• Stephan Lewandowsky e Ullrich Ecker
  • The Conversation*

7 janeiro 2022

Grupo de jovens fazendo trilha na montanha

Crédito, Getty Images

Estamos em meio a uma crise agora — e a ômicron tornou mais difícil imaginar o fim da pandemia. Mas não vai durar para sempre. Quando o surto de covid-19 acabar, como queremos que o mundo seja?

Nos estágios iniciais da pandemia — de março a julho de 2020 — um rápido retorno ao normal estava na boca de todos, refletindo a esperança de que o vírus pudesse ser rapidamente controlado.

Desde então, slogans alternativos como “build back better” (reconstruir melhor, em tradução livre) também se tornaram proeminentes, prometendo um futuro melhor, mais justo e mais sustentável, com base em mudanças significativas ou até mesmo radicais.

Voltar para como as coisas eram ou avançar para algo novo são desejos muito diferentes. Mas o que as pessoas querem? Em nossa pesquisa recente, tentamos descobrir.

Junto a Keri Facer, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, conduzimos dois estudos — um no verão de 2020 e outro um ano depois. Neles, apresentamos aos participantes — uma amostra representativa de 400 pessoas do Reino Unido e 600 dos Estados Unidos — quatro futuros possíveis, reproduzidos mais adiante.

Projetamos estes cenários com base nos possíveis desfechos da pandemia publicados no início de 2020 pela revista The Atlantic e o site The Conversation.

Estávamos preocupados com dois aspectos do futuro: se envolveria um “retorno ao normal” ou um movimento progressista para “reconstruir melhor”, e se iria concentrar o poder nas mãos do governo ou devolver o poder aos indivíduos.

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Quatro futuros possíveis:

Volta ao normal — governo forte

“Segurança coletiva”

Não queremos grandes mudanças na forma como o mundo funciona.

Estamos felizes que o governo mantenha seus poderes para nos manter seguros e colocar a economia de volta nos eixos.

Volta ao normal — autonomia individual

“Pela liberdade”

Não queremos grandes mudanças na forma como o mundo funciona; nossa prioridade são o status quo e a segurança.

Queremos pegar de volta dos governos os poderes que eles reivindicaram para limitar nossos movimentos e monitorar nossos dados e comportamento.

Progressista — governo forte

“Futuro mais justo”

O que queremos é que os governos tomem medidas firmes para lidar com a injustiça econômica e o problema da mudança climática.

Estamos felizes que o governo mantenha seus poderes se proteger a justiça econômica, a saúde e o meio ambiente.

Progressista — autonomia individual

“Liderança de base”

O que queremos é que as comunidades, não os governos, trabalhem juntas para construir um mundo justo e ambientalmente correto.

Queremos pegar de volta dos governos os poderes que eles reivindicaram para limitar nossos movimentos e monitorar nossos dados e comportamento.

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Em ambos os estudos e em ambos os países, descobrimos que as pessoas preferiam fortemente um futuro progressista a um retorno ao normal. Elas também tendiam a preferir a autonomia individual a um governo forte.

No geral, em ambos os experimentos e em ambos os países, a proposta de “liderança de base” pareceu ser a mais popular.

Duas mulheres sentadas num banco ao ar livre tomando café

Crédito, Getty Images

A gente acha que sabe o que outras pessoas pensam — mas muitas vezes estamos errados

As orientações políticas das pessoas afetaram as preferências — os de direita preferiram o retorno ao normal mais do que os de esquerda — mas, curiosamente, a forte oposição a um futuro progressista foi bastante limitada, mesmo entre quem é de direita. Isso é encorajador porque sugere que a oposição ao “reconstruir melhor” pode ser limitada.

Nossas descobertas são consistentes com outras pesquisas recentes, que sugerem que mesmo os eleitores conservadores desejam que o meio ambiente esteja no centro da reconstrução econômica pós-covid no Reino Unido.

As impressões equivocadas da maioria

Isso é o que as pessoas queriam que acontecesse — mas como elas acham que as coisas vão de fato acabar?

Em ambos os países, os participantes acreditavam que um retorno ao normal era mais provável do que avançar em direção a um futuro progressista. Eles também achavam que era mais provável que o governo mantivesse seu poder do que devolvesse ao povo.

Em outras palavras, as pessoas pensavam que dificilmente conseguiriam o futuro que desejavam. Elas querem um futuro progressista, mas temem voltar ao normal com o poder concedido ao governo.

Também pedimos aos participantes para nos dizer o que achavam que as outras pessoas queriam. Descobrimos que eles pensavam que os outros queriam um retorno ao normal muito mais do que realmente desejavam.

Isso foi observado tanto nos EUA quanto no Reino Unido em 2020 e 2021, embora em níveis diferentes.

Esta notável divergência entre o que as pessoas de fato querem, o que esperam obter e o que pensam que os outros querem é o que é conhecido como “ignorância pluralística”. Este conceito descreve qualquer situação em que as pessoas que são maioria pensam que são minoria.

A ignorância pluralística pode ter consequências problemáticas porque, no longo prazo, as pessoas muitas vezes mudam suas atitudes em relação ao que percebem ser a norma prevalecente.

Se as pessoas interpretarem mal a norma, elas podem mudar suas atitudes em relação à opinião de uma minoria, em vez de a minoria se adaptar à maioria. Isso pode ser um problema se a opinião minoritária em questão for negativa — como ser contra a vacinação, por exemplo.

No nosso caso, uma consequência da ignorância pluralística pode ser que um retorno ao normal se torne mais aceitável no futuro, não porque a maioria das pessoas desejou este desfecho, mas porque sentiu que era inevitável e que a maioria das outras pessoas queria isso.

Em última análise, isso poderia significar que as verdadeiras preferências da maioria nunca obtêm a expressão política que, em uma democracia, merecem.

Para combater a ignorância pluralística, devemos, portanto, tentar garantir que as pessoas conheçam a opinião pública.

Esta não é apenas uma contramedida necessária à ignorância pluralística e suas consequências adversas — a motivação das pessoas também geralmente aumenta quando elas sentem que suas preferências e objetivos são compartilhados por outros.

Portanto, simplesmente informar às pessoas que existe um consenso social para um futuro progressista pode ser o que desencadeie a motivação necessária para alcançá-lo.

*Stephan Lewandowsky é chefe do departamento de psicologia cognitiva da Universidade de Bristol, no Reino Unido.

Ullrich Ecker é professor de psicologia cognitiva e bolsista do Australian Research Council Future, da Universidade do Oeste da Austrália.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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Fonte: BBC