• Leandro Prazeres – @PrazeresLeandro
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Há 1 hora

Luane Tomé de Paula de Campos

Crédito, Arquivo pessoal

Luane Tomé de Paula de Campos é pesquisadora e mestranda na UnB e está sem dinheiro para comprar comida e pagar o aluguel desde que a Capes atrasou sua bolsa

“Na minha despensa, tenho um pacote de macarrão, milho de pipoca, açúcar e café. Eu estava esperando a bolsa ser paga para comprar comida. Agora, não sei como vou comer nos próximos dias”.

O relato acima é da mestranda e pesquisadora em biologia molecular Luane Tomé de Paula Campos, 25, da Universidade de Brasília (UnB). Sua bolsa de R$ 1,5 mil deveria ter sido paga no início do mês, mas devido a cortes no orçamento do Ministério da Educação (MEC), ela se tornou uma das mais de 200 mil bolsistas que estão com seus pagamentos atrasados.

A bolsa de Luane é paga pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), um órgão vinculado ao MEC. Na terça-feira (6/12), a Capes divulgou uma nota informando que não teria condições de pagar os bolsistas porque a equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) zerou os recursos disponíveis para desembolsos da pasta neste mês.

O atraso no pagamento das bolsas acontece em meio a um corte de R$ 1,7 bilhão no orçamento do MEC feito pelo governo. O argumento para os bloqueios era a necessidade de adequar as despesas ao teto de gastos.

Nesta semana, o governo liberou R$ 300 milhões para a pasta, mas entidades que atuam na causa da educação estimam que o MEC precisaria de pelo menos R$ 1,1 bilhão só para o pagamento de despesas em aberto de universidades federais. Após protestos de estudantes, o ministro da Educação, Victor Godoy, anunciou nesta quinta-feira (8/12) que o governo havia liberado mais R$ 460 milhões para o MEC e prometeu que o pagamento das bolsas da Capes seria feito na semana que vem.

O atraso no pagamento das bolsas, porém, pegou milhares de pesquisadores em todo o Brasil e no exterior de surpresa. Como, em geral, os bolsistas não podem ter outras fontes de renda fixa, muitos se viram em situação de vulnerabilidade

“Eu sou a primeira mulher da minha família a entrar em uma universidade federal. Desde a graduação, sempre precisei de auxílio financeiro e me engajei em projetos para conseguir algum dinheiro. Eu moro sozinha e a bolsa é minha única fonte de renda. Tem dois dias que eu não consigo dormir direito”, conta Luane, que mora em um pequeno apartamento alugado em Planaltina, uma cidade-satélite no entorno de Brasília.

A pesquisadora atua em um projeto que tenta descobrir novos processos químicos para o beneficiamento do jeans.

Maria Camila Acero Castillo

Crédito, Arquivo pessoal

Maria Camila Acero Castillo é colombiana e recebe uma bolsa de R$ 2,2 mil cujo valor está atrasado

Outra bolsista da Capes afetada pelo atraso é a colombiana Maria Camila Acero Castillo, de 27 anos. Ela faz doutorado em biologia molecular, também na UnB. Por mês, ela recebe R$ 2,2 mil. Para dividir as despesas, ela se juntou a outras duas estudantes estrangeiras para alugar um apartamento em Águas Claras, uma região administrativa de Brasília.

Ela conta que começou a semana aguardando o pagamento da bolsa para pagar sua parte no aluguel e nas demais contas da casa, mas o dinheiro simplesmente não chegou.

“A gente está com o aluguel, luz e outras contas atrasadas. Nós falamos com a dona do imóvel. Ela entendeu, mas é uma situação muito instável. Estou no Brasil há três anos e esse é o pior momento que vivi desde que cheguei”, lamenta Maria.

A cientista pesquisa um novo modelo de tratamento para a epilepsia em pacientes que apresentam resistência biológica aos medicamentos já existentes.

Sem comida e sem remédios

Os cortes orçamentários na área da educação não afetaram apenas os estudantes de pós-graduação. Alunos da graduação em situação de vulnerabilidade também estão sofrendo com a suspensão do pagamento de auxílios e benefícios considerados vitais para a manutenção deles dentro das universidades. Em alguns casos, esses benefícios garantem a própria segurança alimentar de alguns estudantes.

