando as pessoas vivem com pobreza de tempo, muitas vezes elas perdem atividades de lazer que poderiam melhorar sua qualidade de vida.”

Mas não são apenas a pausa e a possibilidade de explorar novos interesses que os pobres de tempo estão perdendo. As oportunidades de melhorar as circunstâncias da vida também ficam de lado.

Pais que estudam têm menos possibilidade de formar-se na faculdade que seus colegas sem filhos. Já indivíduos com filhos com menos de 13 anos de idade investem significativamente menos tempo em educação. Especialistas indicam especificamente que a pobreza de tempo é a principal causa.

Os pesquisadores também observam que os pobres de tempo têm dificuldade de encontrar as horas necessárias para buscar melhores empregos e, muitas vezes, não têm espaço mental para tomar boas decisões financeiras. A pobreza econômica resultante cria ainda mais pobreza de tempo – e o tempo que falta poderia ser aquele que é gasto para realizar as tarefas se não houver acesso à internet confiável em casa, cuidando dos filhos se você não conseguir pagar uma creche ou o tempo necessário para o transporte se a pessoa não tiver condições de morar em um grande centro urbano.

Os indivíduos ficam então presos em um círculo vicioso. Sua baixa renda os torna pobres de tempo – mas sua falta de tempo também impede que eles melhorem suas condições financeiras. “Do ponto de vista econômico, a pobreza de tempo manifesta-se em queda da produtividade e, por fim, menores possibilidades de progresso”, afirma Tomic. “Isso acaba resultando em discrepâncias salariais.”

Pai trabalhando com filha

Crédito, Getty Images

Pesquisas indicam que as pessoas que vivem com filhos com menos de 15 anos de idade têm até 14 horas a menos de tempo livre por semana que as que vivem sozinhas

Preenchendo a lacuna

A pandemia apenas amplificou os problemas já existentes, aumentando o dia médio de trabalho em 48 minutos nas primeiras fases de lockdown, com a proporção de trabalho sem remuneração desempenhado pelas mulheres multiplicando-se enquanto muitas mães que trabalham equilibravam seus empregos e as aulas em casa.

O estresse e a depressão dispararam entre os pais sobrecarregados e, nos Estados Unidos, a participação das mulheres no mercado de trabalho caiu para o seu nível mais baixo dos últimos 30 anos, já que as mães em dificuldades com as exigências do trabalho e da família acabaram por demitir-se.

“A pandemia amplificou a pobreza de tempo, removendo muitos sistemas de apoio que antes eram disponíveis para os pais e, em alguns casos, acrescentando mais responsabilidades, como as compras de mercado para um vizinho idoso”, afirma Iryna Sharaievska, professora da Faculdade de Ciências Comportamentais, Sociais e de Saúde da Universidade de Clemson, nos Estados Unidos.

“Essas responsabilidades adicionais caíram principalmente sobre os ombros das mulheres. Como resultado, as mães ficaram com duas vezes mais possibilidade que os pais de perder seus empregos para compensar a falta de creches e muitas delas precisaram reduzir suas horas de trabalho. As mulheres negras, sem diploma universitário e de baixa renda foram as que sofreram maiores impactos”, segundo Sharaievska.

Ela receia que a pobreza de tempo somente aumentará no futuro.

“Nós, como sociedade, estamos aumentando constantemente nossas expectativas de produtividade, desempenho, dedicação e responsabilidade como pais”, afirma ela. “Nós elogiamos as pessoas que ‘fazem de tudo’. ‘Supermães’ que ‘conseguem tudo’ são constantemente apresentadas na imprensa e nas redes sociais como um objetivo a ser buscado, o que normaliza ainda mais a falta de apoio do governo, dos empregadores e das comunidades, devolvendo a responsabilidade para as mães.”

Sharaievska afirma que a redução da pobreza de tempo exige mudanças reais dos governos e dos empregadores. São necessárias políticas claras para apoiar as mães e os cuidadores primários.

“O governo precisa criar políticas que apoiem os pais – garantia de férias remuneradas e licença-maternidade, de forma que as ausências em favor da família não sejam consideradas ‘oportunidades únicas na vida'”, segundo ela. “Deverá ser fornecida assistência adicional aos pais solteiros, famílias de baixa renda e famílias em comunidades rurais. Os empregadores devem criar um ambiente onde os funcionários possam cuidar das suas necessidades sem medo de perder seus empregos.”

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Fonte: BBC

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