O papel da arte, se é possível escolher apenas um, poderia ser o de último refúgio do desejo de contemplar. Contemplar formas, ou ideias. Algo que faça cada um de nós, pelo menos, sentir.

Desde março de 2020, os sentimentos de todos sofreram um dos maiores baques coletivos com a crise sanitária mundial. A pandemia da Covid-19 colocou as pessoas em casa, e a arte presencial ficou de lado. O consumo de imagens online continuou, muitas experiências migraram para as telas, mas nada era mais como antes.

Um ano depois, em abril de 2021, a vida cultural em São Paulo voltou a florescer, lentamente e com público restrito, com cinemas e espaços culturais reabrindo. Entre eles, MAM, Itaú Cultural, Masp e o Instituto Tomie Ohtake.

Já a partir do segundo semestre, com o efeito da vacinação brasileira diminuindo os números de mortos e infectados, grandes eventos foram reabertos como a Bienal das Artes e a feira SP-Arte.

Para a curadora e pesquisadora Ana Carolina Ralston, todos esses acontecimentos influenciaram as artes como um todo em 2021. Natureza, tecnologia e preservação do meio ambiente, temas tão presentes seja pela falta ou excesso nos últimos tempos na vida de todos, marcaram também a criação artística.

“A arte natureza defende e relaciona a produção contemporânea com a preservação do meio ambiente. Vimos também as potentes obras de artistas indígenas, que trouxeram à tona discussões essenciais para o futuro do planeta e dos povos originários”, diz ela. “Outro tema recorrente foi a tecnologia e as criações em NFTs, que abriram um leque de oportunidade para um mercado em expansão“, completa.

O mix de temáticas da natureza, o resgate de ancestralidade e concomitantemente uma busca por novos caminhos tecnológicos parece ser um consenso entre especialistas.

“Fazendo o recorte das artes, penso que a temática que mais se destacou no campo da cultura foi a emergência das humanidades digitais. A pandemia nos lançou a esse redemoinho que junta desde coleções do Paleolítico à realidade aumentada, inteligência artificial e dispositivos técnicos do século 21”, comentou o pesquisador Leno Veras à CNN.

“A partir dessa transformação digital, desde o fim do século 20 mas sobretudo com a pandemia, vão emergir conexões que até então não eram possíveis. São novas redes, novas coalizações. Consigo ver isso não só no Brasil, mas em todo o globo. Vai surgir muita novidade de tudo isso. O que faremos e como responderemos como artistas será o nosso grande desafio.”

À pedido da CNN, curadores e pesquisadores fizeram uma retrospectiva de 2021 e escolheram os artistas que mai de destacaram durante o ano. Confira:

Ana Carolina Ralston, curadora e pesquisadora

Daiara Tukano

Yé’hé Nhakô – Garça Real, 2021. Tinta acrílica e pasta metálica sobre tela de Daiara Tukano/ Reprodução/Instagram

“Artistas de povos originários chamaram a atenção do mercado das artes em 2021, entre eles Daiara Tukano, da etnia Tukano. Sua obra foi destaque na Bienal de São Paulo, em um interessante diálogo com a produção de Lygia Pape.”

Emerson Munduruku

Ativista e drag queen Emerson Munduruku durante performance / Reprodução/Instagram

“Artista drag queen e ativista, o biólogo amazonense Emerson Munduruku criou a personagem Uýra Sodoma, através da qual comunica e luta por temas relacionados à preservação ambiental. Foi destaque na SP-Arte e também na Bienal de São Paulo.”

Igi Lola Ayedun

“A arte produzida por mulheres e também as que transitam pelas temáticas afro-diaspóricas chamaram a atenção do público este ano. A completa e talentosa Igi Lola Ayedun une os dois elementos, além de ter grande desenvoltura na linguagem digital dos NFTs. Foi destaque na SP-Arte e está à frente da primeira galeria brasileira dirigida por equipe 100% negra.”

ISE e Finok

Obra exposta na SP-Arte de Finok (Raphael Sagarra) / Reprodução/Instagram

“A produção que dialoga com a urbe, seja como denuncia ou como forma de criar portais lúdicos pela metrópole, voltou a chamar a atenção este ano. Neste cenário, ISE (Claudio Duarte) e Finok (Raphael Sagarra) estiveram presentes no circuito que envolve a Miami Art Basel, produzindo grandes murais pela cidade americana.”

Maria Lira Marques

Maria Lira Marques participou da Art Basel, em Miami/ Reprodução/Instagram

“Pesquisadora, ativista e divulgadora da cultura popular, Maria Lira Marques se destacou pela poética de seu trabalho em cerâmica. Foi aclamada durante o ano pela importante exposição que fez na Galeria Gomide & Co e pela participação na feira Art Basel.”

Leno Veras, curador e pesquisador

Emília Estrada

/ Reprodução/Instagram

Emília Estrada é uma artista com forte vocação para a ação social, unindo práticas de mediação e pesquisa de campo junto a coletivos, sobretudo de grupos migrantes. Ações com aprendizagem técnica, como de desenho arqueológico, fazem parte de sua inovadora forma de articulação entre arte e ciência.”