É o caso da estudante Esther Sales, aluna do curso de Biologia, na UnB. Mulher e negra, ela vive com a mãe em uma casa em São Sebastião, uma cidade-satélite na periferia de Brasília.

Esther Sales

Crédito, Arquivo pessoal

Cortes no orçamento do MEC suspenderam o pagamento de um auxílio que Esther Sales. “Fui a primeira mulher da família a chegar à universidade. Não quero ser a última”, disse

Ela recebe R$ 465 por mês de um programa da UnB para auxiliar alunos em situação de vulnerabilidade a permanecerem no Ensino Superior. Esther diz que sua mãe não pode trabalhar por problemas de saúde e que o dinheiro que recebe ajuda a complementar a renda da família.

Neste mês, porém, a universidade anunciou que não poderia manter o pagamento por conta dos cortes orçamentários impostos pelo governo federal. Em uma nota oficial publicada na segunda-feira (5/12), a UnB disse que o último corte de R$ 17 milhões no orçamento do órgão feito pelo governo federal impede o pagamento de auxílios, contratos e pode comprometer até mesmo o funcionamento do restaurante universitário. A UnB classificou a situação como “insustentável”.

No laboratório onde estuda, Esther diz estar desesperada.

“Sem esse dinheiro, eu não consigo comprar comida e nem meus remédios. Preciso tomar medicamentos controlados pois tenho TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Sem esses remédios, eu não rendo nas aulas. A sensação é de desespero”, conta.

Esther diz que desde que seu benefício foi cortado, ela reduziu a quantidade de alimentos que ingere todos os dias.

“Agora, eu só me alimento quando vou no restaurante universitário. Tomo café, almoço e janto lá. Não tenho mais condições de tomar um lanche no meio das refeições. Meu maior medo é fecharem o restaurante”, afirma.

Aparentando tristeza com a situação, Esther disse que vai tentar resistir até onde conseguir.

“Eu fui a primeira mulher da minha família a chegar no ensino superior, mas não quero ser a última”, disse.

“Anestesiado” e longe de casa

Os cortes nas bolsas não afetaram apenas estudantes que vivem no Brasil. Segundo a Associação Nacional de Pós-Graduados (ANPG), há relatos de pelo menos 100 estudantes brasileiros fazendo parte dos seus estudos fora do país e que tiveram suas bolsas suspensas.

O doutorando Anderson Keity Ueno, que estuda biologia química na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), está em Reims, na França, onde atua como pesquisadora e recebe uma bolsa da Capes no valor de 1,3 mil euros.

Longe de casa, da família e com a bolsa atrasada, Anderson diz se sentir “anestesiado” e que já começou a pensar em alternativas para sobreviver ao atraso.

“Eu estou anestesiado porque me custa acreditar que essa situação aconteceu […] Se até o final da semana que vem não cair (o dinheiro na conta) cogito em pedir algum tipo de empréstimo ou conversar com a gerente da residência sobre o uso do caução.”, diz.

Quebra de contrato e vulnerabilidade

Para o presidente da ANPG, Vinícius Soares, o atraso nas bolsas da Capes é uma “quebra de contrato”.

“O não pagamento é uma quebra de contrato com esses estudantes. Para muitas famílias, as bolsas são as únicas fontes de renda da família. Esse atraso coloca milhares de famílias inteiras em todo o Brasil e fora em situação de vulnerabilidade”, afirma Soares.

Nos últimos dias, a Capes se manifestou sobre os cortes por meio de uma nota.

Segundo ela, o atraso é decorrente de um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da economia Paulo Guedes que impediu o pagamento das bolsas.

“A Capes foi surpreendida com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro […] o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas”, diz um trecho da nota.

Também por meio de nota, a UnB se manifestou sobre os cortes em seu orçamento no início desta semana.

“A situação financeira da UnB e das demais universidades federais já era dramática desde o início de 2022, piorou com o corte de 7,2% feito pelo governo federal no mês de junho (R$ 18 milhões só na UnB) e, agora, torna-se insustentável”, disse o órgão.

A BBC News Brasil enviou questionamentos ao MEC que, até o momento, não enviou respostas.

Procurada, a UnB informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as bolsas de assistência estudantil como a recebida por Esther Sales foram pagas nesta quinta-feira. Ainda de acordo com a nota, os serviços que foram prejudicados pelos cortes orçamentários foram o pagamento de bolsas, de serviços terceirizados, água, luz e contratos do restaurante universitário.

Fonte: BBC