Nada de pôr o título jurídico primeiro. “Aqui é pastor André Mendonça”, anuncia Silas Malafaia ao convocar para o púlpito o presbiteriano que chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) após forte lobby pastoral.

Estamos no Culto da Vitória, na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja de Malafaia. O convidado principal da noite desta quinta (9) permanece com o mote da conquista na cabeça: era hora de celebrar “uma grande vitória que Deus nos preparou”.

“Esse plano não pode ser frustrado, e não é por minha causa ou sua causa. É pela honra e glória [de Deus]”, pregou à plateia lotada —o senador Romário (PL) e o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), na primeira fila. Seu triunfo, afirmou, “era do plano de Deus, estava estabelecido por Deus, desde a fundação do mundo”.

Dando ares messiânicos à sua entrada na mais alta corte do país, Mendonça contou que disse ao presidente Jair Bolsonaro (PL), “usando a linguagem” do capitão reformado: “O militar está preparado pra guerra. Agora, nós estamos preparados pra cruz. Quem tem medo da derrota não é digno da vitória”.

O novo ministro, que será empossado na semana que vem, disse que esteve na quarta (8) com o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que estava exultante com sua aprovação para o tribunal.

“Ele fez uma pergunta interessante: como você manteve paz e serenidade durante todo o processo? Precisei explicar: o crente cristão é aquele que tem fé, fé e a certeza do que você ainda não vê”.

Repetiu no púlpito o que disse mais cedo, em reunião com Castro. Ele lembrou de definições que ouviu na imprensa sobre sua longa espera para ser sabatinado: um “calvário” com “requintes de drama”. Uma “via-crúcis”.

Por que não cunhar “maravilhosamente evangélico” no lugar do advérbio que tanta polêmica causou, “terrivelmente”?

A sugestão do governador do Rio, um católico devoto que fez carreira na música religiosa, ganhou um complemento do pastor que chegou ao Supremo sob a premissa de ser um bom cristão.

O selo de “genuinamente evangélico” também o agradava, disse Mendonça, indicado por Bolsonaro em julho e aprovado só no começo de dezembro.

Castro recebeu nesta quinta o futuro titular da corte e o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da igreja de Malafaia que em 2022 comandará a bancada evangélica, no Palácio dos Laranjeiras, uma das sedes do Executivo fluminense.

O governador brincou que Bolsonaro havia tornado a vida de seu indicado mais difícil por causa da hermenêutica —prometer um “terrivelmente evangélico” para o Supremo empolgou pastores, mas irritou opositores e tornou árdua a caminhada de Mendonça até a corte.

O principal empecilho, contudo, não veio da ala progressista que teme ataques ao Estado laico com um ministro que chegou lá com apoio de evangélicos próximos a Jair Bolsonaro.

O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-parceiro do presidente, procrastinou o quanto pôde marcar a sabatina que decidiria se Mendonça era apto ou não ao STF, na visão dos senadores.

O governador disse que, ante adversidades, valeria refletir sobre os planos de Deus: “Você vai desistir já? Não crê que sou o Deus do impossível?”. Ao que respondeu Mendonça: “Imagina se Cristo desistisse da cruz? Não ia ter cristianismo”.

Mais tarde, antes do culto, Malafaia o recebeu numa mesa onde se sentaram Castro, o ex-ministro bolsonarista Fábio Wajngarten, o desembargador William Douglas, seu irmão Samuel Malafaia (deputado estadual pelo DEM-RJ) e Romário, que Mendonça afagou como “o senador mais habilidoso”, gracejo com sua carreira no futebol.

Já o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo ganhou do ministro do STF o seguinte agrado: “Pastor Silas, esse homem tem coragem”.

Após a participação de Mendonça, o pastor que tanto batalhou por sua chegada no topo do Judiciário maldisse quem vê num ministro “terrivelmente evangélico” uma ameaça à laicidade do Estado. “O estúpido que disse isso tá dizendo que o STF só pode ser composto por ateus ou quem não professa religião”, praguejou Malafaia. “Vai ser estúpido lá na China.”

Mendonca ainda ouviria o colega de pastorado criticar quem vai contra o “núcleo familiar” (arranjos tradicionais de família, com homem e mulher) e “esquerdopatas” que tentariam importar o comunismo para o Brasil.

“A ideologia de Marx está falida, a de Cristo está de vento em popa”, disse Malafaia.

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