Raphael Escobar

Obra Retratos de 2021, de Raphael Escobar/ Reprodução/Instagram

Raphael Escobar é um ativista cuja ação se dá por meio da arte, em seu mais urgente aspecto político, junto às comunidades da Cracolândia em São Paulo. Como gestor de laboratórios públicos, é um agente importante do contexto artístico brasileiro contemporâneo.”

Roberta Carvalho

Roberta Carvalho é uma artista com forte inclinação para as linguagens digitais, construindo redes entre territórios e comunidades através dos meios tecnológicos. Sua atuação vem estruturando um conjunto de ativações bastante inventivas, cuja visualidade já começa a ter reconhecimento internacional.”

Mayana Redin

Mayana Redin é uma pesquisadora cuja prática artística transita entre múltiplas ciências, sendo ainda ensaísta com interessante olhar sobre o cosmismo russo; tema ainda pouco explorado pelos teóricos da arte brasileiros.”

Paulo Paes

Paulo Paes desenvolve ecossistemas por meio de práticas comunitárias – o caráter experimental de seu trabalho tem sido há décadas uma plataforma importante de diálogo entre a arte e a ciência.”

Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte

Gustavo Nazareno

Obra de Gustavo Nazareno, destaque na SP-Arte/ Reprodução/Instagram

“Todos os artistas são destaques, uma vez que a feira reúne os melhores e mais diversos do país. O apetite dos colecionadores por talentos emergentes, principalmente ligados à prática da pintura, foi notado por diversos galeristas e curadores. Chamou a atenção o artista mineiro Gustavo Nazareno, da galeria Portas Vilaseca, que vendeu 100% do estande no primeiro dia e foi selecionado durante o evento como finalista do prêmio internacional EFG Latin America Art Award.”

Panmela Castro

“Outro sucesso de público e vendas, a artista carioca Panmela Castro apresentou uma série de trabalhos inéditos pela Galeria Luisa Strina, levantando questões sensíveis ao feminismo negro.

Jaider Esbell

O cesto da vida. Tela acrílica com óleo de Jaider Esbell, morto em novembro / Reprodução/Instagram

“As pinturas Jaider Esbell, da Galeria Millan, artista e ativista falecido recentemente, também se destacaram. Esbell consagrou-se como um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira em 2021 ao atentar para as urgências das populações nativas.”

Gisela Gueiros, historiadora da arte

Erika Verzutti

“A exposição de Erika Verzutti (1971) no MASP, ‘A Indisciplina da Escultura’, foi a primeira individual da artista em um museu brasileiro. Com curadoria impecável de Adriano Pedrosa e André Mesquita, a mostra era dividida em sete núcleos ‘pensados a partir de conceitos da filosofia, da psicanálise, da cultura popular e da própria história da arte’. Verzutti é um exemplo fenomenal de artista que se alimenta da história de arte e homenageia, de forma autoral e original, artistas que vieram antes dela, como Jasper Johns, Tarsila do Amaral e Constantin Brancusi, para citar alguns.”

Ana Prata

Racional, 2021. Acrílica e óleo sobre tela de Ana Prata / Divulgação/Galeria Millan

Ana Prata (1980) apresentou uma série de trabalhos inéditos na exposição ‘Olho Nu’, na Galeria Millan, em São Paulo, que coincidiu com o lançamento do belíssimo livro ‘Defeitos para o mundo dos sérios’, da editora Ubu. Os ensaios de Livia Benedetti e Ivo Mesquita, assim como a conversa dela com Tiago Mesquita, iluminam a produção da artista que, com suas naturezas-mortas “[indaga] sobre a própria motivação da artista na opção por esse gênero de pintura que, na produção de Ana, não é absolutamente utilizado como um tema neutro, mas possui uma carga de enfrentamento a um lugar que pode ser incômodo para uma artista mulher, justamente pela associação naturalizada do gênero feminino com a ordem da casa, da cozinha e do singelo.”

Jonathas de Andrade

Achados e Perdidos, 2020. Esculturas de barro queimado e sungas de Jonathas de Andrade / Reprodução/Site oficial

“O alagoano Jonathas de Andrade (1982) acaba de ser escolhido como representante do Brasil na Bienal de Veneza em 2022. O artista, que foi selecionado pelo curador Jacopo Crivelli Visconti, criará um trabalho inédito para a ocasião. Tanto na 32ª edição da Bienal de São Paulo quanto no New Museum, em Nova York, seu filme ‘O Peixe’ (2016) chamou a atenção ao acompanhar pescadores pelas marés e pelos manguezais de Alagoas, que utilizam técnicas tradicionais de pesca, como rede e arpão, na espera pelo tempo necessário para capturar a presa. Depois de pescá-los, o vídeo retrata um ritual: os pescadores seguram os peixes em seus braços até o momento da morte, uma espécie de abraço entre predador e presa, no momento entre a vida e a morte do peixe.”

Jaider Esbell

“O artista, ativista e produtor cultural indígena da etnia macuxi, Jaider Esbell (1979-2021) expôs seu trabalho e deu aulas no Pitzer College, nos Estados Unidos em 2013; recebeu o prêmio PIPA em 2016; mas foi em 2021 que realmente ganhou destaque ao participar da 34ª edição da Bienal de São Paulo e ter seu trabalho adquirido pelo museu Georges Pompidou. Sua morte precoce foi lamentada por muitos profissionais e instituições das artes.”

Fonte: CNN Brasil